Odete Estevão, a senhora do chocolate

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Lisboa, 24/01/2017 - Odete Estevão, participante da Feira de Chocolate em Lisboa, fotografada esta manhã, antes duma entrevista ao site delas.pt ( Gustavo Bom / Global Imagens )

Quando falar com Odete Estêvão pela primeira vez vai pensar que esta mulher, especialista em chocolate e uma das principais responsáveis pelo evento O Chocolate em Lisboa, é francesa. Mas não se deixe enganar pelo sotaque. Nasceu no Zimbabué e está em Portugal desde os 6 anos.

Nunca foi gulosa. Em pequena guardava todos os chocolates que lhe ofereciam e era a irmã quem acabava por comê-los. Apaixonou-se por chocolate quando, em casa, um dos membros da família teve de fazer dieta e se trocaram as sobremesas por verdadeiro chocolate. A paixão durou até hoje. Além de ser uma das organizadoras de O Chocolate em Lisboa, já lançou um livro, abriu o seu próprio negócio e fundou há 12 anos o Cacau Clube de Portugal.

À conversa com o Delas.pt, Odete Estêvão conta-nos todas as novidades que poderá encontrar nesta edição da feira de chocolate no Campo Pequeno, que decorre de 9 a 12 de fevereiro, e fala-nos do futuro do chocolate, em Portugal e no mundo.

O que vão os visitantes da feira Chocolate em Lisboa 2017 encontrar de diferente em relação aos anos anteriores?

Nesta edição encontram chocolates feitos com uma técnica nova, que é uma revolução na indústria. Com umas pequenas máquinas consegue-se fazer o chocolate a partir da semente, a pessoa é um artesão autónomo e faz, com as suas máquinas e depois de comprar as sementes, o seu próprio chocolate. Isso é o mais revolucionário este ano. O evento tem imensas marcas, que correspondem a determinadas lojas, com novidades, algumas dedicadas ao Dia dos Namorados. Como é uma referência nacional há um conjunto de peças de chocolate que normalmente não se vê noutros sítios. Uma pessoa que goste de chocolate, quase purista, come é tabletes de chocolate, para saber as percentagens, ter a experiência dos aromas e sabores. Isso é com tabletes que se faz. Quando a pessoa já é perita no assunto comerá bombons, mas só muito bem escolhidos.

As pessoas vão poder ver como estas máquinas revolucionárias fazem o chocolate ou vão apenas ver o chocolate já feito?

Vão ter oportunidade de ver o chocolate porque há um stand que tem tabletes bean to bar, que é o nome desta técnica. Depois também temos um workshop em que as pessoas veem e ficam a saber como funciona a tecnologia. Temos um concurso em que o primeiro prémio é um conjunto de máquinas bean to bar. Não dá para ver totalmente o processo porque demora cerca de dois dias e meio até acabar. A semente tem de ser torrada primeiro, tirar-se a casca, depois tem de ser moída numa das máquinas e esmagada. São vários processos dentro de cada uma das máquinas. A pasta de cacau é a coisa mais importante, é com ela que vou fazer a minha tablete. Depois tenho de juntar baunilha e há uma das maquinetas que mexe tudo durante várias horas e quanto mais horas forem mais aperfeiçoado fica o chocolate. Depois entra a mão humana, que faz o tempero e molda a tablete. Mas para isso não há máquina nenhuma, é sempre o ser humano que faz.

Então estas máquinas não vêm tirar empregos a ninguém na indústria do chocolate?

Não, vêm dar lugar aos artesãos que querem fazer chocolate por si próprios, mas é sempre necessária mão humana. A fase final tem de ter sempre o técnico que saiba temperar, moldar e tirar a tablete. Sei que em Aveiro há uma marca de duas raparigas que já têm estas máquinas. Neste evento as pessoas vão poder saborear e ver as diferenças. Uma coisa é ser feita por nós próprios, outra é ser feita industrialmente.

No fundo, as bean to bar vêm dar oportunidade a qualquer pessoa de produzir chocolate em casa…

Sim, queremos criar em Portugal mais locais com isso.

Nota-se alguma diferença no sabor do chocolate feito por esta técnica?

Depende da plantação de onde vem a semente. No bean to bar nós compramos as sementes e fazemos as nossas próprias tabletes dali, outra coisa é termos de comprar chocolates dessas regiões e fazermos os nossos chocolates. Outra coisa diferente ainda é comprarmos a pasta de cacau e fazermos chocolates. É um mundo muito rico. Normalmente no bean to bar, quando compramos as sementes, elas podem ter sido secas e fermentadas bem ou mal. Se tiverem sido bem fermentadas antes de serem comercializadas nós temos um produto alimentar muito bom. Aí entra a parte da saúde. Quando compramos um chocolate industrial, ele por princípio já foi alcalinizado, perdendo muitos compostos da própria semente de cacau.

Da experiência que tem tido das edições anteriores da feira Chocolate em Lisboa, quais são as atividades que mais atraem as pessoas?

Variam entre o chococoking, onde estão chefes de pastelaria, chocolateiros e outros especialistas em cozinha que fazem tudo com chocolate, e os workshops. Este ano temos vários bastante interessantes. Um deles é o Bombons com Fibras, onde se fazem uns bombons mais saudáveis que vêm do Instituto Superior de Agronomia. Temos outro que é O Chocolate com Pais e Filhos, que aborda a ligação entre famílias e damos a conhecer aos jovens as particularidades, características, interesse e aromas do chocolate. É quando são pequeninos que se apura e vai-se criando este mundo, quanto mais pequeno aprendermos estas experiências, melhores ficamos. Temos um workshop de bean to bar para aprender a técnica de que já falámos, temos outro de vinhos com bombons para aprender a lidar com os diferentes sabores, e outro dedicado ao Dia dos Namorados com um espetáculo de burlesco. Este é só para mulheres. Por fim, temos um de massagens com chocolate, essencialmente manteiga de cacau, mimos para animar as pessoas, um palco com música e um chocolateiro a temperar chocolate. Aí as pessoas vão poder ver que quando o chocolate está temperado solidifica muito rapidamente.

Por que razão o chocolate dedicado ao Dia dos Namorados vai ser apenas para mulheres?

Por que é burlesco, com aquelas atitudes mais glamorosas que nos ensinam a atrair o sexo oposto. Ninguém se vai despir, apenas vão aprender a ter movimentos sensuais para o Dia dos Namorados.

Com o workshop dedicado aos chocolates saudáveis querem desmistificar a ideia de que comer chocolate não é saudável?

Nós precisamos de fibra para sermos mais saudáveis e o Instituto Superior de Agronomia introduziu fibra no creme dos bombons. Ao introduzir essa fibra torna-os mais saudáveis, até porque as pessoas hoje em dia comem pouca fibra, poucos vegetais.

Então pode ter-se uma alimentação saudável sem eliminar completamente o chocolate da dieta?

Sou nutricionista e todos os meus clientes bebem de manhã cacau em pó e comem chocolate, mas um chocolate bom. E um chocolate saudável não são bombons, são tabletes de chocolate, de um bom chocolate.

Quais são os chocolates mais saudáveis do mercado?

Temos de comprar tabletes de boa qualidade e o preço diz tudo. Se comprar uma tablete barata é mau sinal, mas também existem tabletes de 10 euros que não são saudáveis. Temos de comprar tabletes que, nos ingredientes, tenha apenas pasta de cacau, açúcar e manteiga de cacau. Não deverá ter mais nada. Quando um chocolate tem apenas 40 ou 50% de cacau é um mau chocolate porque está carregado de açúcar e aí é que estão as calorias que as pessoas dizem que não podem comer. Quando se compra um chocolate com 64 ou 85% de cacau o resto é açúcar, mas nós precisamos de açúcar para duas coisas: para ganhar energia e para dar cheiro e aroma ao chocolate.

O chocolate já não tem segredos para si?

Há sempre muita coisa para aprender com chocolateiros, nas plantações. Tenho ainda muito para aprender.

Lembra-se da primeira vez que provou chocolate?

Não sou gulosa, nunca fui. Quando era pequena até a minha irmã vinha comer os chocolates que eu guardava. Ela comia rapidamente os que lhe davam a ela e depois vinha comer os meus.

Agora até já tem a sua própria marca…

Sim, o Chocolate da Odete, há dois anos. Todos gostavam dos meus chocolates, especialmente da minha tarte, e perguntavam-me porque não vendia. Resolvi vender e vai estar neste evento também.

Onde as pessoas podem encontrar o Chocolate da Odete?

Podem comprar encomendar no Facebook ou comprar no Sabores de Algés, em Algés, que o senhor comercializa os meus produtos. Este Natal foi um boom de vendas. Criei também o Cacau Clube de Portugal, que faz agora em março 12 anos, é uma associação sem fins lucrativos e promove tudo o que é para bem do chocolate e do cacau. Com os anos criei também o meu livro com chefes que sempre colaboraram comigo e no Cacau Clube. Tem receitas com diferentes graus de dificuldade e que explica tudo, desde a semente até como se prova chocolate.

A indústria do chocolate tem vindo a crescer em Portugal nos últimos anos?

Tem, vê-se até pelo evento, que é uma referência nacional. É enorme a quantidade de pessoas, agora só precisam de se tornar mais especializadas no que é comer um bom chocolate, isso faz falta. As pessoas comem imenso chocolate, mas está num grau doce e aquilo que é saudável não pode estar tão doce. E o chocolate é muito bom mesmo não estando tão doce. Tem compostos antioxidantes, que fazem bem à pele e retardam o envelhecimento.

De vez em quando surgem notícias em que se fala da extinção do chocolate. É possível isso acontecer?

O chocolate nunca vai extinguir-se. Já tem quatro mil anos. Há umas décadas o Brasil era o segundo maior produtor mundial de chocolate. Nos anos 70 foi-se abaixo por causa de uma doença que ataca o fruto e perdeu esse estatuto. Passaram os últimos 20 anos a tentar recuperar e estão a conseguir. Mas uma coisa é haver bom cacau e outra é haver cacau que serve para tudo. O grande problema do cacau no mundo são as pragas e as alterações climáticas.

Que mensagem gostaria de deixar às pessoas que estão a pensar ir à feira Chocolate em Lisboa?

Apareçam especialmente nos dois primeiros dias, quinta e sexta. Há menos pessoas e consegue-se ver muito melhor cada coisa. Escolham um workshop para alargarem os vossos conhecimentos, façam perguntas, testem e levem chocolates. As pessoas vão ao evento, comem muito e depois nunca levam nada. As pessoas devem provar e tentar levar tabletes de diferentes países do mundo inteiro. É uma oportunidade única porque estes chocolates não estão disponíveis noutros eventos pelo país nem há toda esta explicação. Degusta-se é às 11:00, com a língua limpinha e um bocadinho de água, e às 17:00.