Leia o perfil de Nonhle Mbuthuma, da África do Sul, ativista de direitos ambientais e do direito à terra, pela Amnistia Internacional Portugal, no âmbito da Maratona de Cartas 2018 – Campanha global de direitos humanos da Amnistia Internacional.

Da janela de sua casa na comunidade tradicional sul-africana de Amadiba, Nonhle Mbuthuma espraia o olhar pelo horizonte do que descreve como sendo “o sítio mais belo em toda a África”. “Vê-se a fauna e a flora, lindas, vemos a terra toda e a comunidade, lá fora, a trabalhar nos campos em conjunto, a vivermos juntos” – é esta forma de vida, esta cultura e esta forma de ganhar sustento, “a tomar conta da Natureza”, que a ativista e líder do Comité de Crise de Amadiba está determinada a defender a todo o custo, até o da própria vida.

Amadiba é uma comunidade agrícola de cerca de cinco mil pessoas com as raízes enterradas bem fundo nas terras de cinco aldeias, incluindo Xolobeni, onde Nonhle Mbuthuma vive com o marido e o filho, de quatro anos, e onde cultiva batata-doce e cebolas. É nestas aldeias da região de Pondoland, na “Costa Selvagem” da província do Cabo Oriental da África do Sul, que a comunidade cultiva a terra, mantém o gado, é dali que as famílias se alimentam, crescem e as crianças são mandadas para a escola com os rendimentos das colheitas. É ali que as gerações se seguem umas às outras.

“Se tomarmos conta da Natureza, a Natureza tomará conta de nós”, repete várias vezes Nonhle Mbuthuma, como alguém que já se habituou a ter de dizer isto tantas vezes até que toda a gente a perceba.

As muitas centenas de famílias desta comunidade estão ameaçadas por um colossal projeto de mineração de titânio proposto pela empresa Transworld Energy and Mineral Resources, uma subsidiária da australiana Mineral Commodities, para ocupar uns três mil hectares da região. Se o projeto receber licença do Governo sul-africano para avançar pelas aldeias dentro – com as minas, as infraestruturas rodoviárias e a gestão dos recursos naturais de água –, a comunidade de Amadiba ver-se-á forçada a deslocar-se ou a viver com a exploração mineira a operar em redor das casas, já sem terras para cultivar nem para criar o gado.

“Se tomarmos conta da Natureza, a Natureza tomará conta de nós”, repete várias vezes a ativista sul-africana

Não é sequer claro como os aldeões serão indemnizados pela perda destas suas terras ancestrais, de propriedade fiduciária do Governo e sobre as quais os residentes locais têm direito de posse comunitária.

“A mineração vai transformar tudo, todo o nosso estilo de vida. Vai causar danos gravíssimos ao ambiente, à terra, à água. O impacto ambiental será muito danoso. As pessoas aqui vão perder muito, vão passar fome. E não é sequer possível compensar a perda da nossa forma de viver e da nossa cultura. A destruição de uma cultura é irreversível”, alerta a ativista, de 42 anos.

Sempre de olhos postos no horizonte, Nonhle Mbuthuma conta que a comunidade de Amadiba teme muito pelo futuro. “Se vendermos estas terras pomos uma sentença de morte sobre as nossas cabeças e dos nossos filhos e netos. A terra-mãe não nos pertence para vender, é herança para as próximas gerações. Quando tens terra tens tudo, tens casa porque tens terra. Se me tiram a terra, tiram-me a identidade. É por causa da terra que sei quem sou. É por isso que não podemos desistir, que temos de nos sacrificar – como já antes os nossos avós e avôs se sacrificaram – mesmo que o sacrifício seja o da nossa vida”.

@Nonhle Mbuthuma

E é. Nonhle Mbuthuma sabe que tem o nome numa lista de “alvos a abater”, tal como o tinha Sikhosiphi “Bazooka” Rhadebe, que era presidente do Comité de Crise de Amadiba quando dois homens armados o assassinaram a tiro, em março de 2016. Esta ativista e outros membros da organização, criada em 2007, já sobreviveram a tentativas de assassinato e vivem permanentemente sob ameaças de ataques e intimidação. As autoridades, porém, mostram-se relutantes em investigar tais incidentes.

“Posso ser morta a qualquer hora, num qualquer dia. Mas não cedo a esse medo. Se isso acontecer, quero ser um bom espírito. Falarei pelos vivos com os nossos deuses”, explica.

A luta determinada que travam pelo direito à terra ancestral e pela sua proteção ambiental, faz com que os ativistas de Amadiba sejam catalogados como antidesenvolvimento por quem critica a oposição que mantêm ao projeto de mineração.

“Nós somos pelo desenvolvimento, por um desenvolvimento que seja escolhido por nós e que proteja a terra-mãe, não um que comprometa a nossa forma de vida e o futuro dos nossos filhos. E damos muito valor a todo o apoio internacional que nos tem sido manifestado, por todos quantos estão do nosso lado e compreendem a nossa escolha por um desenvolvimento que é decidido por nós, pelas pessoas nas suas terras e não alguém, algures, no topo de um edifício governamental”, sublinha ainda Nonhle Mbuthuma.

Petição por Nonhle Mbuthuma

Todas as cinco petições da Maratona de Cartas 2018

Geraldine Chácon: Uma força de mudança que não quebra