Número de mulheres assassinadas em Portugal desceu, mas ainda são demais

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O ano ainda não acabou, mas já foram 18 as mulheres que morreram às mãos de quem as conhece, de quem com elas mantinha ou manteve relações de intimidade e não só. Contas feitas, nos últimos 13 anos foram 472 as mulheres que sucumbiram à violência conjugal. O número de femicídios perpetrado em Portugal aponta para um decréscimo, segundo os dados recolhidos até 20 de novembro e constantes do Relatório Preliminar do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) e a que o Delas.pt teve acesso.

No entanto, para lá dos números, há nomes e vidas interrompidas. Cândida, Paula, Fátima, Lina, Ilídia, Maria, Juvelina, Maria José, Maria de Fátima, Ana Freitas, Maria Ascensão, Ana, Carla, Ilda, Sandrina sucumbiram perante a violência letal. Mulheres que, em parte, já viviam num perigo conhecido pela comunidade ou pelas entidades.

Apesar dos femicídios registarem o número mais baixo este ano – desde há 14 anos – e de terem diminuído face ao ano passado (22) e a 2015 (29), os responsáveis são cautelosos a falar em “tendência de decréscimo”. “Vemos como positivo, é a primeira vez que, em 14 anos de Observatório, temos um registo tão baixo e é de congratular. Mas, não chega. Nem que fosse uma apenas, não chegaria. Não podemos falar ainda de uma tendência”, analisa Elisabete Brasil.

Números violentos que chegam em vésperas do dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres, que se assinala a 25 de novembro. É, então, este sábado que se realiza uma marcha pelo fim da violência e que vai contar com a presença das ministras da Justiça, Francisca Van Dunem, e da Presidência, Maria Manuel Leitão (saiba mais aqui)


Recorde os dados de 2016 apresentados pelo Relatório Anual de Segurança Interna e pela APAV, ambos de 2016

Saiba quais são os passos necessários para pôr termo à violência doméstica


Ao Delas.pt, a diretora-executiva para a área da violência da UMAR considera que “apesar de termos políticas públicas há duas décadas, de termos mais informação e serviços de atendimentos, a verdade é que não chegam a lugares mais pequenos e muitas mulheres não sentem confiança no sistema de apoio.”

Vítimas tendencialmente mais velhas e em ciclos de violência longos

O relatório preliminar indica que, este ano, “o grupo etário que registou mais femicídios foi o das mulheres com idades compreendidas entre os 51 e os 64 anos de idade (8). De seguida, surge o grupo etário dos 36 e os 50 anos e o das mulheres com 65 e mais anos correspondendo, cada um deles, a respetivamente: 33% e 22% do total das situações”. A maioria das mulheres assassinadas estava empregada, e Madeira e Porto surgem como os distritos com mais casos mortais, 5 e 4 homicídios.

Ora, para Elisabete Brasil, uma das responsáveis deste documento, a questão etária vem dar conta de que “estas mulheres já viviam ciclos de violência há muitos anos e que se foram agravando”, pelo que “não fomos, enquanto sociedade, capazes de interromper esta espiral e responder de forma eficaz a estas mulheres”, analisa.


Metade das vítimas de violência doméstica nunca chega a dizer nada a ninguém


Ainda é no seio da intimidade que os homicídios de mulheres mais tiveram lugar, representando 50% dos 18 casos reportados. Quatro aconteceram já depois da separação ou mesmo do divórcio. Segundo o documento e olhando para dados anuais anteriores, “a residência continua a ser o espaço onde a maior parte dos femicídios foram praticados (15)”, seguida dos crimes que tiveram lugar na via pública (3). A arma de fogo e as brancas foram as mais usadas para pôr termo à vida destas mulheres (seis casos registados em cada categoria), seguido do estrangulamento (3), agressão com objeto (1) e a asfixia.

Ora, o estudo indica que parte dos crimes teve lugar em casos em que as entidades já tinham sido chamadas a intervir. “Da informação recolhida nas notícias publicadas, foi possível identificar que em 9 dos 18 femicídios consumados, a medida de coação aplicada foi a de prisão preventiva e em 1, a medida foi a de prisão domiciliária. Em 5 das situações, não era devida a aplicação de medida de coação, dado que após a prática do crime, o homicídio foi seguido de suicídio”, lê-se no relatório. Elisabete Brasil é perentória: “Houve mulheres que recorreram ao sistema, que até aplicou medidas, mas não foram suficientes para evitar a morte”.

As marcas que as penas suspensas… não deixam

A solução? “Para baixar, precisamos de uma prevenção primária da violência, secundária e de uma prevenção específica feita através de penas mais graves, para que os agressores sintam que há, de facto, uma condenação”, pede Elisabete Brasil.

Mas até que ponto é que as penas suspensas aplicadas aos agressores vêm indicar o contrário? Afinal, foi isso mesmo que sucedeu nos dois casos mediáticos recentes: o acórdão polémico do Tribunal da Relação do Porto – que minimizou a agressão devido ao comportamento adúltero da mulher – e no caso que envolve Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho, e que já resultou na condenação deste, tendo anunciado recurso.

“São casos de grande visibilidade, em situações económico-sociais bem distintas, mas com finais muito semelhantes e isso é o quotidiano”, sintetiza Elisabete Brasil, para quem “os juízes podem fazer diferente”.


#delasexplica: A pena suspensa também é castigo?


“O sistema tem de pensar nesta revitimização, em que deixa o agressor impávido e sereno com uma medida de pena que, a existir, não traz grande impacto da sua vida pessoal, social e profissional, mas altera profundamente as vítimas, elas é que tem de proteger, de encontrar provas”, diz Elisabete Brasil. Para a responsável da UMAR a questão é simples: “esta situação é muito injusta, o que pode fazer com que as mulheres não recorram ao sistema e percam a confiança nele.”

Metade dos atentados à vida partem de homens que o sistema já condenou

Em 2015, foram registados 39 casos, em 2016, 31 e, até agora, estão contabilizados 23 homicídios de mulheres na forma tentada. “Também falamos de um decréscimo”, congratula-se Elisabete Brasil. Para, de seguida, sublinhar, com veemência: “verificamos que não morreram, mas estas mulheres passaram a estar absolutamente condicionadas por um crime que foi cometido contra elas. Falamos de vidas completamente devastadas. Ainda que tenham sobrevivido, isto gera um impacto brutal”.

Neste capítulo, a idade média das mulheres vítimas baixa para os 36-50 anos: com 7 casos reportados (há outros tantos que não estão identificados). As situações estão ainda melhor retratadas porque, lê-se no estudo, em 12 casos havia histórico de violência doméstica e “a 10 dos agressores tinha sido aplicada a medida prisão preventiva” e a dois tinha sido “promovida a medida de imposição de conduta sob a forma de afastamento e proibição de contacto com a vítima, um deles com vigilância eletrónica” (há nove desconhecidos).

Falamos de vidas completamente devastadas. Ainda que tenham sobrevivido, isto gera um impacto brutal

São indivíduos que acham que estas mulheres são pertença sua, são coisas, não conseguem viver desapossados delas e que a vida delas lhes está nas mãos, a ponto de lhes tentarem pôr termo de forma bárbara”, considera Elisabete Brasil. Setúbal e Lisboa surgem como os distritos com maior prevalência e a residência continua a ser o local de maior perpetração da tentativa de homicídio.

Os filhos: que futuro?

O relatório traz uma indicação preocupante: cinco mulheres morreram às mãos dos filhos, como referido acima. Mas eles têm sido também, por outro lado, os principais espectadores de dramas longos e de tragédias dentro de portas. O relatório contou 45: 27 filhas/os que perderam as suas mães e 18 que quase as iam perdendo, na sua maioria descendentes comuns do agressor e da vítima. No caso dos femicídios, a maioria tinha mais de 18 anos.

Para a diretora executiva da UMAR, é preciso intervir também neste campo. “O Estado deve disponibilizar apoio, o importante é não chegarmos aqui. Nos últimos anos, são centenas as crianças que ficaram sem pais e sem mães, centenas de crianças cuja única ideia de relação que têm na intimidade é este. Episódios que as marcam para toda a vida. Há que lhes dar exemplos positivos e outras referências de intimidade e de conjugalidade.”

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