Nuno Baltazar: “Deixo de apresentar no Portugal Fashion porque não acredito nesta direção”

O estilista Nuno Baltazar anunciou oficialmente, esta segunda-feira, 18 de março, que o desfile do passado sábado, no Portugal Fashion, no Porto, foi o último que o designer fez para aquela plataforma de promoção e apoio dos designers nacionais.

“Há aproximadamente 3 semanas decidi que a minha 30ª coleção seria a última a ser apresentada na plataforma Portugal Fashion. Ainda ponderei cancelar o desfile, mas decidi não cancelar por respeito à equipa maravilhosa que trabalha comigo, por enorme carinho à Isabel Branco e pelos esforços levados a cabo pela Ana Paula Andrade na preparação de um set design especial para o desfile”, escreveu Nuno Baltazar, na sua página oficial do Facebook.

A notícia desta decisão foi conhecida logo após o desfile, numa entrevista que o estilista deu à jornalista Margarida Brito Paes, da revista ELLE Portugal, que referencia na mesma mensagem e a quem agradece por lhe ter permitido deixar claro “a enorme desilusão para com esta plataforma e tristeza por ter de tomar uma tão difícil decisão”.

“Mas paralelamente a este momento de “desamor” há uma decisão muito consciente, estruturada e que faço questão de partilhar”, justifica o estilista, que não poupa críticas à direção da estrutura.

“Deixo de apresentar o meu trabalho no Portugal Fashion porque não acredito nesta direcção, não acredito no projecto que desenvolvem para aquela que se diz ser a maior plataforma de apresentação da moda em Portugal. Não é! Porque a moda é muito mais do que números, porque tudo que se passa é muito mais do que esta aparente efervescência. E eu não quero, não aceito e não valido mais este vazio absoluto de estratégia, falta de paixão e respeito pela moda e por quem nela trabalha”, afirma.

Num longo post, o designer explica as razões que o levaram a tomar a decisão, com várias acusações, pelo meio.

“A dignidade das apresentações de moda de autor e as condições de trabalho das equipas que trabalham arduamente para que os desfiles aconteçam está seriamente comprometida, porque o verdadeiro objectivo não é o de elevar e projectar os designers portugueses. O objectivo é cumprir com candidaturas que garantam a manutenção de atribuição de verbas para a suposta promoção da moda portuguesa. Não conta nada o que os designers pensam, o que fazem, as suas diferenças e objectivos (…) Não importa avaliar resultados, não importa avaliar se foi bem ou mal feito e muito menos importa avaliar se a moda de autor foi verdadeiramente valorizada.”

O designer afirma que desde outubro do ano passado tem vindo a pedir “esclarecimentos formais sobre as estratégias e critérios das ações internacionais”, acusando a organização de “falta de transparência nestes processos” e de “diferentes critérios consoante os criadores”. “As respostas foram sempre evasivas e informais, feitas telefonicamente para que não existisse um compromisso escrito nessas respostas. Mesmo assim insisti, quis saber, estruturei emails, fiz perguntas, apresentei argumentos e pedi esclarecimentos. Nunca obtive respostas formais e esclarecedoras às minhas questões. Não sei se tenho direito a elas mas quero acreditar que sim”.

Nuno Baltazar diz que se sente “à vontade para fazer estas declarações” porque tentou reunir várias vezes com a atual direção, alegando que não terá obtido a resposta pretendida. “Esperei meses, fiz sugestões e pedi esclarecimentos. Fiz tudo o que podia para tentar levar esta relação a bom porto, dei o beneficio da dúvida, dei a 2ª e a 3ª oportunidades e o que recebi em troca foram sucessivas manifestações de desrespeito para comigo e para com os meus com 20 anos de muito trabalho”.

O estilista diz que fala apenas em seu nome e que quando se refere à moda é à de autor que está a aludir. No entanto, deixa também críticas aos colegas, dizendo que há falta de união entre os designers nacionais e que isso é uma fragilidade para quem faz da criação o seu trabalho. “No passado recente tentei criar uma associação de designers mas infelizmente não tive o apoio necessário da esmagadora maioria dos meus colegas. E é exactamente dessa falta de união dos criadores que nasce a maior fraqueza dos designers portugueses. Não temos quem nos represente e defenda a dignidade da moda de autor em Portugal e a forma como ela é levada a plataformas internacionais”.

Assumindo que “bate com a porta”, Nuno Baltazar acusa ainda a atual direção do Portugal Fashion de não dignificar e potenciar “o trabalho árduo dos criadores portugueses”. “Potencia apenas o nome da plataforma e a vaidade e deslumbramento de quem a dirige”.

Contactada pelo Delas.pt, Mónica Neto, Project Leader do Portugal Fashion, responde às declarações de Nuno Baltazar, através de comunicado, afirmando que “a moda portuguesa atravessa um bom momento, quer a nível nacional, quer internacionalmente, de que é exemplo a recente conquista de Alexandra Moura no calendário oficial de Semana de Moda de Milão”.

“O Portugal Fashion é um projeto evolutivo e dinâmico, com mais de 20 anos, que acaba de promover uma edição nacional com cerca de 50 participantes. Lutamos diariamente para estar ao nível das expectativas de cada um, mas nem sempre é possível, especialmente num enquadramento de projeto coletivo.”

O comunicado termina dirigindo-se ao estilista, sem responder diretamente às acusações que este faz à política da direção, desejando-lhe “votos de sucesso” para o futuro. “Perante as notícias do Nuno Baltazar, resta-nos desejar os maiores votos de sucesso a um designer de elevada qualidade, de quem gostamos muito, que ainda no passado sábado apresentou uma excelente coleção na 44.ª edição do Portugal Fashion.”

Apesar da desvinculação do Portugal Fashion, Nuno Baltazar não pretende deixar de fazer desfiles e de apresentar o seu trabalho, embora admita que ainda não saiba “como e quando” o vai fazer.

“Nos últimos anos tenho assistido a uma enorme desvalorização dos criadores nacionais. Espero que a minha decisão possa contribuir de alguma forma para darmos a volta a isto e não tenhamos vergonha de assumir o protagonismo no momento em que escrevemos a nossa história”, conclui.

 

Notícia atualizada às 19h08 com resposta de Mónica Neto, Project Leader do Portugal Fashion.

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