“O mundo do futebol não é para mulheres”

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Filha de Adelino Caldeira, administrador da SAD do Futebol Clube do Porto, Carina Caldeira, de 34 anos, trata o futebol por tu. Há 10 anos (não consecutivos) no Porto Canal, a comunicadora falou ao delas.pt sobre as caminhadas que fez para trilhar o seu percurso. Abordou o preconceito e o machismo que existe no universo do desporto-rei e da sua relação com o Porto, onde nasceu, e Lisboa, onde vive. Feliz com a sua carreira, a apresentadora regressa em breve com um novo programa que, salienta, ter tudo a ver consigo. Deixamos-lhe, desde já, duas pistas: vai ter muito brilho e unicórnios.

No programa ‘Soccer Cities’ [exibido em 45 países e que em Portugal passou na RTP1], mostra um lado da esfera mais íntima dos jogadores de futebol. Apresentá-lo foi um exercício desafiante?

O projeto ainda continua. Estamos a iniciar a terceira série. Pela primeira vez, gravámos em Lisboa e pelo menos nesta temporada temos ainda mais seis países para visitar. Foi muito desafiante, porque as pessoas têm uma ideia muito estereotipada dos jogadores de futebol, mas todos eles são pessoas com experiências diferentes para contar. A maior parte vem da América do Sul, com histórias de vida tristes e pesadas. Conseguirmos chegar ao lado humano deles pode ser muitas vezes difícil.

Quer dar-nos um exemplo?

O Frank de Boer foi quase impossível, pelo facto de ser nórdico. Era muito frio, distante. Qualquer pessoa para chegar longe na vida tem sempre muitas histórias para contar e não são sempre só histórias de sucesso.

De que forma consegue quebrar esse gelo?

Vou-lhe confessar uma técnica. Geralmente, começo as entrevistas por perguntas mais futebolísticas e de carreira para conseguir deixar o convidado mais confortável e a falar daquilo que está mais habituado. Depois, aos poucos, exploro um pouco mais os sentimentos. Deixo-me levar pelo desenvolvimento da conversa.

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Quem foi o jogador ou treinador que mais o surpreendeu?

Houve vários. Costumo dizer que foi o Bruno Alves até agora…

Porquê?

Porque a figura dele em campo pode assemelhar-se a alguém bruto ou mal-disposto, mas durante a entrevista foi muito humano. Aliás, lembro-me de ele ter chegado antes do tempo previsto [às gravações do programa]. A equipa ainda estava a preparar tudo e ele começou a ajudar. Transportou cabos. Foi o oposto daquilo que demonstra em campo. Gostei muito, também, do José Mourinho. Ele mostrou-se muito profissional e prestável perante o pouco tempo que tinha disponível para nós. É um pouco difícil e ingrato escolher uma pessoa. O Marco Silva foi também alguém de quem gostei muito. Uma pessoa que se abriu imenso. Acho que não há um que não tenha uma história para contar e que não tenha sido, de uma forma ou de outra, diferente.

Uma outra premissa do programa é que o futebolista ou treinador a guie pela cidade onde vive. Qual foi a sua cidade favorita até hoje?

A nível pessoal foi Buenos Aires, porque nunca tinha ido. Foi a sensação caliente de estar ali. Acabamos também por ir ao Uruguai. Foi um país marcante. Gostei da cultura, das cores, da comida. O Japão também, pelo facto de ser uma cultura completamente diferente.

Nasceu, praticamente, no futebol…

Não é praticamente. Nasci mesmo! [risos]

É o facto de ser um desporto que faz muita companhia. Costumo dizer que há muitas famílias que podem não ter dinheiro para comer, mas que para o futebol têm sempre. Acompanha muito as pessoas, às vezes demais, porque depois as pessoas são muito obsessivas e, como tudo na vida, quando se levam as coisas de uma forma exagerada não é tão bom.

Considera este mundo ainda muito machista?

O mundo do futebol não é para mulheres. Há um preconceito muito grande, embora as coisas estejam a mudar. E começaram a mudar com a Sara Carbonero [mulher de Iker Casillas, guarda-redes do FC Porto], quando começou enquanto jornalista a cobrir desporto. Agora vejo muitas mulheres no universo que sabem o que fazem e como o fazem, mas continua a ser mais fácil para os homens, que acham que quando uma mulher está por perto isso os destabiliza ou distrai.

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É complicado para uma mulher ser levada a sério num meio maioritariamente masculino?

Agora já é menos. Um exemplo disso é a Cláudia Lopes [jornalista da TVI na área do desporto], que é levada a sério pelo seu profissionalismo.

Mas no desporto em si ainda vemos muito pouco treinadores ou dirigentes de clubes do sexo feminino.

Sim, nesse aspeto ainda há um preconceito.

De que forma as mulheres podem lutar contra esse preconceito?

É continuar a tentar estar no meio e provar que têm o direito ao mesmo lugar.

Mudou-se do Porto para Lisboa há cinco anos. Porquê?

Já não vivo no Porto há muitos anos. Trabalhar em televisão era o que queria fazer por isso fui para Nova Iorque. Tirei um curso de representação na NY Film Academy para melhorar a minha forma de comunicar. Fiz uma pós-graduação na mesma escola, com filiação na NBC, na área da Informação. Foi uma grande aprendizagem. E antes de me vir embora, ainda estagiei na revista ‘Interview’.

Depois de Nova Iorque, seguiu-se a capital espanhola.

Depois de quatro anos em Nova Iorque achei que estava na altura de mudar e fui viver para Madrid. Durante um jantar convi­daram-me para fazer o programa ‘Personal Shopper’, em espanhol, no canal de televisão Bienestar. Estive lá um ano. De manhã tinha aulas de espanhol e à tarde gravava o programa. Depois disso, achei que já estava na altura de voltar para Portugal, mas era claro que o Porto era bastante limitado em termos de oportunidades e vim para Lisboa. Foi aí que comecei a trabalhar com a Media Lusa e fazer o ‘Soccer Cities’ a partir da capital.

Já pensou em sair do cabo e aventurar-se num canal generalista?

Às vezes penso nisso. Acho que toda a gente que faz o que eu faço gostaria disso. Mas ao mesmo tempo, no Porto Canal, tenho oportunidades de fazer coisas que num canal generalista nunca teria. Posso gravar um programa que foi feito à minha medida e fazer as coisas à minha maneira. Nos generalistas não há essa abertura. Para já estou muito feliz onde estou, mesmo. Adoro as pessoas com quem trabalho. Sou muito grata por fazer o que gosto, da forma que gosto. Aliás, vêm aí um projeto novo exatamente nesse sentido.

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Quer falar-nos sobre ele?

É um programa que vai chamar-se ‘Glitter Show’. ‘Glitter’, porque eu gosto de tudo o que te a ver com unicórnios e brilhos. Acho que é um mundo no qual me identifico muito. Um mundo encantado, um mundo puro que falta muito hoje em dia.

Como é que surgiu esta oportunidade?

Foi através do Júlio Magalhães [diretor-geral do Porto Canal], que se lembrou de mim para este projeto. Achava que faltava na estação um programa mais relacionado com o lifestyle e juntos criamos este conceito que considero realmente muito engraçado. Vou estar em estúdio sempre com uma personalidade e vou entrevistá-la sobre a sua carreira ou sobre a atualidade. Há também rubricas como a ‘It’, que vai descobrir os sítios que estão em voga. Outra dedicada à moda, onde vamos explorar as marcas novas, as tendências e tudo o que está a acontecer nessa indústria. Vamos ter convidadas que são bloggers que vão levar-me a lojas de que gostam. Vai haver outro segmento dedicado aos hotéis e aos tratamentos de beleza e uma outra parte mais relacionada com agenda, com o que está a acontecer no Porto a nível cultural.

O programa estreia quando?

A estreia está prevista para o dia 12 de março. Vai ser um programa semanal.

Este projeto vai obrigá-la a estar mais presente no Porto. Alguma vez já pensou em regressar definitivamente a esta cidade?

Para já não. Até porque o meu marido [Francisco Cardia] é produtor de música e o mercado dele também é aqui. O que eu gostava que acontecesse era conciliar sempre as duas coisas. Tenho, em Lisboa, a minha vida, o trabalho, a minha agência. E depois vou ao Porto trabalhar e aproveito para estar com a minha família, o que é muito bom. Tenho o melhor dos dois mundos.

Agora tenho muito menos saudades. Se antes via a minha família uma vez por mês, agora vejo-a todas as semanas. E aproveito para estar também com os meus amigos. É bom.

Para si, o que é que o Porto tem que Lisboa não tem?

O Porto é mais intenso. É mais pequeno. É mais forte. É mais duro, também, porque é mais cinzento. As pessoas do Norte têm mais garra. Têm uma intensidade maior. Pelo menos é o que eu sinto.

E o que é que Lisboa tem que o Porto não tem?

Luz. Pode parecer cliché, mas aquilo que Lisboa tem mais e eu gosto muito é a luz. Olhe o dia que está hoje enquanto estamos aqui à conversa. Isso é uma coisa que mexe imenso comigo. Se estiver um dia cinzento, só me apetece voltar para debaixo do edredão. Se estiver um dia com luz, apetece-me arranjar-me e sair de casa. Lisboa tem uma energia especial.

Tem matado as saudades de uma boa francesinha?

E não só! [risos] Também da família, amigos e, claro, do meu [estádio do] Dragão.

E por falar em Dragão, apresenta também o game show exibido em prime-time no Porto Canal, ‘Azul ou Branco’…

É verdade. Foi um desafio muito engraçado. Eu sou muito exuberante na minha forma de apresentar, não tenho filtros. O Tiago [Girão, co-apresentador do formato] é uma pessoa mais séria, até porque vem do jornalismo. Aprendi muito com ele. Foi uma pessoa que me deu sempre o meu espaço e que me deixou brilhar. Quanto ao concurso em si, é algo completamente diferente do que estava habituada a fazer, mas é muito giro.

Olhando para o seu percurso, como avalia o seu trabalho no Porto Canal?

Foi como “um bom filho à casa torna”. Estive no arranque do projeto durante três anos. Tive boas oportunidades desde o início. Apresentei um programa de desporto chamado ‘Sub-16’, até que me desafiaram a assumir o ‘Sala de Aulas, ‘programa de uma hora em direto. Foi uma grande experiência! O canal cresceu muito a nível técnico, com a entrada de capital por parte do Futebol Clube do Porto. Com mais dinheiro há mais meios. Mas o Porto Canal é uma grande família: 90 por centro das pessoas que trabalham hoje comigo eram as mesmas que há 10 anos.