“Nenhuma mulher quer sentir que ocupa uma posição apenas porque é do sexo feminino”

Maria Mota iMM
A cientista portuguesa Maria Mota [Fotografia: [IMM]

Maria Mota, cientista portuguesa, 47 anos, acaba de ver o seu trabalho na área do parasita da malária distinguido em Paris, com o prémio de meio de carreira da Sanofi-Instituto Pasteur 2018.

Em conversa com o Delas.pt, a investigadora-principal e diretora-executiva do Instituto de Medicina Molecular (IMM) João Lobo Antunes fala sobre o que representa esta distinção, a “liberdade” e o impulso para a investigação que os novos 150 mil euros podem dar e do facto de, sendo reconhecida lá fora, ter sido uma das investigadoras a quem a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) vetou o apoio para 2019.

Pelo meio, pede que as mentalidades mudem na sociedade portuguesa para que mais mulheres cheguem à liderança dos laboratórios. Uma mensagem que deixa – um dia depois da conquista – para todos e todas, sem género, raça ou outro fator de discriminação.

O que representa este prémio de meio de carreira da Sanofi – Instituto Pasteur?

Representa duas coisas distintas, mas que estão ligadas entre si. Por um lado, para a equipa é sempre bom sentir que há um reconhecimento internacional e que os nossos pares reconhecem o que fazemos. Porque o trabalho de cientista é um bocadinho feito de silêncio e para o qual é precisa muita perseverança. É muitas vezes negativo, a maior parte não é bem-sucedido, as experiências não resultam logo, partimos muitas paredes para chegar a conclusões, e um prémio destes dá sempre outro ânimo. Este prémio tem, depois, um outro lado, que passa pelo dinheiro que recebemos e que podemos usar com outra liberdade.

Que destino vão ter estes 150 mil euros?

Ainda é muito cedo para dizer porque acabamos de saber isto [o prémio foi atribuído na quinta-feira, 15 de novembro], e ainda não discuti com a equipa. Mas a liberdade que temos é tal, é maravilhoso para os cientistas. Com certeza que vamos usar a verba para aqueles tipos de experiência que temos pensados, mas para as quais ainda não tínhamos o dinheiro. Investimentos que podem voltar a fazer a diferença em termos de resultados. Há um grande sentimento por começarmos a sair do laboratório e a trabalhar muito mais com as populações, e ter impacto na população que sofre de malária, este prémio traz uma enorme liberdade e uma imensidão de possibilidades.

“O trabalho de cientista é um bocadinho feito de silêncio e para o qual é precisa muita perseverança”

Em que medida esta descoberta poderá, a prazo, mudar a vida das crianças que morrem a cada minuto no mundo, e que as estatísticas apontam serem duas?

O prémio não foi dado tendo em conta uma descoberta em específico, mas para um trabalho de anos – o meio da carreira. As nossas descobertas são muito básicas, trazem novo conhecimento sobre como funciona o parasita, o que precisa de nós para se alimentar. Se descobrirmos o que ele precisa, se bloquearmos essa necessidade, ele deixa de conseguir crescer e se replicar, não sobrevive. Acaba. Cada vez estamos mais perto de descobrir isso e há várias equipas no mundo, felizmente centenas, a trabalhar na malária.

Apesar do trabalho e do reconhecimento nacional e internacional, tem contrato de investigação apenas até dezembro devido ao facto de ter ficado de fora da lista da FCT dos 500 investigadores selecionados para bolsas em 2019. Que recado é que este prémio deixa?

São coisas separadas. O que tentei transmitir na altura [quando a notícia foi revelada] é que não nos devemos focar nos casos particulares face à FCT. Em Portugal, temos e pensar o que queremos para a ciência nos próximos 30 anos. Não nos devemos focar num problema específico, seja o meu ou de outra qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias. É muito importante focarmo-nos no enorme investimento feito na nova geração de cientistas, conseguimos fazer a diferença. É preciso pensar que tipo de ciência queremos fazer no futuro e como queremos que ela seja vista na Europa e no mundo, e não em nenhum caso especifico. Em todo o caso, está garantido o meu salário até porque continuarei a ser diretora do Instituto de Medicina Molecular até ao fim do mandato, em 2020.

“Não nos devemos focar nos casos particulares face à FCT. Em Portugal, temos e pensar o que queremos para a ciência nos próximos 30 anos”

Mas este projeto da malária, para lá deste prémio de 150 mil euros, tem como continuar a ser financiado?

Vamos arranjar outros financiamentos. A vida de cientista é assim mesmo, é assim que fazemos os projetos que queremos. Vemos sempre isto com bons olhos, e eu sou uma otimista. Vamos sempre arranjar uma solução. Este prémio só nos dá alegria e visibilidade à nossa equipa.

Houve um recente financiamento da fundação espanhola La Caixa. A investigação continuará a ser desenvolvida em Portugal?

Sem dúvida, a minha equipa vai continuar cá. Tenho compromisso ate 2020 e é aqui que vamos desenvolver o nosso projeto. Mas a ciência é de todos e para todos, é do mundo, temos colaboradores e é assim que vemos as nossas ideias espalhadas pelo planeta.

“Vamos arranjar outros financiamentos. A vida de cientista é assim mesmo”

Que retrato faz das mulheres e da ciência em Portugal?

60% do pessoal que o IMM tem é feminino. As mulheres representam 62 a 64%, no momento. Mas o único grupo em que elas não estão representadas com valores de media diz respeito às que lideram laboratórios de investigação. Aí, 30% são mulheres e o resto são homens, uma presença que reflete um bocadinho o quadro do que se vê na Europa. E 30% em Portugal até já é elevado.

Porque é que isso acontece?

Quando as mulheres têm oportunidade de se tornarem lideres de investigação, tal acontece nas idades em que é pedida uma maior competitividade, e é transversal: na ciência, na liderança de empresas. Mas espero que a liderança do IMM, sendo feita por duas mulheres [Maria Mota e Carmo Fonseca] e um homem [Bruno Silva-Santos] possa ser um modelo de que as mulheres podem ser tão competitivas ou mais do que os homens, e que as mais jovens pensem e acreditem que não é por serem do sexo feminino que algo lhes deve ser impedido. Devem lutar pelos seu sonhos como qualquer ser ser humano à face da terra.

“Que as mais jovens pensem e acreditem que não é por serem do sexo feminino que algo lhes deve ser impedido”

Em que medida é que o predomínio de homens na liderança dos laboratórios mexe com as temáticas e com as investigações científicas escolhidas?

Só por si, o grupo de mulheres é tão heterogéneo, que essa realidade difere só pelo facto de ser uma ou outra mulher. Na diversidade está sempre a solução. Excluir seja quem for – por razões de género ou outra – de qualquer chefia é problemático. As chefias que sejam o mais diversas possível. A diferença só é salutar e é muito importante.

Que medidas recomenda para alterar essa realidade?

Já fui a favor, já fui contra as quotas. Hoje em dia, sou contra porque acho que nenhuma mulher quer sentir que ocupa uma posição apenas porque é do sexo feminino. Qualquer um quer ser escolhido porque tem um talento, uma qualidade, ou características que o fizeram ser escolhido, mas não por ser mulher ou homem. Por outro lado, têm é de haver mudanças na sociedade: não só na ciência, mas também na forma como pensamos, na família, em toda a parte.

Como assim?

As mulheres são prejudicadas e não são apenas aquelas que têm família. Há as que não têm e vivem isso na mesma. Tudo isto está relacionado com o conceito geral que a sociedade transmite às meninas, de que provavelmente não são tão capazes como a restante população do sexo masculino. Homens e mulheres fazem isto, muitas vezes, inadvertidamente, até. É este ambiente que temos de admitir para o conseguirmos o mudar.

“As mulheres são prejudicadas e não são apenas aquelas que têm família. Há as que não têm e vivem isso na mesma”

Que mensagem deixa às mais novas?

Aí é que está o ponto. Temos de construir um mundo em que mulheres e homens, com as suas diferenças, sejam iguais, temos de construir uma sociedade em que, independentemente do género ou outros fatores como o racial, qualquer indivíduo tenha as mesmas oportunidades e possa sonhar e lutar para atingir os seus objetivos.

Imagem de destaque: IMM

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