O empoderamento tem cheiro? Perfumistas respondem

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[Fotografia: Pexels/ Tarek Shanin]

“Quando dou formações, muitas mulheres do mundo do empreendedorismo perguntam-me como se podem conseguir posicionar melhor através do perfume e num mundo que é muito masculino”. A primeira mulher portuguesa perfumista independente Cláudia Camacho revela que é confrontada, frequentemente, com a pergunta sobre as fragrâncias e as mensagens que as mesmas carregam. E a resposta é clara e direta: “Para muitas mulheres, perfume é marca e imagem, e há mulheres que continuam a escolher mal os perfumes”. “Tem personalidade vincada e forte e acabam por escolher um mau feminino, com notas extremamente doces – enjoativas”, concretiza.

Preferindo falar num movimento perfumístico que está atualmente mais vinculado a fragrâncias unissexo do que ao empoderamento, a também gestora de Artes arrisca uma fórmula. “O que costumo dizer é que um cargo de CEO, em que as mulheres se posicionam a par de homens, as notas amadeiradas, resinadas e cheiro mais terra podem ser uma resposta”. Aliás, acrescenta, “quando um perfumista consegue balançar boas notas de flores e com boa dose de madeira, não perde o lado feminino e agarra-a a uma estrutura, a uma ligação às raizes”.

Perfumista independente Cláudia Camacho [Fotografia: Diana Quintela]

“No passado, os perfumes femininos eram frequentemente criados para serem doces, florais e suaves, enquanto atualmente os aromas unissexo são mais experimentais, ousados e não convencionais, e verdadeiramente divertidos. Por exemplo, notas amadeiradas, tais como sândalo, cedro e vetiver, são tradicionalmente consideradas mais masculinas, mas atualmente estão a ser usadas nas fragrâncias femininas para criar uma sensação de força e empoderamento. Por outro lado, as notas cítricas, tais como bergamota, limão e toranja, proporcionam uma vibração fresca e enérgica que não está ligada a nenhum género em particular”, avança fonte oficial dos perfumes Acqua di Parma.

“As notas cítricas podem mostrar uma pessoa muito ativa e desportiva. Os citrinos despertam em nós algum movimento”, contextualiza Cláudia Camacho, que em 2021 lançou o seu primeiro perfume em nome próprio, Mystery, que foi considerado um dos melhores do ano.

É exatamente isso mesmo que constata a perfumista oficial da Guerlain. Delphine Jelk assinala “o cliché habitual de que as mulheres usam fragrâncias que cheiram a rosa, mas, na realidade, as mulheres adoram flor de laranjeira, em todo o mundo”. Por isso, avança, “um bom perfume é aquele que combina com a personalidade, independente do género, é algo muito pessoal, ligado à história individual”.

Perfumista residente da casa Guerlain, Delphine Jelk [Fotografia: Divulgação]

“Os nossos perfumes são feitos para serem usados por qualquer pessoa. O mais importante é a emoção que se sente quando se usa um perfume Guerlain”, refere Jelk, lembrando que a marca “não cria fragrâncias destinadas a um determinado tipo de mulher”.

“Empoderamento vai cheirar ao que cada uma é”

Cláudia Camacho fala preferencialmente em propostas de perfumes unissexo do que de afirmação feminina nas lutas e nas conquistas. “O empoderamento vai cheirar a que cada uma é”. “Tenho uma empresa, uma personalidade fortíssima e não me enquadro num perfume doce. Não se pode usar o que vai contra a natureza. Empoderamento é ser honesto e fiel ao que se é, e o perfume será sempre uma visão muito própria de um posicionamento e de uma pessoa”, sublinha.

A posição oficial da casa Acqua di Parma não é distinta. “Temos vindo a assistir a um aumento na tendência de fragrâncias neutras e unissexo, que podem ser usadas por qualquer um, e que são versáteis na sua natureza”, refere fonte oficial, que diz ter tido sempre a preocupação de disponibilizar propostas para ambos os géneros. “Inclinamo-nos mais para diferentes sensações, ocasiões, humores, e sentimentos quando falamos dos nossos aromas. Em última análise, a escolha da fragrância é pessoal e deve ser baseada no gosto individual e não em estereótipos de género”, refere a marca.

“É imprescindível encontrar um perfume que seja fiel a si própria”, concorda. Delphine Jelk. “Os perfumes da Guerlain não são especialmente para mulheres ou homens. É por isso que a mulher pode ousar! Pode ir mais longe, não tenha medo de arriscar! As fragrâncias dão mais confiança à pessoa”, vinca.

Perfumes datados e o futuro das fragrâncias

“Costumo dizer que há perfumes e matérias-primas que acabam por ficar datadas”, diz a perfumista independente, exemplificando: “Tivemos a moda dos patchulis nos anos 80 do século passado, depois seguiram-se as notas oceânicas e muito mais frescas. Há pouco tempo, tivemos um predomínio de notas gourmand – a gastronomia associada à perfumaria – como rum, mel, alcaçuz”.

O desafio para Cláudia Camacho passa por, no âmbito dos perfumes unissexo, encontrar soluções que sirvam a todos. “Quando penso na criação de um perfume desse tipo, tal consegue-se entre as flores e a raizes”, revela.

E se esta pode ser uma pista para o futuro, a criação personalizada de fragrâncias, que Cláudia Camacho já faz, é um aroma forte já detetável no ar. “Há um grande foco na colaboração e personalização, com outras marcas que partilham os mesmos valores para criar novas ofertas interessantes para os clientes, como a nossa recente Colonia de Edição Limitada desenhada por Samuel Ross. A personalização também permite aos nossos clientes acrescentar um toque pessoal aos seus presentes”, refere fonte oficial da Acqua di Parma. A mesma companhia evidencia ainda “uma crescente tendência na utilização de ingredientes sustentáveis e naturais na produção de perfumes”, por via de uma maior consciência dos consumidores do impacto ambiental.

Para a Guerlain, com 110 fragrâncias no seu histórico, esta também é uma preocupação. “Somos mais do que nunca a favor do uso de materiais naturais, desde a criação da marca, em 1828, que a Casa Guerlain utiliza matérias-primas naturais. O que apelida de tendência, eu chamo de compromisso, para produzir de forma mais sustentável”, refere a perfumista em resposta por escrito.

Mas Jelk também aponta um outro novo rumo para a indústria sobretudo depois do distanciamento imposto pela covid-19. “Devido à pandemia, depois de dois anos sem nos tocarmos, mais do que nunca precisamos de notas tranquilizadoras e reconfortantes como almíscar, neroli, rosa”, antecipa, falando de aromas que invoquem “um abraço reconfortante”.

Apesar das diversas tentativas, o Delas.pt tentou auscultar outras insígnias, mas não foi possível obter resposta até ao fecho desta peça.