Neste acampamento cigano são as mulheres que mandam

Ciganas

Em novembro de 2011, as irmãs Lindacir e Luci Fernandes, de 32 e 41 anos, respetivamente, deixaram a comunidade cigana onde viviam, no Brasil. Os maridos tinham morrido: um num acidente de carro e outro num conflito entre ciganos. Além dos filhos, que trouxeram nos braços, nada mais tinham que as ligasse àquela comunidade. Mudaram-se para Joinville, uma vila na região norte do Estado de Santa Catarina. Para trás deixaram uma vida que dependia do dinheiro de um traficante de armas, carregada de violência, esforço físico, festas em que os homens não controlavam a quantidade de álcool que ingeriam nem as drogas que consumiam.

destaque“As brigas eram normais nas bebedeiras, não era preciso haver festa. Fiquei tão traumatizada com as lutas que não quero estar ligada a mais nenhum cigano sem serem os meus filhos. Temos medo porque quando se mata, mata. Acabou”, recordou Lindacir Fernandes ao site da AzMina, uma instituição brasileira sem fins lucrativos com o objetivo de combater os diversos tipos de violência que atingem as mulheres.

Um ano depois, em 2012, à dupla juntaram-se mais duas irmãs, Vilma e Delir Fernandes, de 44 e 38 anos. Ambas viúvas também. A última a juntar-se ao grupo da família Fernandes foi Maria Paula, de 34 anos.

Analfabetismo e falta de documentação

Elisa Costa, a presidente da Associação Internacional Maylê Sara Kalí (AMSK), uma organização sem fins lucrativos que trabalha para espalhar as tradições e costumes dos ciganos no Brasil, teve conhecimento da história destas cinco brasileiras em maio de 2012. Informou Estefânia de Souza, a psicóloga que coordena o Serviço de Atendimento e Proteção Básica, da Secretaria de Assistência Social (SAS) da vila, que depressa tentou encaminhar as ciganas para alguns cursos profissionais. No entanto, não foi possível por falta de documentação e analfabetismo por parte das mulheres.

“Foi feita bastante intervenção nesse sentido, mas vimos que não surtiu efeito. Hoje pergunto: até que ponto a cultura delas foi respeitada? Para quem não é cigano já está difícil conseguir emprego, imaginem para elas, que já sofrem com esse tipo de preconceito em qualquer lugar”, explicou Estefânia de Souza.

Por enquanto, as mulheres sobrevivem a vender panos e toalhas que fazem em casa, mas o dinheiro que conseguem juntar é muito pouco. Já tentaram lavar roupa, trabalhar em empresas de limpeza ou como empregadas domésticas. Contudo, sempre lhes disseram que não tinham vaga para elas por serem ciganas e, por essa mesma razão, não serem de confiança.

“Há muito preconceito”

“Já aconteceu termos de ir a pé para o centro da vila vender porque não tínhamos dinheiro para o bilhete. E os autocarros nem sempre param para nós. Chego lá com dois paninhos. Com o dinheiro daqueles dois compro mais três e com o dinheiro daqueles três compro mais quatro. É assim que nós vivemos”, contou Lindacir Fernandes.

Maria Paula sonha poder viver da venda de refeições. Na cabeça tem um menu com vários tipos de carne acompanhados de arroz, feijão e batata. Tudo para fazer crescer água na boca dos clientes.

“É muito difícil porque chegamos a um lugar, não conhecemos ninguém e depois há muito preconceito. Queríamos a segurança de uma casa. Não é por sair de uma tenda ou de uma barraca para dentro de uma casa que vou deixar de ser cigana. Não é por vestir umas calças compridas e tirar esta saia que vou deixar de ser cigana”, acrescentou Maria Paula Fernandes.