O feminismo é pop?

shutterstock_373833697

Lena Dunham, criadora e protagonista da série Girls, que estreia nova temporada em março, afirmou publicamente que “se o feminismo tiver de se converter em marca para provocar a mudança, não me vou opor.” Esta lógica advém das leis de mercado aplicadas tanto à condição humana, como às suas relações. Talvez estejamos a vivenciar a inevitabilidade de converter a ideologia em marca registada. Serão as marcas a nova forma de ideologia? O certo é que o tema feminismo vende, apela à novidade, à mudança, ao poder; elementos inequívocos na lógica de marketing. Imponentes marcas, como a Lego™, investem atualmente na sua publicidade usando o filão feminista. Dando um exemplo recente, da marca de brinquedos alemã, podemos ver como utiliza num dos seus anúncios a imagem de uma menina a brincar e a explicar que procura a sua autonomia e independência.

Se se levantam questões éticas acerca deste tipo de utilização? Talvez mas não é a primeira vez que a indústria da publicidade quebra certos códigos. No entanto, e neste caso, o objetivo comercial da marca torna-se socialmente construtivo.

Cultura Popular

Um dos acontecimentos mais marcantes do feminismo em Portugal, no século XX, terá sido a publicação do livro, ‘Novas Cartas Portuguesas’, a chamada causa das Três Marias (Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa), que mobilizou a ação feminista ao nível internacional, num movimento coletivo solidário. Os manuscritos chegaram às mãos de Simone de Beauvoir e Marguerite Duras, francesas feministas, que reagiram ao processo em tribunal instaurado contra as três escritoras e vários meios de comunicação internacionais fizeram a cobertura do julgamento. No livro as autoras põem em causa várias faces da ditadura, já presidida por Marcelo Caetano, como a Guerra Colonial. Mas é pelo aspeto feminista – questionando seguidamente a condição legal da mulher ou o erotismo – que o livro causa mais reações.

Mas a palavra feminista foi perdendo sentido no País e tomou uma noção pejorativa para a maioria, sinónimo de algo negativo, provavelmente, devido à ignorância do significado. Feminismo era uma espécie de machismo ao avesso, que assustava por parecer impor fundamentalismo, uma espécie de vingança ao “ismo” dos machos. A verdade é que o tema deixou de ser um dogma, um bicho papão (símbolo da mulher que odiava os homens) e está na moda, tornou-se pop. Perdeu a imagem séria e pesada, e abriu espaço para que agentes culturais/sociais, informados e bem humorados, contribuíssem ativamente para a igualdade de género, mexendo em questões complexas e delicadas (como a violência doméstica, o assédio sexual, a desigualdade salarial), sem terem de usar um uniforme de justiceiro. As atuais gerações feministas aliam-na até a outras causas, nomeadamente às questões de relação entre géneros (homossexualidade, transgénero, etc.); no fundo, uma luta pela conquista da identidade e liberdade de expressão individual.

O feminismo na era digital encontra-se munido de novas ferramentas eficazes de expansão em massa, aproveita-se de suportes como as redes sociais, para divulgar as suas questões, chegando assim com eficácia a um grande número de pessoas. Portanto, o sentido pop assume-se aqui na ascensão da palavra popular (pertencente ao povo). Um dos movimentos assinaláveis neste sentido, no último ano em Portugal, é a plataforma Capazes, dirigida por Rita Ferro Rodrigues e Iva Domingues, que conseguiu conquistar um espaço descomplexado, aberto a todas as mulheres, tentando colocar questões e refletir sobre temáticas femininas; e sobretudo, bater-se pela revindicação e conquista de alguns direitos básicos da mulher.

Música Pop

O que se passa no nosso país (e a Ocidente, de uma forma geral), hoje, está mais próximo de um discurso pragmático, desligado de ideologias. O chamado feminismo pop, iniciado através da música (veja-se, por exemplo, o caso de recente de Beyoncé que abriu uma das galas da MTV com um néon gigante onde se lia FEMINIST). Assistimos, pois, ao incentivo do movimento através da música e dos seus ícones (esses massificadores opinion makers e trendsetters), reconhecendo a sua eficácia, sobretudo, nas camadas mais jovens. Embora não seja uma novidade, a música pop cumpre assim uma função formadora. Já nos idos anos 80, outras estrelas pop assumiram a sua condição feminista, a paradigmática Madona, por exemplo. É de reconhecer, no entanto, que os frutos dessa ação passada, vêm carregados agora de um maior poder e liberdade, como é o caso de Lady Gaga (feminista e defensora dos direitos dos homossexuais e transgéneros) ou simplesmente a polémica e inconsequente cantora Miley Cyrus.

A propósito destas e outras estrelas de Hollywood e movimentos sociais, a historiadora brasileira Margareth Rago, disse numa entrevista à revista Época, que o feminismo não é perfeito, mas “é um caminho para criar novos modos de existência, mais livres, éticos e justos”. A ser este o objetivo, que seja pop, rock ou trash. O adjetivo é apenas o veículo.