Fala-se de violência infantil com frequência, mas raramente se explica quais os contornos associados. Cátia Teixeira, psicóloga clínica da equipa Infanto-Juvenil da Oficina de Psicologia, explica que se trata de “violência infantil quando existe qualquer ato, ou ausência de ação, que ponha em causa o bem-estar, físico ou emocional, da criança ou jovem, os seus direitos e as suas necessidades, impedindo um desenvolvimento harmonioso e integral. Estes atos podem ser praticados por um adulto (pais, familiares, professores…) ou por pares (nos casos de bullying)”.
Os tipos de violência
Segundo a psicóloga Cátia Teixeira, “são raros os casos em que estamos perante apenas um tipo de maus-tratos, sendo que o mais comum é coexistirem diferentes formas de violência [descritas abaixo, segundo a mesma psicóloga].”
Violência psicológica/emocional
Este tipo de violência é transversal a qualquer tipo de maus-tratos e refere-se a comportamentos, por parte do agressor, que impossibilitam um ambiente de bem-estar afetivo e de segurança, não havendo reconhecimento das necessidades emocionais da criança nem apoio emocional, necessários para um desenvolvimento equilibrado. São comportamentos que alimentam uma baixa autoestima, o medo e ansiedade na criança como insultar, ameaçar (de abandono por exemplo), humilhar, desprezar, isolar…
Violência sexual
As situações de violência sexual são aquelas em que a criança é envolvida ou sujeita a atos sexuais ou comportamentos de natureza sexual, que implicam contacto físico com vista à satisfação e gratificação sexual de um adulto ou jovem mais velho (exemplos: acariciar a criança ou obrigar a criança a acariciar o adulto, forçar a criança a assistir a atos de cariz sexual, penetração…).
Negligência
Neste tipo de violência existe uma ausência de resposta às necessidades da criança, tanto físicas (exemplos: alimentação insuficiente ou desadequada, pouco cuidado ao nível da higiene, ausência de cuidados de saúde, não acompanhamento escolar…), como emocionais (exemplos: ausência de manifestação de afeto e carinho, desatenção face às dificuldades emocionais da criança…).
Qual o perfil do abusador?
“O perfil do abusador adulto é sempre resultado de um conjunto de fatores de risco, nomeadamente, fatores individuais (traços de personalidade caracterizados por impulsividade, agressividade, reduzida tolerância à frustração e ao stress, consumos de álcool ou drogas, presença de perturbações emocionais, historial de vitimização na infância…), fatores relacionais (ausência de suporte relacional, ausência de coesão familiar, conflitos conjugais, falta de competências parentais, ausência de afetividade…) e fatores sociais (valores culturais e sociais adeptos da violência, ineficiência de respostas sociais perante os casos de maus-tratos…)”, descreve Cátia Teixeira, da Oficina de Psicologia.
“Não obstante estas características gerais, marcadas pela presença simultânea de diversos fatores de risco, é importante referir que as situações de violência infantil não são exclusivas em casos em que existem consumos de álcool ou drogas, perturbações mentais ou em famílias de classes sociais baixas, economicamente desfavorecidas ou com baixa escolaridade”, acrescenta a psicóloga.
Quais os sinais de abuso?
– Aparecimento de lesões inexplicáveis ou incongruentes com a explicação dada pela criança;
– A criança conta histórias frequentes de “acidentes” que lhe ocorrem;
– A criança evita o contacto físico com terceiros;
– Aspeto mal cuidado;
– Mudança comportamental na escola ou no contexto familiar;
– Afastamento, apatia ou indiferença;
– Diminuição do rendimento escolar e/ou dificuldades de atenção e concentração;
– Absentismo escolar;
– Manifestação regular de emoções como a tristeza, medo, vergonha ou culpa;
– Perda de interesse nas atividades de que gosta;
– Manifestação de insegurança e ansiedade;
– Oscilações de humor;
– Recusa ou medo de ficar com um adulto, ou sozinho com ele;
– Problemas ao nível do controlo dos esfíncteres;
– Perturbações do sono e/ou alterações de apetite;
– Queixas físicas sem causa médica.
Se suspeita de abuso, o que fazer?
“A sinalização e intervenção atempadas, nos casos de violência infantil, são fundamentais para prestar à criança os apoios necessários e para impedir a continuação destes atos, por isso a sua denúncia é de extrema importância”, esclarece a psicóloga Cátia Teixeira. “Esteja atento aos sinais de alerta e se suspeita de uma situação de violência infantil sinalize a situação às entidades competentes: polícia, comissões de proteção de crianças e jovens, escola.”
O que fazer para ajudar?
Segundo Cátia Teixeira, “revelar que está a ser vítima, independentemente do tipo de maus-tratos, é extremamente difícil para uma criança. O medo das consequências que daí possam advir, como represálias, ser culpabilizada ou ser separada da família, levam muitas vezes a criança a manter-se em silêncio”. Se uma criança teve a coragem de o fazer consigo:
– Acredite no seu relato e não desvalorize o que a criança lhe está a contar;
– Mantenha uma postura emocionalmente controlada, não aja de uma forma explosiva ao que a criança lhe conta pois poderá levar a que se retraia;
– Esteja verdadeiramente atento à criança, procurando transmitir segurança e confiança através da forma como fala com a criança;
– Valide os sentimentos da criança, diga-lhe algo como “é natural sentires-te assustada com essa situação”;
– Disponibilize a sua ajuda imediata articulando com os agentes mais indicados para que ações de proteção possam ser desenvolvidas.
– Reforce junto da criança que foi muito importante ela lhe ter contado o que se passa;
– Nunca lhe diga que ela deve ter feito algo para merecer o que lhe aconteceu;
– Não obrigue a criança a tomar atitudes para as quais não está preparada.