Tieta do Agreste foi a novela que começou a pôr as mulheres portuguesas “nos trinques”, no início dos anos 90 do século passado, e trouxe de volta aquela antiga expressão em Portugal.
Mas a história de Jorge Amado, adaptada por Aguinaldo Silva e protagonizada pela exuberante Betty Faria, trouxe muito mais ao nosso país, em que a moral era ainda muito conservadora, em que os casamentos eram para ser levados até ao fim e as mulheres viviam ainda com a obrigatoriedade de recato e da retidão. Na galeria acima recorde algumas das imagens mais icónicas dessa história que foi exibida na RTP1.
A professora da Universidade de Coimbra e especialista na análise das novelas brasileiras e do seu impacto deste lado do Atlântico, Isabel Férin da Cunha, defende que “Tieta do Agreste trouxe às portuguesas a possibilidade de escolha e mexeu com o divórcio em Portugal“. Sem dados concretos, certo é que para Férin da Cunha “esta novela veio revelar a afirmação da independência da mulher, de esta se tornar autónoma. E, mais do que o divórcio, trouxe outras formas conjugalidade“, refere ao Delas.pt.
“A novela veio revelar a afirmação da independência da mulher, de esta se tornar autónoma”
“Se Gabriela representou uma abertura ao mundo, uma liberdade que não era imaginada em Portugal, Tieta veio consolidar essa mesma ideia de liberdade, mas com custos e consequências associados, com os perigos que as escolhas trazem”, contextualiza a investigadora. Afasta, no entanto, a ideia da chegada do soft porn ao horário nobre televisivo. “Há uma sexualização para a qual nós, em Portugal, e na Europa, de uma maneira geral, não estávamos preparados, uma sensualidade tropical”, diz Férin da Cunha.
“Da análise que fizemos em determinada altura é que ela [a novela] veio reforçar uma sensualidade e escolha sexual e amorosa que ainda era muito recatada e isso trouxe, mais uma vez, a possibilidade de liberdade. Por outro lado, acentuou uma certa sexualização da mulher brasileira com a qual, mais tarde e no decurso na chegada de imigrantes, a sociedade portuguesa se confrontou”, recorda a investigadora. Um embate para o qual as portuguesas não estavam, afinal, preparadas.
O que tem em comum Tieta do Agreste e as Mães de Bragança? Tudo!!!
“Numa sociedade em transição e mais madura em termos de literacia telenovelesca, essa sexualização da mulher brasileira iria refletir-se depois na migração, anos mais tarde“, contextualiza a professora universitária.
“As brasileiras chegaram a Portugal com essas cargas de uma sexualização diferente daquela que existia no nosso país e, numa série de casos, inclusivamente em histórias como as mães de Bragança [movimento de mulheres bragantinas que, em 2003, se opuseram à chegada de brasileiras que se prostituíam ou que acompanhavam os maridos das orimeiars em bares], não foram bem aceites”, conta a professora universitária.
“Elas refletiam a vida dos Bataclãns da Gabriela e depois da Tieta e as mulheres consideradas bem casadas não podiam apresentar determinados traços de sexualidade, não podiam mostrar sensualidades e liberdades”, recorda Isabel Férin da Cunha. “Diria que a sociedade protegia as protetoras da moral e demonstrou ter dificuldade em aceitar uma certa liberdade de comportamentos sexuais ou sensuais“, sublinha
Ou seja, “Portugal aceitou a Tieta“, como diz a investigadora, “mas as muitas camadas de moral social portuguesa, algumas vinculadas e associadas à igreja – como aparece na Tieta – vigoraram, numa sociedade em que valia mais o parecer que o ser”.
Tieta regressa e agora?
Férin da Cunha não crê que venha aí nova libertação. Mas defende que a reposição da novela “vai trazer nostalgias não só para mulheres que viram a história na altura e para quem a Tieta teve um valor acrescido pelos comportamentos que apresentou, mas também pela nostalgia de um determinado imaginário brasileiro que chegou a Portugal e que desapareceu”, considera Férin.
Sobre as histórias de Jorge Amado e as personagens femininas que criou, a investigadora conta que o escritor trouxe “um olhar complemente inédito”. Mais: “Quando as portuguesas o leram nessa sua visão sobre a mulher livre, sexualmente livre e sensual, mas simultaneamente muito sofredora, viram que a liberdade constituía um peso para elas, uma luta que decorria do confronto com uma sociedade fechada e machista, e coronelista.”
A novela vai regressar à Globo, com estreia às 23h00 do dia 8 de janeiro. A exibição será de segunda a sexta-feira, com repetição às 16h35.
Imagem de destaque: Globo