“O progresso e a igualdade não estão nas prioridades das francesas”

Têm entre 34 e 61 anos, histórias de vida distintas entre si, mas têm três aspetos em comum: são mulheres, têm Portugal como raiz e gostam, estão e querem continuar na política francesa.

Ao delas.pt, Adeline Roldão Martins, Nathalie Oliveira, Alexandra Custódio e Cristina Semblano têm estado na rua a apoiar os candidatos pelos quais se batem – o independente Emmanuel Macron, o socialista Benôit Hamon, o republicano François Fillon e o candidato de esquerda Jean-Luc Melenchon, respetivamente -, contam o que estes defendem para o sexo feminino, antecipam qual será o voto das francesas no domingo e deitam por terra a ideia de que basta ser mulher e candidata ao Eliseu, como é o caso de Marine Le Pen, para conquistar o voto do eleitorado feminino.

Apesar das diversas tentativas, não foi, até ao momento, possível chegar à fala com uma mulher – emigrada em França ou lusodescendente – que lute ao lado da líder de extrema-direita, pela Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen .

Elas existem, são “várias dezenas um pouco por todo o país”, como explica Paulo Marques, autarca e presidente da plataforma que reúne perto de dois mil (do quatro mil no global) políticos de origem portuguesa a exercer em França. O responsável pela plataforma www.civica.fr revela que existem três mulheres associadas que trabalham com a FN, não dão, porém, “autorização para que os seus dados sejam revelados para os media”. Uma medida transversal aos candidatos masculinos e que pode decorrer de decisões partidárias.

A verdade é que o delas.pt não se ficou por aqui com o objetivo de ouvir vozes das cinco principais campanhas presidenciais, das mais de uma dezena em confronto, mas todas as tentativas se revelaram improdutivas até ao momento.

Agora, na véspera da primeira volta de um sufrágio que se antecipa algo imprevisível, apesar das sondagens (já lá vamos) terem vindo a dar como garantida a passagem de Macron e Le Pen à segunda volta, a decorrer a 7 de maio, certo é que os sucessivos escândalos pessoais e judiciais de que alguns candidatos têm sido alvo vêm contribuir para este agitar de águas.

Os atentados, em particular o que ocorreu na noite de quinta-feira, 20, nos Campos Elísios, reivindicado pelo Estado Islâmico, e que vitimou um policia, só veio introduzir ainda mais incerteza e abalar uma eleição tão dividida, contam jornalistas portugueses que vivem e trabalham em França.

Adeline Roldão Martins ao lado de Macron, mas independente

A polémica de uma eventual relação extraconjugal homossexual não terá prejudicado tanto o candidato independente Emmanuel Macron como a sua passagem pelo governo Manuel Valls (como ministro da Economia), executivo nomeado por François Hollande.

“Isso não importa para governar a França e as mulheres francesas não votariam a pensar nisso, foi um rumor divulgado pela equipa de François Fillon [candidato apoiado pelo partido de Hollande], que fez uma campanha política muito feia, mas isso já está afastado”, diz Adeline Roldão Martins.

Esta candidata independente admite, porém, que ter sido ministro da Economia de um governo deste presidente (Macron também foi conselheiro de Hollande), ter feito carreira na finança e na banca Rotschild, possa ter desgastado mais a imagem deste candidato junto do eleitorado.

“Numa parte da população isso pode ter efeito, um aspeto negativo, mas também é importante lembrar que, na política de Hollande, o que foi progressista veio do Macron”, diz esta lusodescendente. E enumera: “a liberalização do trabalho, as medidas para as empresas.”


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Adeline está no terreno com Macron porque ele “incarna uma mudança com pessoas novas e ideias progressistas, traz um discurso moderado na paridade e com o apoio de pessoas que chegam do meio profissional, da sociedade civil e não só”.

Mais do que serem as mulheres a votar neste candidato, Roldão Martins diz que o eleitorado “é transversal” e votará “mais pelo programa global” do que “pelas medidas para as mulheres”. Matéria onde consta, como “medida principal”, a “paridade para as eleições legislativas”, em que “vai apresentar 50% de mulheres no seu governo”.

Adeline acrescenta que “ele quer, com certeza, uma igualdade entre as mulheres e os homens no trabalho e nos salários”.

Em matéria de imigração, a apoiante independente de 34 anos releva que “Macron é o candidato que acredita na Europa, é pró-europeu e imigração e não põe em causa a posição dos portugueses que já estão em França”.

Marine Le Pen: entre o medo e as novas gerações. Mas ser mulher não chega!

As portuguesas com trabalho político desenvolvido em França e ouvidas pelo delas.pt acreditam naquela ideia, referindo-se, claro, a Marine Le Pen, cujas sondagens apontam para uma vitória renhida neste domingo, com passagem à segunda volta nas presidenciais (perdendo depois no combate direto).

“Não penso que ser mulher seja fundamental para ganhar”, afirma Semblano, a portuguesa que milita à esquerda.

Nathalie de Oliveira concorda e acrescenta: “O discurso da Marine foi muito roubado às palavras da esquerda e da direita republicana. Claro que a Marine Le Pen e a extrema-direita nunca foram em prol da igualdade, aliás o pensamento funda-se na desigualdade. No discurso e na estratégia, ela conseguiu convencer parte das mulheres – as feministas verdadeiras não – e acredito que França ainda é um pais conservador”, diz Nathalie de Oliveira.

Esta apoiante do candidato socialista sustenta que Le Pen, líder da Frente Nacional (FN), promove “um feminismo radicado no medo”.


O que é a cartada feminista?


Independente e a trabalhar na candidatura de Macron, o mais bem posicionado candidato à vitória na primeira volta, Adeline Roldão Rodrigues não tem dúvidas de que o discurso da líder de extrema-esquerda “é muito demagogo, fala às mulheres, mas é muito populista”.

“O facto de ela ser uma mulher não lhe dá votos e garantia de que chega lá.”

Recorde-se que o rosto da FN enfrenta uma acusação de dinheiros europeus para o pagamento de funções indevidas e elementos do seu partido.

A apoiante do candidato republicano François Fillon tem outra inquietude. “Não sinto que o eleitorado revele adesão pelo facto de ser mulher, mas sim por ser conservadora, pelo discurso que tem e pelo que defende”, afirma Alexandra Custódio.

É com os olhos postas na nova geração que a independente faz a sua análise: “A nossa geração e a das nossas mães queriam poder fazer tudo, ser uma boa esposa e profissional, mas as gerações mais novas são mais conservadoras; nós trabalhámos por uma relação equilibrada no casal e agora as jovens não deixam lugar aos homens, é como se tivessem receio de perder o seu lugar”, constata.

Cristina Semblano está a trabalhar para uma “França Insubmissa” de Melenchon

Jean-Luc Melenchon foi o primeiro a candidatar-se ao Eliseu e a desenhar um programa, mas a subida deste candidato do Partido de Esquerda francês – que defende a saída da França da União Europeia como plano B e mediante a irredutibilidade das economias do Norte – tem sido fulgurante nas últimas semanas.

Para Cristina Semblano, eleita autarca municipal em Gentilly e elemento da mesa nacional do Bloco de Esquerda, tal deve-se “ao desacordo que existe face às políticas que têm sido seguidas pelos anteriores responsáveis franceses”.

As pessoas revêm-se, diz esta economista, nesta “França Insubmissa” que o candidato defende e que o candidato quer ver espelhada numa nova “revisão constitucional”.

“Estamos numa monarquia presidencial em que o presidente tem muitos poderes, o povo sente que há uma oligarquia entre o poder e a finança e sente que há um défice democrático porque só pode votar de cinco em cinco anos”, diz Semblante. E destaca que Macron – ex-ministro do atual presidente François Hollande e preferido nas sondagens – vem daquelas famílias, “mas é poupado pela comunicação social”.

Para a autarca emigrada em França, as mulheres também estão na lista das prioridades de Melenchon.

“Ele quer a igualdade salarial entre homens e mulheres, igual acesso aos cargos de administração pública e privada, o direito constitucional da mulher ao aborto”, conta a militante.

Lembra também que a lei do trabalho recentemente aprovada passou, sob contestação dura nas ruas, por decreto governamental, sem ser submetida a votação pelos parlamentares. Diplomas que “precarizam o trabalho” e que desprotegem os mais vulneráveis e onde as mulheres são um largo grupo de risco por via “dos salários mais baixos, da gravidez ou do trabalho doméstico”, contextualiza Cristina.

Ideias que Semblano crê que venham a convencer o sexo feminino de classe média e média baixa. Um eleitorado partilhado com Marine Le Pen? A autarca admite que sim, lamenta que “a direita e os socialistas tenham criado um batalhão de excluídos e excluídas que agora serve a extrema-direita”, mas vê “uma viragem” no horizonte.

“Acho que há algo que está a mudar, hoje o Jean-Luc Melenchon surge como terceira força nas sondagens e pode passar à segunda volta”, vinca, declarando, contudo, não ser fã delas.

Alexandra Custódio critica as “acusações sem provas” a Fillon

“É natural que as acusações de nepotismo de que François Fillon tem sido alvo se reflitam nos eleitores, a dúvida existe para todos”, desabafa Alexandra Custódio, falando do candidato do partido para o qual também trabalha – o Republicano – e que se arrisca a ser um dos maiores derrotados destas eleições.

“A classe política fica com uma imagem mais difícil, até para mim porque sou também candidata às legislativas [em junho] pelo mesmo partido”, acrescenta.

Mas Custódio também ressalva que “é complicado estar a acusar uma família sem ter provas, só porque se está neste ambiente político-mediático de show à americana, mesmo que seja imoral, não se pode condenar sem provas”. Um espetáculo que fez com que “só há 15 dias é que começámos a ouvir falar das propostas dos candidatos”.

Esta autarca e candidata preferia ter dado oportunidade à ala mais jovem do partido, mas Bruno Le Maire perdeu nas primárias. Por isso, agora é tempo de lutar por quem está.

“Fillon tinha um programa bastante interessante e, no que diz respeito às mulheres, tinha projetos para lhes dar mais liberdade e igualdade, passando pela proposta da gestação de substituição, pela aplicação da lei pela igualdade salarial – que já existe e que tem de passar a ser aplicada -, pelo alojamento social prioritário a famílias monoparentais – em que cerca de 80% são asseguradas pelas mulheres”, desfia Custódio.

Esta militante diz mesmo que Macron, ainda como ministro pelo Partido Socialista, foi responsável por desproteger as mulheres.

“A partir de janeiro de 2018, se a mulher numa relação de casal legalmente reconhecida não estiver a trabalhar, já não vai poder beneficiar da segurança social do marido se precisar de cuidados de saúde e foi Macron que fez passar essa lei, que vai criar instabilidade”, lembra.

Esta politica de origem portuguesa evoca também os subsídios que são pagos ao sexo feminino caso tenham de ficar em casa a cuidar de filhos com deficiência ou idosos a cargo. “Porque é que isso apenas existe para as mulheres e não também para os homens? Isso é discriminatório, elas vão acabar por ficar ainda mais em casa e dependentes. Por isso, defendemos a igualdade”, diz a militante, de 55 anos.

Nathalie de Oliveira: na rua por Benôit Hammon

Para esta política, autarca em Metz, não há dúvida:

“Benôit Hamon tem o programa mais progressista e feminista destas eleições.”

Apesar de não ter sido o candidato socialista que apoiou na primeira volta – e está até a perder militantes socialistas para Emmanuel Macron -, esta lusodescendente conta que não foi difícil abraçar este projeto presidencial, até porque, afirma, “a equipa de campanha dele está renovada, jovem e metade são mulheres, a paridade está quase respeitada”. Uma lei que já existe desde 2001 em França e com multas aplicadas aos partidos (tal como sucedeu já em Portugal).

“Ele já afirmou que quer que partido apresente uma candidata mulher nas próximas eleições presidenciais”, antecipa Oliveira, que integra a lista para as próximas eleições legislativas, que vão decorrer em junho.

No campo da igualdade salarial, também há propostas. “Ele quer criar um vencimento universal para pessoas que trabalham, recebem salário – por exemplo, agricultores, mulheres que tomam conta das crianças – mas cujos rendimentos não são suficientes, podendo chegar ao máximo de 2300 euros”, conta a lusodescendente de 39 anos.

“Esta proposta foi um farol, apesar de muito criticada pela direita porque diz que incentiva a preguiça, mas a verdade é que responde a situações em que as mulheres acabam por ser mais prejudicadas que os homens, como, por exemplo, no caso das famílias monoparentais.”

Multas e cadeia devem ser solução para empresários que não promovam salário igual a trabalho igual. “Se não for o caso, Hamon defende a aplicação de 3750 euros e, eventualmente, um ano de cadeia para os incumpridores”, querendo o socialista, também, “revalorizar o vencimento de mulheres que trabalhem em empregos essencialmente femininos e menos reconhecidos, como, por exemplo, para as que trabalham em infantários”.

Duplicar os meios e orçamento do ministério para os Direitos das Mulheres, o direito ao aborto, o aumento de centros de apoio familiar, sobretudo para as adolescentes, são outras medidas constantes no programa. Tudo isto, conta Nathalie, com “os milhões que deixamos de dar às empresas que afinal não criaram empregos e com o que taxamos aos grandes lucros”.

Mas isto chega para convocar mulheres para os boletins de voto? “Elas votam cada vez mais, apesar da abstenção aumentar. Não tenho a certeza de que o que Hamon tem defendido consiga conquistar a maioria das mulheres, sobretudo neste momento caótico em que as pessoas vivem. Elas estão cheias de medo no futuro, do terrorismo. A ideia de progresso e igualdade não estão no topo da lista de prioridades das francesas”, desabafa.

Na verdade, crê Nathalie, “as próprias mulheres não se sentem uma prioridade para elas próprias, não têm consciência do poder que têm e da quantidade que são: metade do mundo, metade do país e metade da aldeia, mas ainda não têm o mesmo poder.”

Os imigrantes em França também são uma matéria abordada por Hamon e cara a Nathalie. “Ele quer dar o direito de voto aos estrangeiros para as eleições locais, e não apenas aos cidadãos europeus, como até agora”, conta, aplicando aqui uma mesma medida integrava das comunidades não naturais de França e também defendida por Jean-Luc Melenchon.

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