Rever e atualizar os conceitos e palavras associados à definição de mulher e fazer com que os dicionários reconheçam e façam jus ao seu novo papel é uma tarefa complexa, mas não impossível. E é ela que move o canal Fox Life e os dicionários Priberam, na campanha “A palavra mulher definida por nós”.

Nesta ação, desenvolvidas pelas duas entidades, as pessoas foram convidadas a apresentar a sua visão do que é ser mulher. Até ao passado dia 16 de maio, todos os interessados em contribuir com a sua definição puderam fazê-lo através do site www.palavramulher.pt, que reuniu os diferentes contributos para serem agora analisados pelos linguistas da Priberam, que farão a partir daí uma espécie de revisão do significado da palavra.

A versão final ficará disponível esta terça-feira, 22 de maio, no mesmo site, mas já há palavras que se destacam entre as propostas.

Lutadora”, “guerreira” “forte”, “multifacetada”, “corajosa”, “linda”, ou, simplesmente, “pessoa” são algumas das definições atribuídas, no conjunto de contributos submetidos.

“Não há nada de errado nas definições que já estavam propostas [antes destas]. O que há é um conjunto de informação, nomeadamente na secção de palavras relacionadas, que tinha termos como ‘lambisgoia’ ou ‘marafona’ e, se fossemos consultar a mesma secção, no caso de homem, encontrávamos coisas como ‘Deus’, ‘super-homem’”, exemplifica, ao Delas.pt, Cláudia Pinto, linguista do Priberam.

No caso deste dicionário online, a atribuição de significados é calculada por um algoritmo, com base na informação disponível, o que acaba por retratar a mulher de uma forma um pouco mais “redutora” e “até depreciativa”, como reconhece a linguista, ainda que o verbete de um dicionário inclua “toda a informação que diga respeito à palavra que está normalmente no início e que se define”. Ou seja, incluindo características e atributos com conotações sociais e culturais.

“No caso de ‘mulher’ são todas as definições e todas as expressões que se seguem”, explica, dando como exemplo a expressão de “mulher de partido” e comparando o seu contexto atual com a tradição pejorativa que o dicionário cristalizou no tempo, sem adicionar o outro significado, mais atual.

“Numa frase como, ‘foi sempre uma mulher de partido, nunca cedeu ao sectarismo’, se a pessoa não souber o que é uma ‘mulher de partido’ e for consultar um dicionário, no caso o dicionário Priberam, vai-lhe dizer que uma mulher de partido é uma meretriz, uma prostituta”, exemplifica. “Mas nesta frase frase não faz sentido que seja”, continua a linguista.

Como explica Cláudia Pinto, “uma mulher de partido não é necessariamente, pelo menos nos dias que correm, uma meretriz, uma prostituta. O mesmo vale para ‘mulher pública’”

A campanha do Priberam com a Fox Life, que tem por objetivo promover a revisão da palavra mulher naqueles dicionários online, lança assim novas definições que dessa forma contribuem para alargar o leque de possíveis significados que uma palavra ou expressão podem ter, e consequentemente, aumentar a possibilidade de o algoritmo informático os ir buscar para os apresentar a quem pesquise por ‘mulher’.

“Quando mulher de partido deixa de ser apenas e só uma meretriz e uma prostituta e passa a ter informação relativamente ao que é uma mulher de partido hoje em dia, que é, por exemplo, uma pessoa que pode estar empenhada na vida política, no seu partido, passa a ver mais informação e ele [o algoritmo] não consegue aferir com o mesmo cálculo. Então já há mais dispersão e a hipótese de virem só aquelas palavras como sugestões já diminui”.

Nova versão não exclui preconceitos

Por ser um reflexo da comunidade à qual a língua pertence, o dicionário vai acumulando os significados que aquela atribui a pessoas, animais e objetos quando define as palavras e os contextos em que estas são utilizadas. A definição de ‘mulher’ não é exceção, como mostram as explicações dadas, acima, pela linguista Cláudia Pinto.

Mesmo com as novas definições que cabem na palavra mulher, atualizando-a para os tempos atuais, o que é certo é que a marca da história e as ideias enraizadas não podem ser omitidas dos dicionários, pelo menos, enquanto estiverem presentes na sociedade.

“Se o dicionário reflete o uso que os falantes fazem e os falantes têm algum tipo de preconceito que deixam passar no uso linguístico, é normal que os preconceitos também estejam lá. Mas é por isso que os dicionários têm o cuidado de registar essas coisas, com alguma informação sobre o que se chama de nível de língua: se é informal, se é calão, se é ofensivo… Esse é o papel do dicionário.”

Ao debater-se sobre o que é o papel da mulher, a campanha da Fox Life e do Priberam permite fazer uma reflexão do uso da língua e sobre aqueles preconceitos.

Figuras públicas como Gisela João, Simone de Oliveira ou Vanessa Fernandes deixaram o seu testemunho sobre qual é o papel das mulheres, em 2018, como pode ver nos vídeos, acima.

Depois de analisadas as propostas apresentadas no site da campanha, os linguistas do Priberam vão adequar a informação que têm em função desses contributos. A versão escolhida, no final, será então encaixada num novo verbete do dicionário.

“Mais do que uma definição, é toda a informação que consta da palavra mulher que passa a refletir, de alguma maneira, esta iniciativa”, conclui.

 

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