Obesidade Infantil: epidemia do século XXI

fast food

Em Portugal, uma em cada três crianças sofre de excesso de peso. Segundo o estudo 2013-2014 da Associação Portuguesa contra a Obesidade Infantil (APCOI) que analisou 18.374 menores (uma das maiores amostras neste tipo de investigação): 33,3% das crianças entre os 2 e os 12 anos têm excesso de peso, das quais 16,8% são obesas, o que torna o nosso país num dos países da Europa com maior número de crianças afetadas por esta epidemia.

Problema que se alastra pela Europa. A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela “níveis preocupantes”. No caso de adolescentes de 13 anos, a prevalência do excesso de peso foi verificada em mais de 27% de jovens nos 36 países estudados. Quando analisados os adolescentes com ou mais de 15 anos, essa percentagem atinge o seu valor mais alto na Grécia (23%) e mais baixo na Arménia, Lituânia e Rússia (10%). Em Portugal, 31% dos rapazes e 18% das raparigas têm excesso de peso.

O Delas.pt falou com Ana Rita Lopes, Coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas Lisboa para ajudar a compreender o fenómeno que está a colocar algumas das nossas crianças em risco.

A que se deve esta autêntica epidemia?
Está diretamente relacionada com os maus hábitos alimentares das crianças, isto é: consumo excessivo de calorias provenientes de açúcares e gordura e uma ingestão deficitária de cereais e hortofrutícolas. Além disso, verificam-se baixos níveis de atividade física.

O papel da família é essencial?
Deverão dar o exemplo e incentivar os seus filhos a obter um estilo de vida saudável, que passa por não só adotar hábitos alimentares saudáveis como a praticar atividade física.

O que deveriam as escolas e o Estado fazer para ajudar a resolver este problema grave?
A Direção Geral de Saúde desenvolveu um Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, cujos objetivos são: aumentar o conhecimento da população portuguesa nesta temática; adequar a disponibilidade de alimentos em ambiente escolar e espaços públicos, melhorar o modo de atuação dos profissionais que influenciam conhecimentos nesta área; desenvolver parcerias e projetos em diversos setores (agricultura, desporto, educação…). Por outro lado, a temática da alimentação saudável é lecionada em âmbito escolar pelos educadores. As escolas têm indicações relativamente aos alimentos que poderão ou não ser fornecidos em cantinas e bufetes e promovem condições para o aumento da atividade física. Mas temos ainda um longo caminho a percorrer no que toca à prevenção da obesidade infantil, mas os primeiros passos já estão a ser dados neste sentido.

E no que toca ao exercício físico? As medidas parecem não ser suficientes!
Esse deverá ser tanto motivado pelos pais como pelos educadores. Na escola a atividade física é incentivada através da disciplina de Educação Física, bem como, através de atividades extracurriculares. Mas os pais devem praticar com os filhos atividades sobretudo ao ar livre.

Como se justifica que num país com tantas horas de sol as crianças fiquem entregues às televisões e consolas?
Penso que o desenvolvimento das novas tecnologias tem feito com que, cada vez mais, crianças e adultos se esqueçam das atividades simples e que podem ser feitas ao ar livre, como o passear ou o brincar. Os mais pequenos recorrem à internet por exemplo para ver vídeos, jogos ou até dizem que o fazem para estudar. Já os mais velhos servem-se das novas tecnologias sobretudo para as redes sociais. Não contesto a relevância das tecnologias que privilegiam o virtual, desde que não substituam na totalidade o brincar real.

A quem podemos atribuir a responsabilidade desta situação evidentemente preocupante?
Por um lado, o marketing e a comunicação social incentivam a aquisição de alimentos processados ricos em açúcares, gorduras e sal. Os pais e educadores ainda não têm formação suficiente no que respeita à temática da alimentação saudável e muitos têm um padrão alimentar incorreto e são sedentários. Como “modelo” para os filhos, ao manterem hábitos alimentares incorretos e o sedentarismo, também as crianças seguirão esse mesmo estilo de vida.

Como deveria ser a alimentação tipo de uma criança entre os 7 e os 10 anos?
De um modo geral, deveria ser rica em legumes, fruta e cereais. Em suma: tudo o que são “alimentos de verdade” – a base da nossa dieta mediterrânica. São estes alimentos que nos dão os nutrientes que precisamos para o nosso dia-a-dia, nomeadamente as vitaminas e os minerais.

Este tipo de dieta é respeitada de forma geral pela população portuguesa?
Por algumas crianças sim, por terem pais que estão conscientes para a problemática da obesidade e reconhecerem a importância que uma alimentação saudável representa na saúde e no desenvolvimento dos seus filhos. Mas claramente ainda há um longo caminho a percorrer. Não só junto dos pais, que muitas vezes precisam de uma orientação profissional para conseguirem tornar a alimentação dos seus filhos saudável e apelativa, mas também junto das escolas, onde muitas vezes a oferta alimentar é bastante pobre.

Como aconselharia os pais a alimentar melhor as suas crianças?
Primeiro que tudo, lembrar-lhes-ia que são o principal modelo a seguir pelos filhos. E que de nada adianta dizermos a uma criança para ter um determinado comportamento, se o seu “modelo” não o faz.

Numa sociedade que privilegia cada vez o aspeto físico, a obesidade não poderá afetar as crianças de uma forma desumana diminuindo a sua autoestima para o resto da vida?
A obesidade não afeta só a autoestima da criança, como diminuir a sua qualidade de vida. Pode dificultar tarefas como andar, correr ou simplesmente apertar os sapatos; além de que como condiciona a sua saúde, enquanto criança e posteriormente na vida adulta.
Eu defendo que o segredo está na prevenção e não no tratamento. É preciso evitar que as nossas crianças fiquem obesas. É preciso mudar mentalidades, mudar hábitos.

A genética é muito importante, ou há apenas uma predisposição para a obesidade que pode ser facilmente combatida através do exercício e alimentação?
A genética é um fator importante, mas não é o único e nem sequer é o principal. Claramente os maiores determinantes são os maus hábitos alimentares e a inatividade física. E, ainda, que possa ser a genética a condicionar algum ganho de peso, não sendo este um fator modificável, a chave continua a ser uma melhor alimentação e promoção da prática de exercício físico.

Nestes casos devem ser efetuados exames clínicos específicos?
Claro que sim, se não houver hábitos alimentares desregrados que justifiquem o excesso de peso e se se tratar de uma criança ativa, é necessário perceber a causa do excesso de peso, que poderá ser de ordem clínica. Nesses casos sim, pode ser necessária a realização de exames médicos.

Para detetar problemas como?
Alterações do foro endócrino, como alterações hormonais, mas estes casos devem ser sempre seguidos em equipa, com o apoio da pediatria e endocrinologia, entre outras especialidades.