Harry “põe em causa a sua própria segurança” com livro de memórias ‘Na Sombra’

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[Fotografia: Angela Weiss / AFP]

“A monarquia pode perder com estas revelações, mas não muito. Estas temáticas desgastam sempre a instituição, mas perde mais o casal Sussex do que o rei Carlos III e o filho Príncipe William porque eles estão num bloco”, refere José Bouza Serrano.

Antigo embaixador, conhecedor de casas reais europeias e autor nesta temática crê que o recém-lançado livro Na Sombra, do príncipe Harry, traz relatos e confidências que “põem o dedo na ferida ao mostrar uma instituição que tem imenso prestígio, mas anacrónica à luz de uma realidade em que os titulares são eleitos”. Porém, não vão abalar a monarquia. “Ela vai continuar, o rei continua, vamos ter a coroação daqui a uns meses e vamos ver como vai decorrer”, refere o especialista, que acredita que Carlos III não só não deverá reagir – “talvez apenas a um ou outro facto se se justificar, mas talvez não” – mas que possivelmente contará com Harry nesse momento de coroação, marcado para 6 de maio.

Alberto Miranda, também ele conhecedor das monarquias europeias e autor de livros sobre a matéria e a rainha Isabel II, defende que a “monarquia britânica vai sobreviver a este escândalo”. “Se fizéssemos um referendo, os britânicos quereriam a monarquia, como vimos pelas longas filas no funeral de Isabel II, existe uma ligação forte à família real. Mas é um episódio que fica para a história e fontes do palácio dizem mesmo que o livro teve impacto na saúde da rainha, ela já sabia desta intenção”, acrescenta.

Quanto à coroa, Miranda prevê “espírito de reserva” perante aquilo que considera estar a ser visto como “lavagem de roupa suja em praça pública”, ainda mais grave porque é “um príncipe que foi educado e formado na máxima que também era da rainha never complain, never explain (nunca queixar, nunca explicar), que é o que ele não tem vindo a fazer desde que abandonou funções reais em janeiro de 2020. “Ele decidiu virar costas à monarquia, está no seu direito, mas há traumas que tem, e estes que estão descritos no livro, que se resolviam de forma privada”, considera.

E se Harry é visto por estes dois analistas como estando a reagir como se pertencesse ao universo do star system, tal não deveria acontecer porque ele é, antes disso, um príncipe e a monarquia está num outro plano. Aliás, José Bouza Serrano olha para os excertos desta obra, que se recusa a ler por “já não suportar os duques de Sussex”, e lembra: “Meghan e Harry querem transformar a monarquia na Casa dos Segredos, só que isto não é o Big Brother. Mesmo que queriam fazer um liveshow, há regras e a monarquia, sobretudo a britânica, é o navio almirante”, refere.

Mas há, neste livro, duras críticas a um modelo político e a uma família que deve ser analisado e posto em causa e, entre eles, a relação da monarquia com os media, uma ligação a que Harry apontou o dedo em vários momentos. E se, para ambos analistas, essa é uma das contradições da obra, Alberto Miranda aponta uma outra: “As maiores revelações feitas são sobre William e sobre a agressão física do irmão, mas não creio que isso comprometa o seu futuro como herdeiro do coroa.”

Este autor lembra até que o livro arrisca por em perigo o próprio Harry. “Ele faz uma grande traição ao exército, revela que matou 25 pessoas no Afeganistão. Um soldado não se gaba disso e ele põe em causa até a sua própria segurança, basta os talibãs considerarem tratar-se de crime de guerra, pode ser perigoso para ele”, contextualiza Alberto Miranda que lamenta ainda revelações como “as várias vezes em que consumiu cocaína, detalhes da vida sexual, um striptease da alma, como falava Edgar Morin”.

“Qualquer dia já ninguém quer saber quem são os duques de Sussex, quem é Meghan e se foi ofendida pela cunhada, e ninguém se maça com eles. E tudo continua e já não vão existir argumentos para vender livros e os herdeiros vão seguir o seu caminho, os ramos secundários também, embora dependendo da bondade do rei”, antecipa Bouza Serrano.

E se a família real tem estado em silêncio, as informações têm chegado vias fontes próximas – uma das condenações de Harry à ‘Firma’, como é conhecida – falando em tristeza e desilusão de Carlos III e William.

Ainda assim, quando chegar a coroação, para 6 de maio, não estranhe se encontrar o príncipe Harry. Ele já deixou claro que não recebeu convite e que não mais voltará a trabalhar com a família, mas tanto Bouza Serrano como Alberto Miranda creem que tal seja possível. “Acho que o rei vai convidar os duques de Sussex”, afirma o primeiro, o segundo completa e dá até sinais do que pode acontecer: “Fontes dizem já que Carlos III vai abdicar da homenagem dos duques perante o soberano. Se Harry for, não terá de o fazer”.

Príncipe Harry livro memórias biografia 10 de janeiro 2023
[Fotografia: Divulgação]
Quer para Bouza Serrano, quer para Alberto Miranda o livro Na Sombra traz à luz contradições que podem ferir a obra. “Ele saiu do Reino Unido porque a situação com a imprensa era insustentável e que não parava de o agredir com detalhes da sua vida pessoal, mas ele está a usar essa mesma privacidade para vender, mantendo a acusação”, explica Miranda. Bouza Serrano ironiza: “Como podem estar a apontar a ligação à imprensa, se a mãe, a própria princesa Diana, punha tudo cá fora e estragava tudo o que se combinava, ela tinha a sua própria rede de repórteres.”

Mas há ainda uma outra contradição ainda mais insanável para Alberto Miranda: “Na entrevista à Oprah, Meghan Markle acusou a família real de racista, e agora ele diz, nas entrevistas de apresentação do livro, que a duquesa não disse isso, falou antes em preconceito inconsciente, enraizado na sociedade.”

José Bouza Serrano lamenta e vinca que Meghan Markle “foi recebida de braços abertos pela rainha, o principe Carlos levou-a ao altar e agora eles causaram a maior confusão”. O especialista compara até, tal como Alberto Miranda: “Kate Middleton levou dez anos a ser preparada para a família real, num dos noivados mais longos de dez anos, com Meghan foi diferente, foi mais rápido”. E aqui, tanto um como outro, acusam a falta de estudo da atriz norte-americana em conhecer os mecanismos da monarquia, ainda que ela tenha já dito que não lhe foram dadas todas as ferramentas.

O livro foi lançado simultaneamente em vários países esta terça-feira, 10 de janeiro, pela Penguin Random House. Em Portugal, tem o título Na Sombra e custa 20,66 euros.