Proibir as cirurgias de determinação de sexo em bebés. A ideia foi defendida ontem pelo Ministro-Adjunto Eduardo Cabrita, no Parlamento, e será para aplicar no caso em que os órgãos genitais externos ou internos não estão claramente definidos à nascença. Essas intervenções cirúrgicas foram ontem classificadas pelo ministro como “atentatórias dos direitos fundamentais”.
“Essa é uma reivindicação muito antiga da comunidade intersexo. As cirurgias à nascença, embora sejam mais fáceis, não têm em conta a identidade de género da pessoa, o que pode trazer inúmeros problemas futuros evitáveis se se aguardar para ver qual a identidade de género da pessoa em causa”, defende Eduarda Santos, do Grupo Transexual Portugal (GTP).
Eduardo Cabrita avançou ainda a possibilidade de serem criados protocolos médicos com o intuito de intervir e limitar a realização destas cirurgias apenas em circunstâncias “em que exista um bem fundamental que lhe sobreponha, designadamente a salvaguarda da vida do recém-nascido ou da criança intervencionada”.
Como é lá fora: da lei a códigos de ética
Desde 1 de novembro de 2013 que a Alemanha permite aos pais registar os filhos segundo o género masculino, feminino e indefinido. Uma oficialização do terceiro género que colocou a país na dianteira da Europa. Uma alteração na lei que passou a dar resposta aos pais de hermafroditas, mas também à criança que, uma vez maior, poderá escolher como quer ser definida: homem ou mulher. A lei prevê também que a pessoa possa manter o sexo indefinido até ao fim da vida. Contudo, não está isenta de críticas e os detratores do diploma lembram que este enquadramento jurídico só prevê o hermafroditismo, quando deveria ser mais amplo.
Na Austrália existe, também desde 2013, a possibilidade de os cidadãos com estas condições se identificarem com o sexo “X”, uma definição que fica contemplada no passaporte. Na Nova Zelândia, tal já é possível desde 2012.
Em dezembro último, a imprensa britânica deu conta de um novo código de conduta adotado pela Universidade de Oxford, segundo o qual se recomenda à comunidade que, em vez de usar pronomes pessoais “he “(ele) ou “she” (ela), recorram ao pronome neutro definido como “ze”, de forma a serem inclusivos.
Esta já não é a primeira vez que instituições universitárias recomendam a adoção desta terminologia neutra: nos Estados Unidos da América, a Universidade do Tennessee recomendava o uso de “ze” ou “xe”. Cambridge, de acordo com o jornal britânico The Independent, parece estar a caminhar no mesmo sentido.
Transexualidade no corpo e no papel mais cedo
Morosa e cheia de obstáculos, a mudança de sexo em Portugal volta agora a discussão, com o governo a conceder mais liberdade para as crianças e adolescentes transsexuais.
De acordo com a proposta apresentada a 24 de janeiro, pelo Ministro-Adjunto Eduardo Cabrita, no Parlamento, o objetivo passa por permitir que as pessoas com esta condição possam usar na escola o nome com o qual melhor se identificam, apesar da mudança no Registo Civil só poder ser feita a partir dos 16 anos. Ainda assim, trata-se de um diploma – cuja prazo de conclusão e entrega estão apontados para o próximo mês – que prevê a diminuição da idade mínima para mudar o género legal, introduzindo alterações à lei atualmente em vigor.
Eduardo Cabrita, em declarações na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, adiantou que será feito um trabalho com a comunidade educativa para que a opção da criança seja devidamente acompanhada e reconhecida, “mesmo quando não há alteração jurídica”, mas há uma situação de transsexualidade que é reconhecida pela família e pela criança ou adolescente em causa.
Para o Grupo Transexual Portugal (GTP) – de existência virtual e com ação feita através de reuniões, crónicas ou comentários, aconselhamento e apoio -, “no que se refere aos alunos, é muito positivo que se possam assumir como pretendem, sempre sofrerão menos discriminação escolar. Mas, a discriminação não acaba”, vinca Eduarda Alice Santos, uma das fundadoras do GTP ao delas.pt.
A responsável ressalva que apenas conhece a proposta do PS que foi “transpirada nos media”, o que impossibilita comentários mais detalhados. Em todo o caso, mostra-se concordante: “à priori parece-nos bem, mas por exemplo, não se sabe se continua a ser uma lei patologizante ou não”.
“Demos conta do que sentem os jovens que desde muito cedo se identificam com um género que não responde à imagem corporal. Jovens que fizeram tratamento hormonal mas que não podem mudar o nome, há uma incongruência entre o que sentem e a imagem”, considerou recentemente Nuno Pinto ao Diário de Notícias. Para o presidente da direção da ILGA – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero, até agora era preciso “aprovação médica, o que é um atestado de menoridade aos trans – as pessoas sabem muito bem o que são, além de que na prática a mudança tem implicado mais restrições do que a própria lei”.
Em Portugal, não há dados recolhidos sobre o número de pessoas nestas condições, mas o GTP considera aplicarem-se as estatísticas oficiais internacionais, numa mesma proporção ao que é referido mundialmente. Assim sendo, estima-se que exista um homem por cada 30 mil que sente que é mulher e que uma pessoa do sexo feminino em cada 100 mil possa sentir que é homem.
Para a fundadora da GTP e apesar do que está a ser discutido, muito há ainda a ser feito. “Há que garantir o acesso das pessoas trans às cirurgias que desejam e não às que são impostas (sob pena dos processos pararem), garantir o direito à autodeterminação do indivíduo e libertar os psiquiatras e psicólogos dos seus papéis de juízes para que possam efetivamente ajudar cada pessoa a aceitar-se”.
A lei em vigor é de 15 de março de 2011 e permitiu, de acordo com dados citados pelo DN, a 375 pessoas a possibilidade de mudar de sexo no Registo Civil. Com este enquadramento, as pessoas que vivem esta condição podem alterar quase de forma imediata o nome próprio, com a alteração da certidão de nascimento, e o sexo.