Nicholas Sparks. “As minhas filhas choravam com coisas como: ‘o hamster parece triste'”

A fila que se formou para o receber, há uma semana (21 de outubro), quando esteve no Picadeiro Real (antigo Museu dos Coches), em Lisboa, chegou ao Quartel da Ajuda. Centenas de metros a servir de corredor de espera a cerca de 700 pessoas que se deslocaram à zona de Belém para pedir um autógrafo a Nicholas Sparks, escritor best-seller mundial e um dos autores estrangeiros mais vendidos, em Portugal.

O escritor de 51 anos, nascido no estado americano do Nebraska, passou pelo país no âmbito da tournée de apresentação de ‘Só Nós Dois’, o seu 20. romance, editado em 2016, pela ASA. Esta não é a sua primeira visita a Portugal para promover os seus livros, cujas histórias muitos conhecem das adaptações a cinema. ‘Diário da Nossa Paixão’ ou ‘As Palavras Que Nunca Te Direi’ são apenas dois dos seus 11 romances que conheceram versão cinematográfica.

Escrevendo sobre temas como o amor e as relações humanas, Nicholas Sparks trata, na sua obra mais recente da relação entre um pai e uma filha. Pai de cinco filhos, entre os quais duas raparigas, o autor confessa, em entrevista ao Delas.pt, que algumas das brincadeiras que tinha com as suas descendentes foram trazidas para o livro. Este conta a história de um jovem pai que, a certa altura, se vê sozinho a braços com a educação de uma filha de cinco anos. Referido frequentemente como o escritor que melhor compreende as mulheres, Sparks não rejeita o rótulo. Já na escrita há algumas linhas vermelhas que o escritor recusa ultrapassar, “por escolha pessoal”. Tirando isso garante: “sinto-me confortável a escrever o que quer que seja”.

Teve centenas de fãs portugueses à sua espera no Picadeiro Real, em Lisboa, para conseguirem um autógrafo seu e uma selfie. O que é que os seus leitores lhe costumam dizer nestes encontros?
Dizem-me, frequentemente, quais são os romances que preferem, ou dizem-me que um romance, em particular, os tocou profundamente, muitas vezes por aquilo que passaram na sua vida. Por exemplo, se tiveram cancro talvez gostem mais do ‘Um Momento Inesquecível’ , se têm os pais com Alzheimer, é o ‘Diário da Nossa Paixão’ que realmente os toca. Oiço muitas histórias assim.

Este seu mais recente livro “Só Nós Dois’ é o seu 20º. romance. Isso é um feito para qualquer escritor, escrever 20 romances? Não parece sofrer do famoso bloqueio de escritor.
Sofro todos os dias [risos] Sim, tenho regularmente, mas penso que, pelo menos para mim, faz parte do processo criativo. Geralmente, quando estou bloqueado significa que segui um rumo errado no romance e o subconsciente para e diz: ‘ok, volta atrás e edita ou arranja e certifica-te que o romance segue o caminho que queres’. A maioria desses bloqueios não foi permanente, mas alguns livros ficaram a meio, por acabar, porque me apercebi que a história não ia sair como eu queria. Esses foram bloqueios permanentes.

Mas guarda-os à espera de que essa história possa ser retomada?
Não, o que acaba por acontecer é que aproveito algumas partes deles, determinadas personagens são colocadas noutros romances.

Para a história deste ‘Só Nós Dois’ em que é que se inspirou?
Comecei por querer fazer uma história sobre um pai e uma filha, pequena, e falar dos medos parentais. E também sobre o equilíbrio, com o qual toda a gente se debate, quando tem uma carreira e filhos, cônjuge ou parceiro, o que for. Há o trabalho, os filhos, o companheiro, a família alargada, os amigos, o tempo pessoal e o dia não parece ter horas suficientes para fazer tudo. Essa luta é muito comum e quis explorar esse conceito que acaba por ser universal. O outro conceito que quis explorar foi a ideia de que não fomos feitos para viver a vida sozinhos e que, especialmente em tempos difíceis, temos mais capacidade de os ultrapassar se tivermos alguém ao nosso lado. Por isso, este é um romance que explora esses momentos pelos quais o Russel [personagem principal] passa e as diferentes pessoas que estão lá para o apoiar. Às vezes são os pais, outras a irmã, outras a filha, outras a Emily, uma mulher que começa por ser uma amiga próxima e por quem ele se acaba por apaixonar.

Mas quando falamos de progenitores que educam sozinhos os filhos e se debatem com esse equilíbrio, é mais comum eles serem mulheres, as mães. Por que é que neste romance quis fazê-lo na perspetiva de um pai sozinho?
Tento escrever histórias que sejam novas e originais e, para esta história em particular, esta foi a maneira como ela evoluiu porque, como referi, começa da ideia de uma história entre um pai e uma filha. Foi uma ideia que ficou e senti que fazia sentido. Não há nenhuma mensagem nas entrelinhas, a única que há é que para esta história era isto que fazia sentido. Noutra, poderia ter feito muito facilmente a história dos desafios que uma mãe sozinha enfrenta e fi-lo quando escrevi a Theresa Osborne, no ‘Palavras que Nunca Te Direi’. Ela é divorciada, cria sozinha o filho. Também já foquei esses aspetos.

Teve pais solteiros a partilharem a sua própria experiência consigo, depois de lerem este ‘Só Nós Dois’?
Sim. Eu recebo sempre cartas que as pessoas trazem às sessões de autógrafos e frequentemente falam sobre o que as tocou especialmente no romance. Para uns, foi a luta contra o tempo e o tentar ser o melhor pai possível. Para outros, foi a relação entre o irmão e a irmã, que eram muito chegados. Para outros ainda, eram os pais. Diziam-me:’Oh Meu Deus, eles são tal e qual os meus! E o meu pai não nos sabe abraçar ou dizer que nos ama, mas ele é o primeiro a arranjar-te o carro ou fixar o quadro. É bom nessas coisas!’ Oiço muitas versões diferentes sobre o livro.

Falando em diferenças, as pessoas dizem muito que a relação pai-filha é especial. Também acha isso?
Bom, neste caso particular é de facto especial. Eu também tenho filhas e elas são diferentes dos meus filhos, rapazes. Elas gostavam de brincar com bonecas, os meus filhos não gostavam de brincar com bonecas. Eles jogavam à bola, atiravam coisas e davam murros um ao outro. As minhas filhas choravam com pequenas coisas como: ‘o hamster parece triste’. Eu nem sequer sei o que é que isso significa, um hamster parecer triste! Mas depois elas começavam a chorar e eu dizia que de certeza que ele estava bem, estava a comer a sua comidinha. É um hamster! [risos] Mas a minhas filhas choravam. Os meus filhos nunca teriam chorado por causa de um hamster que lhes parece triste. É uma experiência estranha, eu não compreendo, nem sei como reagir [risos]. Eu acho que me ri e disse: ‘os hamsters não têm expressões!’ [risos].

Que experiências da sua relação de pai com as suas filhas trouxe para este livro?
Certamente a parte da dança, coisas que fiz com as minhas filhas como brincar com as barbies, ensiná-las a andar de bicicleta e esse tipo de experiências. Tudo isso foi inspirado nos momentos passados com as minhas filhas.

O Nicholas é visto como o escritor, homem, que melhor compreende as mulheres e a chamada essência feminina. O que pensa disso?
Bem…

É um elogio ou uma pressão?
Sinto-me honrado que as pessoas digam isso e de facto tento criar personagens femininas que sejam autênticas para os leitores e realmente empenho-me nisso. E penso que também vem do facto de ter sido abençoado com muitas e maravilhosas mulheres ao longo da minha vida: a minha mãe, a minha irmã, as minhas agentes, as minhas editoras. Trabalho com muitas mulheres formidáveis. Sempre gostei de mulheres, por isso…

Mas o que é que acha que faz as mulheres identificarem-se tanto com os seus livros?
Acho que elas se identificam com a autenticidade das personagens, as situações e os dilemas que vivem, as lutas que têm nas suas relações, para encontrar a pessoa certa, os medos, as incertezas. E tudo isso é universal.

Metade dos seus romances foi adaptada ao cinema. Também é produtor e guionista. Isso facilita ver a passagem do livro para a versão filme?
Eu gosto dos filmes e fico entusiasmado que seja uma forma de as pessoas conhecerem as minhas histórias porque tento escrever as que acho interessantes. Depois, trabalho muito para que elas saiam o melhor possível. Portanto, se acho que a história é boa, quero que as pessoas a conheçam. Nem toda a gente lê. Por isso se não o fazem, fico mais do que satisfeito, se a conhecerem através dos filmes.

Um dos livros que foi adaptado a filme é o seu primeiro romance ‘Diário da Nossa Paixão’ – que foi recentemente reeditado em Portugal. Tinha 28 anos quando foi publicado. Quando olha para a sua obra que impressões lhe deixa este primeiro romance?
Eu gosto do ‘Diário da Nossa Paixão’. Gostei dele quando o escrevi, 20 anos depois, sentia-me orgulhoso dele nessa altura e continuo a sentir-me e fico muito contente que as pessoas, por todo o mundo, gostem desta história.

Há algum tema, algum romance que gostasse de ter escrito e ainda não tenha tido o tempo desejado para o fazer?
À parte dos tais livros que ficaram a meio, escrevi sempre as histórias que quis escrever. Não há nada que quisesse escrever que não tenha escrito. Não tenho um desejo ardente de escrever ficção científica, westerns ou thrillers. Sou muito feliz a escrever o que escrevo.

Mas à medida que vamos avançando na idade, parece haver assuntos que estamos mais preparados para tratar. Sentiu isso com os seus livros alguma vez?
Não, nunca senti. No ‘Diário da Nossa Paixão’, a personagem principal tem 80 anos e a mulher tem Alzheimer e eu tinha 28 anos quando escrevi aquilo [risos]. Por isso… No ‘Só Nós Dois’ escrevo sobre um homem com uma criança de cinco anos. A minha filha mais nova já tem 16. Sinto que posso escrever o que quero no contexto que quero e, em última instância, o que tento fazer é escrever uma história original, cativante, com personagens autênticas e com o melhor estilo que consiga para que tudo funcione em cada romance. E há temas sobre os quais eu escolho não falar, como o adultério. É uma escolha pessoal, não o quero glamorizar por isso não escrevo sobre isso. Não recorro à profanação – também por uma questão de escolha pessoal – não escrevo cenas de sexo explícitas – também é algo que não mudou, não tenho desejo de escrever sobre isso. Mas fora isso, no que toca aos seres humanos, às atribulações da vida, altos e baixos emocionais pelos quais todos passamos, sinto-me confortável a escrever o que quer que seja.