Mulheres seropositivas são “estigma” social em África

África

Milhões infetados com o vírus VIH/Sida transformaram a África Austral num palco de discriminação social e perseguições várias, problemas que atingem particularmente as mulheres.

“O estigma pode ser pior que a própria doença em si”, resumiu à Lusa Rosette K., 32 anos, uma congolesa que reaprendeu a viver quando descobriu ser seropositiva. As mulheres são a maioria das infetadas pelo vírus VIH/Sida na África Austral.

Há cinco anos, Rosette descobriu que estava infetada. Ao ver seu filho de quatro anos extremamente doente, a mulher suspeitava de desnutrição infantil. Mas quando chegou a uma unidade de saúde em Goma, capital de Kivu do Norte, soube que seu filho sofria, na verdade, dos sintomas do vírus VIH.

“Via que meu bebé estava doente o tempo todo. Trouxe-o para um programa de nutrição, mas foi aí que descobri que ele tinha Sida e eu também”, descreveu.

Foram dois anos para se recuperar do choque da notícia. Emagreceu 16 quilos e entrou em depressão.

“Já tinha ouvido falar da doença, mas quando eu era jovem protegia-me. Fui infetada quando me casei, o meu marido depois disse-me que tinha feito sexo sem proteção antes de se casar”, explicou

Rosette é uma das dezenas de mulheres que integra o programa de VIH/Sida dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) em parceria com o hospital Heal Africa, em Goma.

Vai semanalmente ao hospital para encontrar-se com outras mulheres que, como ela, recebem tratamento e apoio psicossocial.

A maioria dos pacientes que recebe os antirretrovirais é do sexo feminino. E enfrentam o desafio de sobreviver em uma sociedade que discrimina seropositivos, especialmente mulheres.

Até hoje, receia contar à sua família e à comunidade sobre a doença. “O estigma é a primeira reação nas famílias. Decidi manter segredo e não contar a ninguém. O estigma matar-me-ia antes. As pessoas não vão mais querer conviver comigo, eu não aguentaria” admitiu.

No hospital, Rosette considera ter ganhado uma nova família. “Posso trocar informações e falar abertamente com outras mulheres”.

Desde que soube da doença, engravidou mais uma vez, mas, para seu alívio, não transmitiu o vírus para o segundo filho.

“Isso ajudou-me a ultrapassar. Quero contar a verdade aos meus filhos e espero que recebam ajuda e acompanhamento”, afirmou.

Descobrir-se infetado ainda parece ser uma “sentença de morte” para muitas mulheres, admitiu à Lusa Miyisa Kyakimwa, enfermeira do MSF que trabalha como educadora e terapeuta no Heal Africa.

“Estamos a fazer ações de sensibilização em igrejas e comunidades para mudar aos poucos a mentalidade e que as pessoas entendam que ter Sida não é a morte. Elas podem viver uma vida boa mesmo sendo portadoras do vírus”, explicou.

O medo de Rosette de ser isolada socialmente é real. É comum que os maridos culpem suas mulheres por terem sido infetadas e, não raro, são expulsas de casa.

Mais de 70% dos pacientes que recebem tratamento no hospital são oriundos de comunidades pobres.


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“Alguns vivem tão longe que não têm dinheiro para vir ao hospital a cada três meses para buscar os medicamentos. Este é um dos maiores desafios, fazer com que os pacientes continuem a tratar-se”, disse Kyakimwa.

As mulheres são a maioria dos infetados (60%), com uma incidência ainda maior para raparigas entre 15 e 24 anos.

Em 2015, 4.500 novos casos entre mulheres jovens foram registados semanalmente, o dobro do número de homens jovens.

Existem 19 milhões de seropositivos na África Austral, região que abriga 6% da população mundial. O número de infetados representa metade dos seropositivos no mundo, segundo as autoridades.

Em 2015, houve 960 mil novas infeções na região, algo como 46% dos novos casos no mundo. Quase meio milhão de pessoas morreram de Sida ou doenças relacionadas na África Austral, apesar de este dado haver reduzido expressivamente em relação a 2010 (760 mil mortes).