O que a moda nos diz sobre as mulheres de hoje

A moda é um reflexo do tempo em que vivemos. As tendências são ditadas por movimentos culturais, sociais e económicos. A História é prova disto mesmo, basta olhar para os anos 40 do século passado, quando por falta de tecidos devido à guerra as mulheres viram as saias subirem as bainhas e os casacos ganharem bolsos para facilitarem a sua nova vida de trabalhadoras. E a moda de hoje o que nos diz sobre as mulheres atuais?

Individualidade feminina

No ano de 2017 que ficou marcado pelo feminismo. Tendo sido a marcha das mulheres em janeiro do ano passado o gatilho para inúmeras discussões sobre o tema, a moda convidou as mulheres a expressarem a sua individualidade. As propostas para esta primavera foram apresentadas em setembro e outubro e na maioria dos desfiles um dos grandes destaques foi a forma como as peças foram conjugadas entre si. Sobreposições, misturas de materiais, e peças clássicas completamente reinventadas, apelaram à individualidade de cada mulher, convidando as suas consumidoras a apropriarem-se das peças e a fazerem delas um espelho das suas convicções e personalidade. A moda em 2018 impele as mulheres a não terem medo de mostrarem quem são através da roupa. Um apelo que faz todo o sentido numa era em que o feminismo está na ordem do dia e em que tanto se fala de força feminina.

“Querem reinventar o seu papel na sociedade, que querem conciliar o seu papel tradicional com o empoderamento feminino, diz que querem ser líderes sem terem de deixar de ser mulheres”

Bottega Venetta conjugou vestidos de lantejoulas com casacos de mangas arregaçadas e grandes carteiras de inspiração desportiva. Nina Ricci vestiu camisolas de renda e gola alta debaixo de vestidos de festa e os pés calçou com sapatos rasos. A Miu Miu sobrepôs vestidos transparentes por cima de t-shirts. A Chanel desenhou chapéus e capas de plástico e vestiu-os por cima dos seus clássicos tweeds. A lista é vasta e as propostas para novas silhuetas e para uma nova feminilidade são muitas. Uma nova feminilidade, é mesmo disto que se trata porque quando vistas de forma individual as peças são, muitas delas, leves, coloridas e com moldes que abraçam o corpo feminino, três elementos que sempre foram associados ao vestuário feminino, e que a moda não quer ver anulados apenas reinventados. Um pensamento alinhado com as reivindicações feministas que não querem descaracterizar as mulheres apenas querem estas se tornem mais fortes e com mais impacto no mundo atual.

Chanel primavera-verão 2018 (Photo by Peter White/Getty Images)

Uma reinvenção que chegou à passerelle não apenas através da nova forma de vestir mas também através dos clássicos reinventados, muitas das marcas visitaram os seus arquivos e trouxeram-nos de volta para a passerelle mas adaptados aos tempos modernos. Maria Grazia Chiuri, diretora criativa da Dior, é mestre nesta arte, resgantando o new look, silhueta dos anos 50 que se perpetuou como símbolo do papel tradicional da mulher, e trazendo-o para o tempo em que o feminismo está na ordem do dia. Cada vez que um desfile da Dior faz isto, faz um convite à sociedade para olhar para as mulheres com outros olhos, provando que apesar do seu papel tradicional na sociedade é possível e desejável que um novo papel lhes seja reconhecido.

O power suit criado por Phoebe Philo para a primavera-verão de 2018. REUTERS/Gonzalo Fuentes

A nova era do power suit

Os fatos masculinos estão de novo na moda e é para serem usados por mulheres. Os conjuntos de fato e calças tiveram um grande destaque nos anos 80, quando as mulheres começaram a almejar ter cargos de topo equiparando-se aos homens profissionalmente. Hoje, numa altura em que é pedido às mulheres que se empoderem, os fatos voltam à ribalta e estão um pouco por toda a parte.

Michael Kors, Dior, Chanel, Mango, Zara, H&M e tantas outras querem ver as mulheres de power suit. Perderam-se os ombros largos da década de oitenta, ganharam-se detalhes, paletas cromáticas suaves e até padrões, mas o poder do fato está lá. A grande diferença é que em 2018 este já não é o fato masculino para mulheres de negócios, é antes o fato feminino para mulheres poderosas. Uma diferença que pode ser quase impercetível mas que quando é bem analisada se torna marcante. Esta pequena mudança de paradigma mostra que as mulheres de hoje não se querem destacar por se conseguirem assemelhar aos homens, mas antes por apesar das suas diferenças, que querem assumir sem medos, serem tão capazes como o sexo oposto.

Kaia Gerber a desfilar para a Saint Laurent. REUTERS/Gonzalo Fuentes – RC1A7CEFAA20

A solução para o assédio é destapar

Em novembro de 2017, o escândalo Harvey Weinstein rebentou e uma onda de denúncias de assédio invadiu a esfera pública. A discussão continua na ordem no dia e rapidamente tomou contornos que envolvem a sexualidade e o corpo. O puritanismo é crescente e depois de em 2016 o feminismo se ter feito ouvir através de campanhas como a da Elle Brasil, que fez a capa de janeiro “o meu corpo as minhas regras” pela liberdade de expor o corpo em segurança, em 2017 e nos Estados Unidos da América vemos a releitura dos movimentos culturais e a condenação de quadros com nudez explicita, sob o argumento de objetificação do corpo da mulher.

A resposta da moda ao assédio é destapar, é mostrar o corpo sem medo”

A moda não se deixou baralhar, escolheu a liberdade e desenhou mais rachas, mini-saias e decotes do que se tinham visto no últimos anos. Se é verdade que a moda reflete a sociedade, também é verdade que tem uma capacidade enorme de prever tendências e comportamentos, antecipando os movimentos culturais, e se neste ponto estiver certa, o que vem aí é um não redondo ao puritanismo acompanhado de uma grande consciência do corpo e uma vontade inabalável de o mostrar como nos apetecer.

A Saint Laurent mostrou pernas sem qualquer tipo de pudor, a Valentino apostou em calções bem como a Prada e a Chloé. A Giambattista Valli rachou saias até um palmo abaixo da cintura e as rendas e as transparências também foram uma presença assídua nos desfiles de primavera verão de 2018. A resposta da moda ao assédio é destapar, é mostrar o corpo sem medo porque no final das contas quando o nosso corpo se torna uma ameaça à nossa segurança estamos sempre em risco. A maneira mais eficaz de estar segura é ter segurança no nosso corpo, é conhecê-lo, empoderá-lo e nunca termos medo de o mostrar da forma certa. Se as mulheres reconhecerem o seu corpo como uma ameaça vão estar sempre com medo, e o medo fragiliza tornando-as presas fáceis. O que a moda nos diz é que não é preciso ter medo da sensualidade. Porque não é aí que a ameaça reside.

O que é que a moda de hoje nos diz sobre as mulheres atuais? Diz que querem reinventar o seu papel na sociedade, que querem conciliar o seu papel tradicional com o empoderamento feminino, diz que querem ser líderes sem terem de deixar de ser mulheres e diz que querem ser sensuais e femininas sem que isso se torne uma ameaça para sua integridade física e psicológica.

 

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