O pior destino?

Trago-vos um daqueles temas que nos entra todos os dias pela casa a dentro e que poucos dão por ele.

Mas antes, uma espécie de disclaimer: cá em casa segue-se a novela de um dos canais nacionais. Por vezes saltam-se episódios mas, na maior parte dos dias, o hábito faz-nos olhar para a televisão depois das notícias da noite. Sempre foi assim, sempre será.

Posto isto, não é a primeira vez que, no decorrer da história, quando algo de muito trágico tem de acontecer a alguma das personagens, se opta pelo mesmo. Já vi acontecer à jovem adorável que vivia um amor sincero com o galã e que, por isso mesmo, era invejada pela vilã, que tudo fazia para os separar. Mas, por regra, acontece aos vilões. Aos maus da fita.

Costumam ser bem-parecidos, cuidados, elegantes, charmosos e com bom gosto. E, contra tudo e contra todos, a vida corre-lhes bem durante muito tempo (“bolas, mas nunca lhes acontece nada?”, pensamos nós tantas vezes…!).

Até que um dia tudo muda e, lá para o fim da história, os mesmos astros que nunca antes se tinham alinhado, organizam-se junto uns dos outros e, finalmente, a tão desejada justiça começa a desenhar-se no enredo.

Mas, afinal de contas, vamos lá saber qual seria o maior castigo – e o pior fim – para alguém que nos remexeu as entranhas, de tanta maldade concentrada?

Já estou a imaginar as reuniões de brainstorming da equipa de guionistas, ávida de uma solução que marque: “Por mim, fazíamos o carro cair de um penhasco e explodir lá em baixo!”. “Hummm, isso é muito batido, eu afogava-o no mar. Morrer afogado é terrível.” “Oh, terrível por terrível, podíamos incendiar-lhe a casa com ele lá dentro…”

Até que alguém remata: “Nada disso. Vamos deixá-lo preso a uma cadeira de rodas para o resto da vida. Isto sim, é um castigo do qual ninguém recupera.”. Todos concordam. Está fechado o guião. E só assim os outros viverão felizes para sempre.

Pois bem, senhores-que-decidem-histórias-que-são-vistas-por-milhares-de-pessoas, não é verdade. A nossa vida não acaba quando nos deparamos com a necessidade usar uma cadeira de rodas para o resto das nossas vidas. Acaba, sim, como a conhecíamos. Mas não deixamos de viver. E, já agora, viver feliz.

Calma. Não estamos aqui a assobiar para o lado e a fingir que está tudo bem, porque não está. Mas fica. O ser humano que cai, também se levanta. Pode demorar mais ou menos tempo, pode precisar de mais ou menos ajuda, mas é possível isso acontecer, sabiam? E digo-o com conhecimento de causa porque, aos 15 anos, fui eu que tive que aprender viver a minha vida sentada numa cadeira de rodas. E aprendi. E sim, considero-me uma pessoa feliz.

Por isso, senhores guionistas, se quiserem que o vosso vilão termine da pior forma possível, deixem lá a criatura com o corpinho intacto e experimentem fazê-lo ficar “apenas” sozinho. Sem amizade. Sem amor. Sem ninguém com quem partilhar o que sente. Abandonado, mas no meio de todos. Porque o pior destino é viver preso às grades invisíveis da solidão.