O meu primeiro beijo foi ao meu primo, isso conta?

Marta tinha cerca de sete anos quando deu o primeiro beijo ao primo, um ano mais velho. Uma gracinha que se repetiu várias vezes, mas que nunca foi mais além disso. Hoje, já com mais de 40 anos, com momentos de intimidade que nunca mais se cruzaram, ela e o Miguel falam raramente sobre o tema.

Quando o fazem definem-no como experiências e riem-se. Mais: se aquele foi o seu primeiro beijo, ambos respondem negativamente e atiram a memória iniciática para mais tarde, já na adolescência e com pessoas bem distantes de esfera familiar.

João e Sofia (também nomes sob anonimato) falam nestes mesmos pressupostos para descrever uma intimidade que pouco além foi do que apenas alguns ‘selinhos’ às escondidas e durante reuniões familiares. Ambos tinham entre dez e 11 anos e hoje, também nos 40, riem-se desses momentos.

“Já me aconteceu ter, em contexto de consulta, adolescentes a contarem histórias dessa natureza com os primos ou filhos de amigos. De vez em quando isso surge nas relações das crianças, porque há um lado de identificação de desenvolvimento e de proximidade de idade”, refere Inês Afonso Marques. A psicóloga clínica e coordenadora da área infanto-juvenil da Oficina da Psicologia afasta um olhar mais clínico sobre a matéria, mas refere que, “de forma mais ou menos formal, vão surgindo estes relatos de experiências de primos”.

No dia em que se assinala o dia dos Primos, esta quarta-feira, 24 de julho, é tempo de perceber que cumplicidade é esta que, ao contrário de muitas relações atuais e de histórias da História, não acabou em casamento e filhos, mas parece não ter causado dano de maior.

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Momentos que têm, contudo, regras muito claras e que pressupõem absoluta igualdade entre ambos na hora da descoberta: a mesma faixa etária e igual nível de desenvolvimento.

“A base é a da cumplicidade e a da identificação pela fase de desenvolvimento, com interesses e curiosidades muito semelhantes”, refere a especialista, sublinhando a máxima relevância de se arredarem situações de desigualdade entre os intervenientes e que podem, no limite, configurar situações de abuso. “A existência daqueles pressupostos é que deve distinguir em absoluto as situações”, refere

“Quando olhamos para estes relatos, falamos como se fossem amigos diferentes, com relação com base na confiança, um porto seguro, como parte integrante do desenvolvimento”, refere Inês Afonso Marques.

Há um laço afetivo muito grande, é quase uma coisa que foi combinada entre ambos”, refere a especialista, que acrescenta: “Já apanhei estas conversas em contexto extra-consultório e oiço pessoas mais velhas a recuperarem estes relatos entre primos e, regra geral, são vividos de forma saudável!”.

Inês Afonso Marques vinca que “as poucas histórias” que tem ouvido são pontuadas com frases como ‘olha que engraçado’, mas sublinha que os detalhes são variáveis e “dependem muito da personalidade e da educação”.

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