Mutilação Genital Feminina: mais meninas em risco, maior formação e mais apoios

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[Fotografia: DR]

As estimativas revelam um aumento na União Europeia do número de meninas oriundas de países com mutilação genital feminina (MGF) em risco de serem sujeitas à prática, segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE). Num estudo divulgado e realizado a propósito do Dia Internacional de Tolerância Zero contra a MGF, que se assinala no sábado, 6 de fevereiro, a agência da Comissão Europeia com sede em Vilnius, capital da Lituânia, escolheu Áustria, Dinamarca, Espanha e Luxemburgo – todos países com robustas políticas e leis de combate à MGF – para estimar o nível de risco de MGF na União Europeia (UE).

O EIGE concluiu que, em três dos quatro países analisados – Áustria, Espanha e Luxemburgo -, o aumento de migrantes oriundos de países onde a MGF é praticada, que se tem verificado na última década, fez crescer o risco de mutilação genital feminina, que consiste na retirada total ou parcial de partes genitais, com consequências físicas, psicológicas e sexuais graves, podendo até causar a morte — ainda é uma prática comum em três dezenas de países, sobretudo africanos.

A Dinamarca continua com uma probabilidade entre os 11% e os 21% de as meninas de países onde a MGF é praticada estarem em risco, representando 1.408 a 2.568 menores.

Ainda que com um intervalo inferior (9% a 15%), em Espanha o número sobe para, respetivamente, 3.435 e 6.025 meninas em risco.

Para contrabalançar este cenário numérico, o EIGE destaca um sinal de transformação positiva: as comunidades afetadas pela MGF a viverem na UE “têm, em grande parte, opiniões negativas sobre a prática e acreditam que está lentamente a desaparecer nos seus países de origem”.

Por exemplo, as alterações produzidas nos países de origem das migrantes de Espanha e Áustria diminuíram a percentagem de meninas em risco elevado de serem sujeitas à prática.

Como exemplo, o EIGE refere que, enquanto em 2011, as meninas mais em risco na Áustria eram originárias da Etiópia, país com uma elevada taxa de MGF, as meninas que correm maior risco atualmente são oriundas do Iraque, país com um índice baixo da prática.

Em resumo — explica Carlien Scheele, diretora do EIGE, citada no estudo, a que a Lusa teve acesso –, “o número absoluto de meninas em risco é maior porque há mais meninas de países onde a MGF é praticada a viverem na UE, mas as comunidades afetadas revelam uma oposição crescente à prática e frequentemente lideram esforços com vista à sua erradicação”.

O EIGE recomenda a adoção de sistemas de registo de casos, à semelhança do que Portugal tem desde 2014 e que, em 2019, sinalizou 129 mulheres excisadas residentes em território nacional. Estima-se que em Portugal vivam 6.500 mulheres excisadas, na maioria originárias da Guiné-Bissau.

Maior formação para lidar com o problema e nova linha de apoio

A partir de segunda-feira, 8 de fevereiro, está aberta uma linha a financeira de 50 mil euros para apoiar as organizações da sociedade civil portuguesa com projetos de prevenção e combate a esta prática que põe em risco, anualmente, três milhões de meninas e jovens em todo o mundo. No primeiro concurso, criado em 2018, foram apoiados oito projetos, das organizações Filhos e Amigos de Farim, Mulheres Sem Fronteiras, Associação para o Planeamento da Família (APF), AJPAS – Associação de Intervenção Comunitária, Desenvolvimento Social e de Saúde, União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), Associação Tibisco, Balodiren e Gentopia. Agora, com esta renovação da linha financeira e apoio, o Governo pretende reconhecer o “impacto do trabalho das organizações da sociedade civil com ampla experiência no terreno”, refere o comunicado. O processo de candidatura está aberta até 8 de março.

A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, reconheceu que há “trabalho a fazer ao nível do ensino superior” e que “colocar esta matéria nos currículos dos profissionais logo a montante seria o ideal”.”Não podemos continuar a ter estudantes da área da medicina, da enfermagem, do direito, da psicologia, das áreas sociais, da intervenção social, da educação sem terem tido formação académica sobre a complexidade deste fenómeno, que é crime também”, recordou em entrevista à agência Lusa, via Zoom. Práticas netas que devem integrar os currículos da formação inicial dos profissionais que poderão vir a ser chamados a intervir sobre o fenómeno, defende a responsável pela pasta da Igualdade.

Claro que, sublinha, a erradicação da prática “passa muito pela capacitação das comunidades e, nelas, das lideranças comunitárias e das mulheres e raparigas”.

Para tal, é preciso “investir mais na educação, na capacitação das meninas e raparigas, e também dos rapazes, especialmente das comunidades afetadas por estas práticas”, destaca. Recordando que o tema “continua a ser tabu” nas comunidades, Rosa Monteiro acredita que “este trabalho só se faz com uma forte ligação às pessoas”.