Natália Lage: “O teatro é amor, o cinema é a paixão e a televisão paga as contas”

O tempo que nos concedem para esta entrevista é pouco. Ficaríamos horas a ouvir Natália Lage.

A atriz brasileira, de 38 anos, celebra este ano, imagine-se, três décadas de carreira e tem tanto para contar. Ela, que tem dado provas do seu enorme talento na Globo, estação para a qual trabalha desde criança, é formada em Ciências Sociais. Mas é representação que lhe traz felicidade plena.

Cinema, Teatro e Televisão… cada saber ocupa um lugar especial na vida de Natália Lage. E as personagens que já interpretou, e que até já lhes perdeu a conta, não podem ser destacadas. Porquê? “Não posso. Não dá para dizer qual a minha preferida. É como que pedir para escolher um filho e uma mãe não faz isso”.

A atriz esteve em Portugal por dois meses a gravar a série País Irmão, série que está em exibição às segundas-feiras à noite, na RTP1, e rendeu-se às maravilhas deste povo. Ao Delas.pt confessou as suas paixões, revelou alguns dos seus maiores segredos e prometeu voltar… com tempo e só para passear!

É verdade que começou a trabalhar com dez anos?

Sim, era uma criança.

Por isso pergunto: Como é que uma mulher de 38 anos tem já 30 de carreira?

É muito tempo, de facto. Comecei muito nova. O meu pai tinha uma agência de publicidade e levou-me para fazer filmes publicitários. Na época havia um departamento de elenco na Globo em que nós podíamos deixar material para possíveis trabalhos. A minha mãe deixou lá o meu currículo com fotografias e aí chamaram-me para fazer um teste para uma série do Tarcísio Meira e da Glória Menezes, que se chamava precisamente Tarcísio e Glória. Foi aí que eu fiz um teste com 800 crianças e, depois de uma repescagem, e mais um casting, fui escolhida. Esse foi o meu primeiro trabalho como atriz na Globo.

A partir daí começou a fazer novelas?

Sim, e durante a minha adolescência fiz também teatro e cinema. Ou seja, comecei muito nova a fazer tudo. Durante estes 30 anos de carreira consegui fazer um pouco de tudo. A verdade é que hoje, com 38 anos, continuo a lutar por aquilo que gosto de fazer.

Qual o segredo para ter vingado na Globo?

Não sei responder a essa pergunta. A minha profissão tem essa magia. Não há uma fórmula certa para que as coisas tenham corrido bem. Isso nunca foi uma coisa muito pensada, porque existem várias direções da carreira. Aconteceu tudo de uma forma muito natural e espontânea. E os trabalhos que iam aparecendo eu aceitava ou não, de acordo com o projeto. Se há um segredo, só pode ter a ver com a paixão e cuidado que eu tenho pela minha profissão. A dedicação e o respeito também fazem parte desse segredo. Isso vai sendo reconhecido de alguma forma e assim fui trilhando o meu caminho. À medida que vamos mais além, vamos também conhecendo as pessoas certas que reconhecem o nosso esforço e trabalho.

Alguém que tenha tido um papel importante nesse processo?

Trabalhei com o Maurício Farias, o realizador de A Grande Família por quatro anos, depois por mais quatro em Tapas e Beijos e também no filme Vai Que Dá Certo, com Fábio Porchat e Gregório Duvivier. Digamos que ele foi uma das pessoas certas com quem me cruzei nesta profissão e que foi importante na meu percurso como atriz. Isto é fruto da minha vontade de fazer. No entanto, há pessoas que tiveram outras trajetórias e as coisas também deram certo para elas. E, depois, também existem muitos atores que começaram em crianças, mas depois não vingam. Atores que ficam malucos, que desistem a meio do caminho porque esta é uma profissão muito árdua. Tem um lado muito glamoroso e alegre, mas também existe uma grande competição porque há muita gente neste meio.

Os pais sempre deram apoio?

Sempre me incentivaram muito. Sempre gostaram das minhas prestações e aplaudiram de pé. Deram-me força e estão sempre presentes quando podem. Até aos meus 14 anos a minha mãe acompanhava-me para todo o lado. A partir dessa idade ia um motorista da Globo buscar-me. Saía da escola e ia gravar de tarde. Na viagem lia os textos, depois gravava em estúdio e regressava a casa em Niterói. Nunca larguei os estudos. Sempre fui muito certinha, porém a minha mãe foi sempre muito atenta.

Formou-se em Ciências Sociais…

Parece que não tem nada a ver, não é? Mas tudo ajuda nesta profissão. O que eu mais gosto na profissão de atriz é o facto de não haver uma fórmula de formação. Posso fazer uma escola de teatro ou cinema, mas penso que o ator é aquele indivíduo que experimenta tudo. Eu, como atriz, posso interpretar as mais variadas profissões. E esse olhar atento para o outro é um exercício de compaixão, de tentar colocar-se no lugar do outro.

Consegue escolher entre o Teatro, a Televisão e o Cinema?

Costumo dizer: o Teatro é o grande amor, o Cinema é a paixão e a televisão paga as contas. Graças a Deus que há, cada vez mais, qualidade na televisão. Sobretudo nas séries, que no Brasil estão cada vez melhores, muito sofisticadas e com pessoas muito talentosas a trabalhar. Têm qualidade de cinema. A novela tem uma qualidade mais reduzida por conta da demanda de trabalho, porque são muitas horas e 30 cenas por dia. É sobre-humano que isso fique primoroso. Claro que há cenas emblemáticas e novelas em que se encontram atores e autores de topo, como foi a Avenida Brasil. Tendencialmente, a novela é feita com alguma pressa e isso dificulta a qualidade do trabalho.

Sei que tem várias ambições ligadas ao Teatro?

Adorava encenar uma peça de teatro. Também me atrai muito o trabalho por detrás das câmaras. Sei que é muito difícil viabilizar e fazer nascer um projeto. Não é um plano para agora, mas vou realizar esse sonho com certeza.

Recentemente a Natália interpretou uma stripper na série Questão de Família, no GNT.

A Isabel é uma personagem muito interessante. É stripper, mas não se prostitui. Ela só dança em casa através de um computador. Ela faz vídeos caseiros e tem uma vida normal. Ela não é uma femme fatale, ela só é extravagante para fazer aqueles vídeos, que encara como trabalho. No entanto, a sua vida nada tem a ver com aquilo. A Isabel, esta websripper como lhe chamam, foi um grande desafio. Também porque a personagem é gay. Foram três temporadas, de oito episódios, que me deram um prazer enorme fazer.

A Natália fez também o Sob Pressão que reflete o estado dos hospitais públicos no Brasil. Aqui, a série País Irmão da RTP, fala da política e do poder económico. Ou seja, através da ficção são passadas inúmeras mensagens importantes. Quando isto acontece é mais desafiador para um ator?

Conseguir dizer coisas através do nosso trabalho é o sonho de qualquer ator. Geralmente, no teatro conseguimos fazer melhor isso. Escolhemos um projeto para falar de um determinado assunto. É a nossa voz como artista. Fico orgulhosa quando a mensagem é passada como alerta ou chamada de atenção.

A série chama-se País Irmão… e define tão bem esta parceria! O elenco tem portugueses e brasileiros, certo?

Atores fantásticos. Vocês cresceram a ver as nossas novelas e nós, quando conhecemos os profissionais portugueses, ficamos maravilhados com o talento. A ficção portuguesa começa a ser mais projetada agora e, apesar da minha ignorância, posso dizer que através desta série fiquei fã da Margarida Marinho e da Margarida Carpinteiro. Duas atrizes que não conhecia e que são excecionais e muito queridas. A série País Irmão tem qualidade de Cinema. Temos uma equipa que faz muito cinema, daí a qualidade ser superior. Isto é televisão de qualidade.

E estão a fazer uma novela, dentro de uma novela/série!

Para mim é um sonho tornado realidade. É um tema que dá pano para mangas. Muitas coisas acontecem nos bastidores que merecem ser contadas, por serem tão ricas e interessantes. Coisas que o grande público não vê e que também fazem parte da história de um projeto, seja ele qual for. Por vezes, nos bastidores de uma novela por exemplo, acontecem coisas que nós atores dizemos: ‘Esta cena é muito melhor do que aquela que vamos gravar’. Conflitos e cenas engraçadas entre atores e a restante equipa. Por isso, temo um mote fantástico para fazer esta série, com esta componente de juntar estes dois países…

… que apesar de distantes falam a mesma língua!

É isso mesmo! Ainda outro dia estava a comentar isso com o José Raposo. Isto prova que só temos que fazer mais projetos juntos. Não há barreiras na língua e produzimos coisas muito parecidas. Nós somos apaixonados por Portugal e vocês… também parecem gostar muito do Brasil. Essa troca tem que ser mais frequente.

O que nos pode contar sobre a personagem?

Eu sou a Branca, uma produtora executiva de novelas. Uma brasileira com uma paixão enorme por Portugal. Isto porque o pai tinha sido um ativista politico e esteve exilado em Portugal. Ela quase nasceu em Portugal. Adora fado e poesia. É uma mulher muito forte, determinada e leva o trabalho muito a sério. Fica muito nervosa, tentando que a coisa funcione porque há, de facto ali, um desentendimento entre portugueses e brasileiros. Depois, há outra questão que ela tem que gerir: a novela é produzida por uma igreja evangélica e esta não quer que a novela esteja vinculada a uma série de coisas. Enfim, a minha Branca vai ter que resistir a isso tudo ao lado do produtor Zé Ávila (José Raposo) e dos argumentistas Luís (Afonso Pimentel) e Rafa (Rodrigo Pandolfo). Com tudo isto a acontecer, a dada altura ela tem uma crise de pânico e várias peripécias acontecem… A série tem muito humor!

Já conhecia Portugal?

Não e estou completamente apaixonada pelo país, pelas pessoas, pelo clima e pelo vento. Nós, no Brasil, temos um calor húmido e não temos muito vento. Quando está quente ficamos todos melados e só melhora quando estamos debaixo do ar condicionado. Aqui pode estar um calor de rachar que, de repente, corre uma brisa… o cabelo voa e só queremos sentir aquele carinho no rosto.

Durante a estadia conseguiu visitar alguma coisa?

Trabalhámos muito. A minha personagem tem muitas cenas, mas consegui duas folgas por semana. Então, passeei por Lisboa, fui ao Bairro Alto, ao Chiado, comi muito bem e provei vinhos maravilhosos. Fomos a Sintra, ao Cabo da Roca e até consegui dar uma escapadinha ao Porto. Fiquei encantada com aquela cidade. É deslumbrante e parece o cenário de filme romântico. A Ribeira é apaixonante, com todas aquelas casinhas coloridas. Lembra a nossa arquitetura, sobretudo no nordeste do Brasil. É muito familiar e vou ter que voltar.

Da nossa música o que tem a dizer?

Adoro fado e a Carminho. Para mim ela é a maior referência da música portuguesa. Depois, não posso deixar de falar da poesia: vocês têm Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Sophia de Mello Breyner… pessoas incríveis que tanto me inspiram!

Fotografia de destaque: Diana Quintela / Global Imagens