Mulheres voltam à rua em protesto contra acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Cerca de um ano depois de terem protestado contra a decisão do Tribunal da Relação do Porto, por causa de um acórdão que aplicou penas leves a dois acusados de violência doméstica, justificadas por a vítima ter sido adúltera e recorrendo a referências à Bíblia e ao código penal de 1886, as mulheres voltam às ruas de várias cidades do país para contestar outro acórdão do mesmo tribunal, desta vez devido a uma violação.

Em causa, está a recente decisão da Relação do Porto de manter pena suspensa a dois funcionários de uma discoteca em Vila Nova de Gaia, condenados por abusarem sexualmente de uma mulher que estava inconsciente.

As manifestações começam esta quarta-feira, 26 de setembro, às 18h30, na Praça Amor de Perdição, no Porto. Amanhã, é a vez de Coimbra, com a concentração marcada para as 18h00, na Praça 8 de Março. Na sexta-feira, o protesto decorre em Lisboa, às 18h30, na Praça da Figueira

“Já a 27 de outubro de 2017 ocupámos esta praça, para expressar o nosso repúdio e indignação pela decisão do Tribunal da Relação do Porto que lavrou um acórdão que legitimava a violência doméstica contra as mulheres, apoiado em considerações machistas e misóginas sobre o comportamento da vítima. Temos de ocupar novamente a praça, porque não podemos consentir que a justiça seja injusta. Vamos ocupar a praça, para dizermos às vítimas do machismo – seja nas fábricas da cortiça, seja nos tribunais – que não estão sozinhas”, lê-se no post do movimento ‘Mexeu com uma, Mexeu com Todas | Não à cultura da violação’ que organizou o primeiro protesto, no Porto.

A Associação Sindical de Juízes considerou que não houve violação porque “no sentido técnico-jurídico constitui um tipo de crime diferente, punível com pena mais grave”, segundo nota citada pelo DN.

Segundo o artigo 165.º do código penal, que contempla o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência é punível “com pena de prisão de seis meses a oito anos.”Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de dois a dez anos”, acrescenta o número 2 do mesmo artigo.

“Os tribunais não decidem para agradar a militantes de causas”

Face à contestação imediata nas redes sociais e à marcação destes protestos, ao comunicado da Associação Sindical de Juízes Portugueses, cujo presidente Manuel Soares, é um dos autores do referido acórdão, refere que “os tribunais não decidem para agradar a militantes de causas”.

“Os tribunais não têm agendas políticas ou sociais nem decidem em função das expectativas ou para agradar a associações militantes de causas, sejam elas quais forem; a agenda dos tribunais é a aplicação das normas e princípios legais e a justiça do caso concreto”, diz a mesma nota, que classifica de sensacionalista a cobertura jornalística da decisão, que optou por não tornar a pena efetiva para os dois homens condenados pelo crime de abuso sexual.

Já as plataformas feministas que organizaram as manifestações dizem não aceitar “que os tribunais sejam um palco para a cultura da violação, uma cultura que transforma as vítimas em culpadas, que subvaloriza e invisibiliza as vítimas”.

O outro acórdão da Relação do Porto que, no ano passado motivou protestos indignados, acabou por resultar num processo disciplinar contra os juízes autores do mesmo, Neto de Moura e Luísa Senra Arantes, pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), depois de várias organizações terem avançado para apresentar queixa nesta entidade (na galeria, em cima, pode ver imagens do protesto de 2017). O mesmo órgão, anunciou, contudo, não irá abrir inquérito aos juízes do acórdão do caso da discoteca de Gaia.

Mulheres na rua em protesto contra acórdão