Laura Acciaioli: “Não acredito em super-mulheres para sempre”

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Laura Acciaioli é o rosto por trás do Rehabbed Market, que regressa a 5 e 6 de março ao Espaço Amoreiras, em Lisboa (Gustavo Bom/Global Imagens)

Foi tradutora, secretária de administração, gestora de recursos humanos e trabalhou em multinacionais, mas recentemente decidiu que queria trocar os números por pessoas e voltou à base. Agora, é o rosto por trás do Rehhabed Market, o certame que regressa a 5 de março no Espaço Amoreiras e que, nesta edição, vai dar ainda mais voz à mulher: o empreendedorismo feminino. A procura de uma nova vida, a certeza de que, hoje, uma profissão – e de que nada – é para sempre, o fim do conformismo e o mundo da liderança das mulheres são temas que Laura Acciaioli, 42 anos, conhece muito bem.

Como tem corrido esta experiência do Rehhabed Market?

Começamos em dezembro de 2013, num conceito diferente do atual. Na altura, como o nome Rehhabed indica, procurámos ter roupa e calçado em segunda mão, mas praticamente novos, mas percebemos que a seleção era um bocadinho trabalhosa e fomos gradualmente incluindo marcas com artigos novos e adaptámos o conceito e passamos a incluir pessoas que refizeram ou reabilitaram as suas vidas com um negócio novo.

E quem são as pessoas que estão a refazer a vida que mais vos procuram?

São essencialmente portugueses. Existem alguns homens, mas temos sobretudo mulheres. Mas atenção, o nosso produto também é fundamentalmente para o público feminino. Recebemos todo o tipo de pessoas: mais novas – à volta dos 20 anos e algumas ainda estão a estudar -, de 30, 40 e algumas de 50 anos. Temos pessoas que nunca trabalharam e que começaram a fazer almofadas porque gostam de tecidos e acharam que era uma oportunidade e avançaram. Algumas avançaram com o pai, com as filhas e netas, com as irmãs. Não posso dizer que estamos perante apenas uma única tipologia, há pessoas com cursos superiores, que fizeram vidas em grandes multinacionais e que decidiram começar a fazer outras coisas. Há até quem tenha vidas em paralelo, ou seja, trabalham e estão presentes nestes mercados.

E quais as razões que levam estas mulheres a mudarem de vida? Estão nestes mercados porque querem ou porque ficaram desempregadas?

As razões são diversificadas. Mas é muito notório o facto de, a partir de determinada idade, as pessoas começarem a questionar se estão no caminho ou na carreira certas? Então, fazem experiências, e algumas correm bem. As pessoas estão a perder o medo e estas vendas organizadas permitiram dar a conhecer os negócios mais ou menos escondidos e permitem ajudar a profissionalizá-los.

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Que tipo de apoio a organização dá?

Aconselhamos as marcas quando, por exemplo, não têm logótipo, não estão nas redes sociais, não não sabem tirar fotografias dos seus produtos. Incentivamos a que profissionalizem mais a imagem de maneira a que a marca e os artigos sejam mais conhecidos, mais vistos e mais vendáveis. O nosso papel é de ‘mentoring’. Pomos as marcas em contacto com os profissionais da área. Estamos a trabalhar no apoio ao empreendedorismo, embora não sejamos uma incubadora de marcas.

Tal como as marcas no Rehabbed, a Laura também foi mudando de vida: primeiro tradutora, depois gestão e agora empreendedorismo. As profissões para a vida estão a morrer?

A minha experiência de vida sempre foi essa, eu nunca coube em todos os papéis instituídos para as mulheres. Nunca tive a ideia de ter um emprego para a vida. No Rehabbed há pessoas que deram voltas muito radicais, nem todas motivadas por circunstâncias externas como o desemprego. Algumas, por iniciativa própria, resolveram mudar de vida.

Da experiência que tem e dos contactos que tem feito, o que leva as mulheres à mudança?

A ideia de que as coisas são para a vida – emprego, casamentos, relações – já não é assim tão evidente. A vida é mais móvel, as pessoas sabem, cada vez mais, que nada é para sempre, e verem exemplos de outros que mudaram de vida e se deram bem, leva-as a aplicar a mensagem. As pessoas estão a escolher não se conformar.

E nas organizações, qual é o papel das mulheres? Sobretudo quando temos planos governamentais que recomendam que, em três anos, exista, por exemplo, um equilíbrio nas empresas portuguesas cotadas em bolsa.

Agora há esta nova tendência de que as mulheres deviam ser diretoras-gerais e que as empresas deviam ser todas geridas por elas. Mas creio que definir números ou percentagens e dizer que é preciso atingi-los em determinado período de tempo condiciona e desvirtua o conceito. Os homens e as mulheres, os dois géneros, têm de funcionar em conjunto. A energia feminina e a masculina são complementares, não existe uma coisa sobre a outra. Claro que o mundo dominado por homens tem séculos e que o nosso género viveu oprimido durante muito tempo, mas também não implica que, de repente, isto seja tudo nosso e que os homens passem a ir para casa tratar das crianças.

Como seria o ideal?

Em conjunto, em equilíbrio.

Quando chegam mulheres aos mesmo lugares: chegam com o mesmo poder, o mesmo salário?

A resposta é não e depende do contexto, do país e da história. No norte da Europa há uma igualdade maior do que no sul. Há mais mulheres em cargos de gestão e com maior equilíbrio de salário. Não sei qual é a solução mágica, nem acredito que seja se resolva em dez ou 20 anos. É uma questão cultural e esta vai levar muito tempo a mudar em Portugal.

Que medidas proporia?

Medidas práticas que incentivassem uma contratação mais equilibrada, mas sem esquecer, ao mesmo tempo, que em teoria e na prática elas têm a responsabilidade na família. E há uma nova tendência que a mim me diz muito que é: acredito que as caraterísticas de ambos géneros são complementares. Em termos sistémicos, o papel do homem é o de sustentar e o da mulher o cuidar e isto confundiu-se. Mas também não acho que a mulher tenha de estar em casa a fazer o jantar, a cuidar das crianças e, de repente, deva ser extraída desse papel. Eu vivi muito essa ideia, durante anos trabalhei 60 e 70 horas por semana e sei o quanto isso prejudicou a minha vida pessoal. Por isso, considero que é fundamental o equilíbrio em tudo.

Em matéria de Recursos Humanos nas empresas, qual a melhor forma de gerir isto?

Eu zanguei-me um pouco com as empresas.

Por situações desta natureza?

Desencantei-me. Cheguei a uma altura em que estava em Inglaterra como diretora de um grupo de empresas para as quais criava políticas, ajudava na implementação e harmonização dessas políticas, e estava a trabalhar com valores que se sobrepunham a um objetivo maior: o bem-estar de pessoas.

Está a falar-me de políticas de reforço das horas de trabalho?

Estou a falar-lhe de tudo, da cultura que se vive nas empresas e organizações e que no meu entender não é a correta. Saí das empresas grandes por isso.

Chocava-lhe o quê em particular?

Tudo. O perder-se a visão sobre a própria organização e as pessoas que nela trabalham. Números, estatísticas, percentagens, tudo era em função disso. Perdeu a magia, desencantei-me e decidi que não queria fazer parte dessa realidade. Aos meus 30 e tal anos deixou de fazer sentido, Hoje, o meu trabalho é one-to-one [de um para um], procuro trabalhar com cada pessoa e pensar o que pode ser alterado, o que posso melhorar, como ajudar a construir sonhos.

Como técnica, como especialista, para onde crê que caminham as empresas em concreto no que diz respeito às mulheres?

Não sei responder a essa pergunta.

Como é se concilia o facto de se ser cuidadora ao mesmo tempo que se deve ser barra no trabalho?

Há super-mulheres e há super-homens. O que não acredito é que existam super-mulheres para sempre. Tenho várias amigas que estão em cargos de direção, que têm crianças, casamentos, famílias, cão, férias, gato, periquito e, graças a Deus, têm um nível de energia e saúde que dá para fazer isso e vivem bem. Há outras que não aguentam. Acho que nós, mulheres, somos o nosso próprio inimigo ao querermos ser as super-mulheres, por vezes temos de pedir ajuda e tomar consciência de que não podemos fazer tudo.

Em matéria de Recursos Humanos, alguma vez lhe foi pedido para tomar decisões baseadas no género?

Não, nunca. Havia e há funções, acho pessoalmente, que acabam por ser mais indicadas para homens ou para mulheres, se tal envolver trabalhos mais manuais. Mas não falo da gestão.

E diferenças a nível salarial?

Nas empresas onde estive não, mas ainda bem que há a consciência dessa diferença e creio que as percentagens que estão a ser definidas podem vir a ser importantes para definir o percurso que é preciso percorrer.

O que há depois de Rehabbed Market e do showroom?

Para já, há a consolidação destes dois projetos. Há ideias para seguir, mas ainda é cedo. Poderá haver uma descentralização de Lisboa no que diz respeito aos eventos, mas ainda é prematuro falar sobre isso. O showroom, numa lógica pop up, fechou agora e correu muito bem. Estamos a analisar qual o melhor modelo para prosseguir e pode voltar durante este ano. Vamos ter novidades até ao fim deste primeiro semestre e poderá não ser só Lisboa.