Mulheres negoceiam direitos dos polícias em Espírito Santo

O caos que se vive em Vitória, na capital do estado brasileiro de Espírito Santo, está agora nas mãos das mulheres dos polícias. Há sete dias que a cidade vê a sua Polícia Militar paralisada, por via de greve, o que já levou à morte de 120 pessoas. Fruto da falta de policiamento nas ruas – apesar de o exército estar a cumprir essa função – e ao medo que se tem vindo a instalar naquela região.

Têm sido estas mulheres, mães, namoradas, filhos e amigas que tem feito subir de tom os protestos.

Desde 3 de fevereiro que estão acampadas em tendas à frente de esquadras e quartéis da Polícia Militar, em Vitória, impedindo as saídas dos maridos para os seus trabalhos.

Revezam-se, definem ações de protesto, usam as redes sociais para convocar mais mulheres para o protesto – têm até uma página de Facebook intitulada Movimento Famílias PMES – e enfrentam os populares que as condenam de serem as causadoras, por um lado, do horror e das mortes a que se assistem na cidade e, por outro, fazem frente às forças policiais que as querem desmobilizar.

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Movimento Família PMES/Facebook

 

Carregam frases de ordem, pugnando por aumentos salariais na ordem dos 100% e um perdão para os polícias, que por estarem proibidos de fazer greve, incorrem em sanções e expulsão. São elas que estão, em grande medida, a negociar os termos do regresso ao trabalho dos maridos com os órgãos do Estado e com as associações do setor.

Pedem, para lá de aumentos salariais equiparados à média nacional [em Vitória recebem 2700 reais, 814 euros, e a média nacional está nos 4 mil reais, 1200 euros] e exigem mais dignidade.

O caos e a mortalidade que o protesto está a gerar levou até o ministro da Defesa brasileiro, Raúl Jungmann, a encurtar a viagem que cumpria em Portugal, durante esta semana, para poder acompanhar de perto a situação que se está a viver na capital de Espírito Santo.

Forma de contornar a lei

Doutorada em Estudos de Polícia e professora do bacharelado em Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz explica porque é que as mulheres se envolvem nestes protestos. “É uma manifestação simbólica que busca produzir dois efeitos: o primeiro, é o buscar a simpatia e a adesão da população, porque mulheres e crianças não são retiradas à força, já que são civis desarmados. O segundo é que, como a greve da Polícia Militar é ilegal, colocar os familiares é uma maneira de contornar a ilegalidade e de poder dizer à Justiça: ‘olha, eu quero ir trabalhar, mas estou a ser impedido. E não posso bater na minha própria mulher, espancar meu filho’”, explicou a especialista e conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao site BBC Brasil.

Na verdade, diz Jacqueline Muniz, “elas vão para a linha de frente para mostrar que o movimento é pacífico, que os policiais não vão sair armados para a rua e dar tiros, destruindo as viaturas e produzir o caos”.

Este tipo de manifestações já aconteceu antes. Em 2015, também foram as mulheres e os familiares dos polícias que saíram às ruas em 2015, em Rio Grande do Sul. “Esta estratégia existe por causa da lógica draconiana e anticidadã do estatuto militar e do regulamento disciplinar, que reduzem o direito dos policiais. Já vimos outros movimentos reivindicatórios em que os policiais se revezavam – parte ia para a rua e parte ficava no quartel – e foram punidos, expulsos. Quanto mais rígido, caduco e opressivo é um regulamento, mais ele induz a que seja burlado. Ele não gera disciplina e hierarquia. Gera revolta, ressentimento. As pessoas não discutem isso, mas é importante”, salvaguarda Muniz.

Imagem de destaque: Movimento Família PMES/Facebook