O lugar do corpo das mulheres e o Dia Internacional da Mulher

O corpo é lugar da nossa identidade sexual mas também social. É pelo corpo que nos relacionamos com o mundo. A postura corporal, o vestuário, os cabelos traduzem a nossa existência. Quando coramos, transpiramos ou empalidecemos, quando o nosso olhar está cabisbaixo ou persegue os outros, damos a ver o que sentimos, o que somos porque o corpo está intrinsecamente ligado ao nosso íntimo, à nossa sensibilidade, à nossa maneira de ver o mundo.

A presença do corpo, a presença do afeto e da sensibilidade pessoal, do quotidiano tornou-se uma marca do tempo presente que aparece como fruto de uma luta das mulheres ao longo de anos para tornar visível o lado feminino da vida que justificou a sua inferiorização social, o seu afastamento da politica, a sua condenação ao espaço privado. Esta presença subversiva e reivindicativa do corpo da mulher passou a ser essencial na arte feita por mulheres como que a quebrar o mito da essencialidade feminina, da doçura das mulheres e da graça feminina, antes valorizando o que ela faz e sabe fazer, a arte como promotora da sua própria história de vida. Mas o exagero, o aproveitamento comercial e fonte de negócio deste corpo da mulher está por todo o lado, na consagração daquilo que se pode sintetizar como estética da beleza ou da moda, senão da pornografia, e que as redes sociais pulverizam.

Mas este lugar do corpo nos nossos tempos, tal como é espalhado também nas revistas e na publicidade, a sua hipererotização e a massificação de uma mística feminina centrada na industria da beleza, no culto do emagrecimento e do não envelhecimento, encaminha as mulheres para as cirurgias plásticas, promoção dos SPA, para os ginásios ou para dietas alimentares e cosméticas contra o envelhecimento e o peso, alimentam uma indústria poderosa nada interessada na promoção identitária da mulher.

O exagero, o aproveitamento comercial e fonte de negócio deste corpo da mulher está por todo o lado

As mulheres não podem fazer o que querem do seu corpo. Podem usar piercing e marcas corporais como reivindicações de identidade, marcas de si através da pele, mas o limite está no social e no político, nas regras a que nos sujeitamos como pessoas cidadãs que desejamos e por isso lutamos. O corpo é uno e múltiplo. Cuidemos dele.

A violência contra as mulheres, de que a prostituição é expressão máxima, mais não é que uso e abuso do poder sobre o corpo da mulher, para fins que a aviltam, não a dignificam, ferem e deixam marcas de degradação para a vida. Marcas impeditivas de uma inserção no corpo social e politico, estigmas para manter o afastamento das mulheres no seu casulo e logo manter a injustiça, a opressão e a desigualdade.

Estas violências, remetem-nos para as questões das nossos lutas enquanto corpo social, movimento de mulheres, capazes de transformar mentalidades e objectar contra as dissimulações entusiasmantes mas anestésicas da vontade e da determinação de ser mulher, como são as atuais promessas da nova galáxia da beleza e do corpo que é seu, como fim último e que desviam seguramente as mulheres de interesses mais participativos ou colectivos. Alguns estudos, incluindo estatísticos, já revelam que o culto da beleza não conseguiu abalar as aspirações das mulheres à autonomia, à vida profissional, à vontade de fazer estudos superiores e que é lícito pensar que são entraves à tentativa das mulheres conquistarem lugares de poder, pois elas continuam a ser elevadas aos píncaros pela beleza e a moda e não pela competência no trabalho e na sociedade.

Por isso, e tendo em conta a necessidade de contestar esta visão da mulher e falar da realidade de factos como a precariedade da vida das mulheres e toda a instabilidade que daí advém nos seus corpos, o MDM assinala o Dia Internacional da Mulher – data simbólica das lutas das mulheres pela igualdade, com uma Manifestação Nacional no dia 10 em Lisboa, porque não desiste de apelar a que as mulheres, resistam aos novos estereótipos e denunciem os bastidores que ainda promovem as desigualdades para que sejam respeitados, considerados e reconhecidos os seus direitos como pessoas, de corpo inteiro.


Regina Marques é dirigente do Movimento Democrático de Mulheres