Natália Correia: O espírito indomável que marcou Portugal

Há 25 anos calava-se uma das vozes mais livres e inovadoras que a literatura e cultura portuguesa da segunda metade do século XX conheceram. Natália Correia, escritora, poetisa, política e intelectual morreu a 16 de março de 1993, em Lisboa.

Ficaram célebres os seus discursos na Assembleia da República, no início dos anos 80, quando ocupou lugares de deputada, e em que aliava à intervenção política a veia poetico-satírica. A sua qualidade literária e a forma como analisava a sociedade, no seu tempo mas também projetando o futuro, revelaram-se proféticas para muitos, como pode ver na fotogaleria em cima.

Desconcertante, de mente astuta e espírito independente, Natália Correia abraçou os valores da Revolução dos Cravos mas foi fugindo a rótulos ideológicos no pós-25 de Abril, período sobre o qual escreveu num diário que viria a ser recuperado em 2015, num livro intitulado Não percas a rosa / Ó liberdade, brancura do relâmpago, pela editora Ponto de Fuga.

Escritora, editora e jornalista, foi deputada à Assembleia da República, primeiro pelo PSD, de 1979 a 1980 e de 1980 a 1983, e depois como independente pelo PRD, entre 1987 a 1991.

Natália Correia nasceu na Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel, Açores, a 13 de setembro de 1923 – a letra do hino açoriano é da sua autoria. Aos 11 anos foi viver para Lisboa com a mãe e a irmã, enquanto o pai emigrava para o Brasil. Fez os estudos no Liceu D. Filipa de Lencastre e iniciou-se na literatura com livros infanto-juvenis. Seria como poeta que se viria a afirmar, mas a sua produção literária foi profícua e diversificada. Escreveu ficção, literatura de viagens, diário, ensaio e teatro.

Para assinalar os 25 anos sobre a sua morte são lançados nas livrarias, esta sexta-feira, os livros da sua autoria, Descobri que Era Europeia e Entre a Raiz e a Utopia, também publicadas pela Ponto de Fuga.

O segundo título apresenta um conjunto de documentos, na sua maioria inéditos, que retrata a relação entre a escritora e o pensador, pedagogo, ensaísta e cooperativista António Sérgio, durante um período de quase 12 anos, entre 1946 e 1958, em plena ditadura do Estado Novo, refere a agência Lusa.

Descobri que Era Europeia é a reedição de um diário da visita da escritora aos Estados Unidos, em 1950, aos 26 anos. Na obra, que mistura ensaio e poesia, são relatados os “sucessos e contradições” vividos na América, naquela época, que levam Natália Correia a sublinhar as suas raízes europeias.

Segundo a Lusa, esta nova edição é transcrita a partir do exemplar da primeira edição (1951), da biblioteca pessoal de Natália Correia, com as suas próprias anotações. Mas inclui inéditos, como o relato da viagem de regresso, 30 anos depois, em representação do então Presidente da República, Ramalho Eanes.

Também o Centro Cultural de Belém (CCB) presta homenagem à autora de “O Vinho e a Lira”, no próximo dia 24 de março, para celebrar o Dia Mundial da Poesia, que se assinala no dia 21. Este ano, o espaço cultural lisboeta dedica a sua programação por inteiro à vida e obra da poeta.

São sete as iniciativas preparadas pelo CCB para lembrar Natália Correia e o seu legado, entre os quais “Natália Correia, Deputada Parlamentar”, “Vida na Poesia e Poesia na Vida: Origens Açorianas de Natália Correia”, “1968-1974. Natália Correia Superstar?”, “A diversidade criativa”, “Natália Correia, a rebelde” e “À conversa com amigos de Natália”, cruzando depoimentos de Cruzeiro Seixas, Manuel Murteira, António Valdemar e António Vitorino de Almeida.

Será ainda abordado o processo movido contra a escritora, pela publicação de “A antologia da poesia erótica e satírica”, nos anos da ditadura (“O julgamento de Natália Correia”), numa programação que abre com a “A intervenção cívica e cultural” de Natália Correia, e o seu “pensamento inovador”.

As iniciativas decorrem no dia 24 de março, das 15h às 19h.