Nuno Mendes: “Senti pena de as pessoas não conhecerem a riqueza de Portugal”

A viver em Londres, onde tem o restaurante Taberna do Mercado, o Chef Nuno Mendes, esteve no início deste mês em Lisboa, mais propriamente na loja Vintage Department, para apresentar o seu mais recente projeto, ‘Lisboeta: Recipes from Portugal’s City of Light’. Um livro escrito em inglês, mas recheado de receitas, memórias e histórias bem portuguesas. O Delas.pt esteve à conversa com o autor que descreve o manuscrito, não como um livro de receitas mas como uma carta de amor à capital portuguesa.

O livro já se encontra à venda nas várias livrarias do país, por €35,25. A versão em português deverá chegar em 2018, em março ou abril.

Com uma gastronomia tão vasta em Portugal, onde cada região se caracteriza por determinada iguaria, porquê focar-se em Lisboa?

Lisboa é a minha cidade natal. Eu nasci e cresci aqui. Se começo a falar em Portugal, naturalmente, o meu primeiro ponto de referência é Lisboa, porque é o espaço onde passei mais tempo. Além disso a cozinha da cidade é vasta, sendo marcada por várias influências, desde a época dos descobrimentos, até às de todas as pessoas que hoje vêm de vários pontos do país para a capital e isso permite-me mostrar o povo português.

Mas o que é que o despertou para isso?

Já andava com esta ideia fisgada há algum tempo, porque depois de todas as viagens que tenho feito e dos sítios onde vivi e onde comi, senti pena de as pessoas não conhecerem a riqueza que nós temos. Senti-me desiludido comigo próprio por não estar a mostrar às pessoas o que temos e achei que tinha uma certa responsabilidade em fazê-lo. Talvez por estar na Califórnia e provar azeite e falarem de azeite espanhol, italiano ou francês e saber que o azeite português é tão bom ou melhor. Provar o chouriço espanhol e pensar no chouriço português, assim como os mariscos. Não fiquei revoltado, mas senti que não havia visibilidade. Em São Francisco, lembro-me que as pessoas não conheciam Portugal. Na Califórnia ou Miami perguntavam-me de onde eu era, eu dizia que sou português e eles respondiam: “Isso é na América do Sul, não é?” e eu: “Não, é na Europa, é ao lado de Espanha”. Entretanto cheguei a Londres, aliás mudei-me para Londres para estar mais perto de Portugal e ter um maior contacto com o país.

E o facto de ser um livro tão português, mas escrito em inglês tem haver com essa vontade de mostrar Portugal ao mundo?

Essa é uma das principais razões. Eu queria que este livro fosse primeiro publicado em Inglaterra, daí ser escrito em inglês. Muita gente de fora de Portugal não conhece e talvez este livro abra um pouco a porta às pessoas e lhes mostre que existimos. É o livro tanto de receitas como de homenagem, é como uma carta de amor à cidade. Oxalá desperte o interesse para que queiram vir até cá.

E como é que selecionou os pratos que apresenta no “Lisboeta: Recipes from Portugal’s City of Light”?

Listas e listas e listas. E depois cortar e editar, editar, editar. Eu fiz um esforço também para tentar que o livro fosse usável, por isso tive que focar-me em ingredientes que no Reino Unido seriam acessíveis, assim como na Austrália ou nos Estados Unidos. Isto para que as pessoas possam reproduzir as receitas. O livro é um manuscrito bonito, é uma peça bonita e pode estar numa mesa de café como peça de decoração, mas a ideia é que esteja na cozinha. Que as pessoas abram e que depois de folhear tentem fazer as receitas. Se a pessoa faz uso dele na, se está a cozinhar e a ler as histórias e a aprender e a emocionar-se, é isso que faz do livro um objeto especial.

Todos os pratos do livro seguem à risca a tradição ou têm um cunho pessoal? Encontramos em todos eles um bocadinho de Nuno Mendes?

Sim. Eu tinha que fazer isso, estou inspirado pela tradição, mas também tenho que dar um bocadinho do que é meu. Não é mudar, mas há algumas diferenças, quer pelo produto, quer pelo que aprendi e também pelas coisas que achei que tinham de ser ajustadas no prato em si.

“Eu não queria fazer um livro de receitas. Não era esse o propósito, se fosse um livro de receitas ia a um ponto muito abaixo do que eu queria fazer, porque o objetivo era mesmo contar um pouco as minhas histórias”

Além dos pratos, com os ingredientes e a receita, o livro traz memórias pessoais ou notas junto a cada um dos pratos, bem como pequenos cadernos com a história e outras informações sobre Lisboa. Foi a forma que arranjou para apresentar mais de Portugal do que só a gastronomia?

Era esse o objetivo. Eu não queria fazer um livro de receitas. Não era esse o propósito, se fosse um livro de receitas ia a um ponto muito abaixo do que eu queria fazer, porque o objetivo era mesmo contar um pouco as minhas histórias, contar as histórias da cidade e as receitas são a linha condutora de um dia de visita por Lisboa.

Daí haver um capítulo totalmente dedicado ao mar?

A praia é uma presença tão grande aqui. Eu lembro-me de uma vez ter vindo cá em abril e ter ido ter com um amigo meu a Cascais, fui desde o Monte Estoril até lá pelo paredão. Cheguei a uma praia, olhei e vi que estava cheia de pessoas e era uma quarta-feira. Não era feriado, não era tempo de férias, olhei e pensei: “É por isso que se calhar o país não está a andar para a frente. A praia está cheia numa quarta-feira em abril! Toda a gente está aqui”. Acho que é a beach live, nós vivemos muito isso e temos muito essa cultura da praia, adoramos a praia, é uma parte enorme da nossa vida e se calhar também dita um pouco o ritmo da cidade. E, claro, também pela a proximidade do mar. Cada português sabe o que deve saber acerca de peixe, toda a gente tem a sua opinião bem formada. Se uma pessoa que não seja portuguesa começa a desafiar algum português acerca de praia ou de marisco… Esta cultura é uma coisa que é muito nossa.

Uma cultura da qual o Nuno, durante a apresentação do seu livro, disse sentir saudades, sendo que a certa altura sentiu que se estava a afastar um bocadinho das suas raízes. Além de vir para a Europa, escrever este livro é voltar a aproximar-se?

Precisamente, acho que tive medo de me esquecer. Tive medo de não conseguir passar a parte mais forte de mim aos meus filhos, por me esquecer, por perder a minha identidade. Então queria, através da Taberna do Mercado e através do livro, começar a contar a história e ajudar-me a mim próprio a recordar e a captar memórias. E tem sido um trabalho muito inspirador e muito importante, é algo que me está a mudar muito, positivamente.

 

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