Chegou às salas de cinema nacionais O Fim da Inocência, o filme português baseado no livro de Francisco Salgueiro, com o mesmo nome. Oksana Tkach, uma modelo de 20 anos e praticamente sem experiência na área da representação, foi a escolhida para dar vida a Inês, a adolescente que Francisco conheceu há sete anos e que o inspirou a escrever aquele que viria a tornar-se o seu primeiro best-seller.

Responsável e com uma infância e adolescência passadas num Alentejo rural, longe das noitadas, sexo e drogas que Inês e os amigos vivem no grande ecrã, Oksana Tkach ficou em choque quando viu, pela primeira vez, o trailer do filme que protagoniza.

Falámos com a atriz na Estufa Fria, em Lisboa, no dia da antestreia do filme, a 28 de novembro. Quase duas semanas depois e com O Fim da Inocência já nos cinemas são várias as críticas ao filme, mas há uma opinião unânime: a prestação da estreante Oksana Tkach foi irrepreensível.

Nesta entrevista, a jovem atriz ucraniana que foi descoberta no mundo da moda fala sobre a indecisão em relação ao seu futuro profissional, as dificuldades que sentiu em gravar as cenas íntimas e de como espera que este filme sirva de alerta aos adolescentes e pais portugueses.

Oksana, é portuguesa?

Nasci na Ucrânia, mas vim com quatro anos para Portugal, portanto considero-me completamente portuguesa. De coração e alma, como costumo dizer.

Cresceu no Alentejo e teve, desde cedo, de tomar conta do seu irmão. Uma adolescência bem diferente daquela que é vivida pela Inês.

O meu irmão atualmente tem 10 anos. Tive de crescer muito cedo e numa realidade muito distante daquela que é a realidade da Inês, somos pessoas completamente diferentes. O facto de ter crescido no Alentejo proporcionou-me uma infância super feliz no campo, a andar de bicicleta de um lado para o outro, longe das discotecas e de tudo isso. Lembro-me de fazer corridas de bicicleta sozinha. Era completamente maluca e maria-rapaz. Fazia caminhos para as formigas, ia para o meio dos cavalos, montava e corria pelo campo. Foi uma infância incrível. Desejava que o meu irmão também pudesse tê-la, mas infelizmente não tem. Ele pertence àquela geração que passa o tempo todo em casa a ver televisão ou a jogar computador e no telemóvel.

Daqui a quatro ou cinco anos, quando o seu irmão for mais velho, vai mostrar-lhe o livro ou o filme como forma de alerta?

Talvez, tenho de pensar nisso. Sou eu quem mais o tem educado e tento fazê-lo da mesma forma que os meus pais me educaram. Tento que ele esteja sempre fora desse mundo porque não é de todo um mundo bom e que nos faça bem.

No filme, esta adolescência ligada às drogas, sexo e noitadas passa-se entre jovens de classes mais altas e com poder económico. Na sua opinião, os adolescentes dessas classes são mais propensos a seguir estes caminhos perigosos?

Não, aquela é uma realidade de todas as classes. Todos têm vícios e os miúdos hoje em dia arranjam tudo e mais alguma coisa para conseguirem o que querem. É claro que o dinheiro ajuda. A cocaína, por exemplo, é uma droga muito cara, mas atualmente arranja-se qualquer coisa para se conseguir aquilo que se quer. Arranjam-se vícios independentemente da classe social.

O Francisco Salgueiro, autor do livro que serviu de base ao filme, afirmou que falou com vários pais sobre esta realidade e muitos deles preferiram nem sequer saber para não ter de lidar com o problema. No seu caso, acha que os seus pais também reagiriam assim?

A Inês [protagonista do livro e do filme] não tem os pais por perto, não são presentes. Uns pais presentes reparariam e não iam fugir do problema, a não ser que os adolescentes envolvidos fossem muito bons mentirosos e escondessem tudo muito bem. Tudo é possível.

O que tem a Oksana em comum com a Inês, além de também saber tocar piano?

Em comum temos poucas coisas. Talvez a inocência inicial dela. A Oksana, por exemplo, nunca tinha fumado e teve de fumar neste filme para gravar duas ou três cenas em que a Inês fuma. Temos mesmo uma realidade muito distante.

Mas a Inês que vemos no final do filme é completamente diferente daquela que vemos no início.

É outra Inês, é uma Inês que percebe onde é que lhe vai levar toda aquela vida que anda a ter e as consequências que têm vindo a prejudicá-la em vários sentidos.

O filme tem muitas cenas de sexo. Como se preparou para a gravação destas cenas em particular?

Foi com a ajuda da equipa toda, principalmente dos colegas. Íamos sempre conversando e tentando perceber o que era melhor para nos protegermos uns aos outros, de certo modo. Claro que foram cenas difíceis e desconfortáveis, mas ser um ator é isto, sairmos da nossa zona de conforto.

Apesar de a maioria do elenco ser muito jovem, todos eles já tinham experiência em representação. Isso ajudou-a?

Sim, sem dúvida. Era a única que tinha caído ali do nada e foi muito bom trabalhar com pessoas com tanta experiência como os meus colegas. Deram-me imenso apoio e ajuda. Fomos sempre comunicando, criámos uma ligação muito forte e ficámos muito amigos. Isso ajudou bastante.

Oksana Tkach é Inês no filme ‘O Fim da Inocência’

Chegou ao mundo da representação através dos seus trabalhos como modelo.

Sim, as coisas foram aparecendo aos poucos. Tal como a moda chegou até mim, a representação chegou também. Não fui propriamente à procura, as coisas foram acontecendo.

Não eram duas áreas que quisesse muito seguir?

Não, não eram coisas que ambicionava.

E agora, depois deste filme?

Sinceramente não sei. Estou a estudar. São duas áreas com um futuro incerto. Vamos ver como corre este filme, as críticas e logo se verá.

Está a estudar Ciência Política e Relações Internacionais. Gostava de seguir algo nessa área?

Gostava. Diplomacia, mas veremos. Estou muito indecisa em relação a tudo.

Como é que a moda apareceu na sua vida?

Apareceu em 2013 quando comecei a viver sozinha. Andei à procura de trabalho e encontrei a Central Models, que me ajudou nesse sentido.

Qual foi o trabalho que mais gostou de fazer na moda até agora?

Ui. São todos tão giros, vou sempre conhecendo pessoas novas: produtoras, fotógrafos, colegas, maquilhadoras e cabeleireiros. Somos tantas pessoas no meio. Com algumas trabalhamos mais do que uma vez, mas estão sempre a aparecer pessoas novas e gosto sempre imenso de trabalhar com todas elas. Até agora gostei de todos, foram todos giros, cada um à sua maneira.

Não há nenhum que a tenha marcado especialmente?

Marcam sempre todos um bocadinho porque são sempre bons momentos passados com toda a equipa. Há sempre coisas boas e são pessoas novas que se conhecem.

O que mais gostava de vir a fazer nesta área?

Adoro desfilar, mas não tenho altura suficiente. É uma pena porque adoraria, sinto-me super confortável e adoro as passerelles. Gostava de desfilar numa semana de moda. Não sei se isso irá acontecer, duvido. É um desejo que sempre tive.

Que portas é que este filme lhe pode abrir?

Principalmente na representação, mas pode ser que também abra na moda.

Até porque, quando está a ser fotografada, também está a encarnar uma personagem.

Claro que sim. Somos todos atores e também representamos durante as sessões fotográficas.

Temos visto várias modelos, como foi o caso de Sara Sampaio, a denunciar casos de assédio sexual na moda. Enquanto modelo e mulher é uma questão que também a preocupa?

Preocupa-me, obviamente. Sou mulher e muitas vezes também sinto, talvez por estar a estudar política, que há muitas áreas que ainda são dominadas por homens. A política é um mundo dos homens e, às vezes, as mulheres não se sentem bem entre tantos homens. É sempre estranho ver uma mulher na política, não é muito comum, não há muito. Há mais homens na política e, por isso, é sempre difícil entrar em conversas nessas áreas. Sinto que eles ainda pensam que nós não percebemos nada disso. Quanto aos assédios, preocupam-me porque sou a favor de direitos iguais para todos.

Este tipo de casos deve ser denunciado?

Isto tem de ser falado, as mulheres devem denunciar. Sei que muitas não o fazem por medo das consequências, mas isso é algo que não se pode esconder. Tem de se falar porque só assim se pode mudar.

Antes deste filme já tinha participado num videoclipe e em duas séries de televisão.

Nas séries foram participações especiais muito pequeninas, umas coisinhas de nada, mas foi bom para me ir já ambientando, vendo as coisas e conhecendo este mundo. A ver também se aprende muito. Fiz um videoclipe, sim, e adorei. Foi com a Dakota, uma cantora que fez uma nova versão de uma música muito conhecida da Tracy Chapman, a ‘Fast Car’, com o Jonas Blue. O videoclipe foi do primeiro single dela.

E uma das séries era internacional.

Sim, alemã, mas foi um papelzinho de nada. Três minutos num episódio. Foi um dia bem passado. É curioso por ter sido a minha primeira participação especial e ter sido com a atriz Alba Baptista. Para este filme, o Joaquim Leitão e a produção também estavam indecisos entre nós as duas.

Apesar de só ter 21 anos, a Alba Baptista já tem um vasto currículo na área da representação. Para si foi praticamente a estreia. Em algum momento pensou que ia ser a escolhida?

Não, pensava exatamente o contrário pela experiência toda que ela tem. É uma atriz incrível e adoro-a, é uma querida.

Mas tinha alguma esperança…

Sim, essa esperança nunca morreu. Queria muito, mas não estava à espera.

Depois de já ter visto o filme, acha que correspondeu às expectativas?

Ainda não me consigo julgar como atriz, não consigo fazer um julgamento daquilo que vi, mas todos dizem que está muito giro e que estive muito bem, que foi incrível, mas ainda não consigo assimilar as coisas nem sei se um dia vou conseguir fazê-lo. Há quem diga que os atores têm dificuldade em analisar o próprio trabalho. Sou um desses casos.

Tem sido fácil conciliar estes trabalhos que vão aparecendo, na moda e na representação, com os estudos?

Só comecei a universidade este ano e como o filme foi gravado em agosto não tinha nada, estava de férias. Comecei as aulas em setembro, por enquanto está tudo calmo. As estreias e tudo o resto têm-me complicado um bocadinho os estudos mas vou conseguir fazer as duas coisas.

Tinha lido o livro antes de fazer o filme?

Li o primeiro O Fim da Inocência, o livro em que o filme foi baseado.

Leu para se preparar para o filme ou já o tinha lido anteriormente?

Já o tinha lido há uns anos e, por acaso, agora voltei a reler só algumas partes, não li novamente o livro todo. O filme não é igual ao livro, às vezes até me confundia com certas partes. É um livro que se lê muito bem, tem uma leitura super fácil. Li aquilo em dois dias e lembro-me de pensar: “Como é que consegui ler isto tão depressa?”

É um livro bom para pôr os adolescentes a ler?

Quando li tinha uns 17 ou 18 anos e o facto de aquela linguagem ser tão crua e direta chocou-me um bocadinho.

Em declarações para a Notícias Magazine revelou que ficou em choque quando viu o trailer.

Fiquei em choque pelas cenas fortes que o filme tem e por me ver na televisão, num ecrã tão grande. Nunca tinha feito nada do género, só me tinha visto em videoclipes e coisas do género, nada tão extenso. Ali era só a minha cara por todo o lado.

A primeira fase de castings do filme ainda contou com o Nicolau Breyner. Chegou a cruzar-se com ele?

Sim, o primeiro casting foi feito com o Nicolau Breyner. Como é óbvio, quando me disseram que ia fazer um casting com ele fiquei logo entusiasmada, mesmo sem saber para que filme ou papel seria. Ele era um ator de grande renome em Portugal e, infelizmente, depois soube pelos meus agentes que ele tinha morrido. O projeto foi suspenso e passado um ano veio outro realizador. Entretanto o projeto voltou a ficar suspenso e só este ano é que voltaram a fazer castings, já com o Joaquim Leitão.

Como se preparou para dar vida a esta Inês, cinco anos mais nova que a Oksana?

Tive uma grande ajuda da Rita Alagão durante o mês de agosto para interpretar a personagem e ir tendo aquelas bases de teatro e cinema que não tinha e me ajudaram bastante. Com a ajuda do Joaquim Leitão e de toda a produção fui conseguindo fazer este trabalho de representar, que pelos vistos nasceu comigo.

 

Sente-se preparada para fazer outros trabalhos na área?

Estou preparada. Também gostaria de me ver noutro papel e ver como as coisas correm. É todo um julgamento que tentarei fazer enquanto atriz para depois preparar e tentar perceber.

Os seus pais já viram o filme?

Não.

Vai ver com eles?

A minha mãe vem hoje à antestreia, neste momento está no avião. Vem de Londres, vive lá. Em cima da hora decidiu vir à antestreia com mais uns amigos.

O que já lhe disse para a preparar para o que vai ver?

Só quando ela chegar é que vamos ver isso. Vamos ter uma conversinha. Ela conhece-me, sabe que não sou aquela pessoa e consegue distinguir a realidade da ficção. Portanto, espero que, de algum modo, se orgulhe do meu trabalho e que goste. É o que espero de todas as pessoas que forem ver o filme.

Na universidade já a reconhecem como a Inês de O Fim da Inocência?

Não. Os colegas que sabem, sabem porque contei e tenho alguma confiança com eles. De resto, não.

O cinema português não tem tido muitos êxitos de bilheteira. Este filme pode ser uma exceção?

Sim, por ser um filme tão direcionado para os jovens. Temos poucos jovens a ver cinema português e este filme vai levar ao cinema muitos jovens e adultos, sobretudo pais.

 

Que mensagem gostaria de deixar aos adolescentes que são pressionados pelos amigos para experimentar todas estas coisas perigosas que o filme refere?

É verdade que estão numa idade de experimentar, mas não sou apologista de experimentar tudo e mais alguma coisa. Há que ter cuidado com aquilo que se experimenta. As minhas amigas começaram todas a fumar cedo e eu era sempre aquela que se armava em mãe pela responsabilidade que tive e pela rapidez com que amadureci. Foi isso que me fez distanciar disso tudo e não querer pertencer a esse meio. A juventude de hoje em dia tem de ter muito cuidado com o que experimenta porque não tem noção dos perigos. Este tipo de perigos podem ser bons no sentido de serem prazerosos, mas podem também trazer sequelas e consequências negativas. Há que ter muita atenção a isso. Até nos maços de tabaco temos as consequências, a imagem daquilo que vai acontecer. Ainda assim, ninguém quer saber. Isso tem de partir muito de casa e da educação que é dada na escola. Espero que os miúdos estejam completamente cientes das consequências e que aqueles que não estão, com a ajuda do filme, comecem a perceber qual poderá ser o fim de toda esta diversão que a Inês e os amigos também andaram a ter.

Os rapazes são mais influenciáveis do que as raparigas?

As mulheres amadurecem mais cedo, eles são todos umas criancinhas até muito tarde. As mulheres, de certa forma, são mais conscientes, mais maduras e começam a ter cabecinha mais cedo.

Agradecimentos: Estufa Fria