“É um assassinato em massa de civis ucranianos”. Leia a carta aberta de Olena Zelenska

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[Fotografia: Olena Zelenska/Intagram]

Em ucraniano, alemão e inglês. Olena Zelenska, primeira-dama da Ucrânia, de 44 anos, respondeu a todos os pedidos de entrevista feitos pelos órgãos de comunicação social mundiais com uma longa carta aberta na qual deixa o seu testemunho sobre as agressões de que os ucranianos estão a ser vítimas devido à ofensiva russa. Um documento em que Olena Zelenska volta a pedir ajuda internacional e lembra que a ameaça de Putin não é apenas à Ucrânia. É ao mundo.

Intitulada “Eu Testemunho”, a carta aberta primeira dama denuncia tratar-se de “um assassinato em massa de civis ucranianos”, em que “o mais terrível e devastador desta invasão seja a morte de crianças”

Olena Zelenska primeira-dama Ucrânia carta aberta
[Fotografia: Instagram]
“Se não pararmos Putin, que ameaça iniciar uma guerra nuclear, não haverá lugar seguro na Terra para ninguém”, avisa Olena Zelenska.

Um relato detalhado do sofrimento de mulheres, homens e crianças e da devastação de um país que está em fuga. Uma nova mensagem ao mundo depois de Olena Zelenska ter pedido ajuda a primeiras-damas do mundo inteiro e mães russas e a denunciar o ataque a uma central nuclear.

Leia o testemunho na íntegra:

“Recentemente, um grande número de media de todo o mundo tem estado a contactar-me com pedidos de entrevistas. Esta carta é a minha resposta a todos esses pedidos e testemunho sobre a Ucrânia.

O que aconteceu há pouco mais de uma semana foi algo impossível de acreditar. O nosso país era pacífico. As nossas cidades, subúrbios e vilarejos estavam cheios de vida. A 24 de fevereiro, todos nós acordamos com o anúncio de uma invasão da Rússia. Tanques cruzaram a fronteira da Ucrânia, aviões entraram no nosso espaço aéreo, lança-mísseis cercaram as nossas cidades.

Apesar de os meios de comunicação de propaganda russos chamarem isto de ‘operação especial’, na verdade é o assassinato em massa de civis ucranianos.

Talvez o mais terrível e devastador desta invasão seja a morte de crianças. Alice, de 8 anos, morreu nas ruas de Okhtyrka enquanto o seu pai tentava protegê-la. Ou Polina, de Kiev, que morreu num bombardeamento ao lado dos seus pais. Arseniy, de 14 anos, foi atingido na cabeça por destroços e não pôde ser salvo porque uma ambulância não chegou a tempo devido à intensa troca de tiros.

Quando a Rússia diz que ‘não está a travar uma guerra contra civis’, mostro-vos o nome dessas crianças mortas.

As nossas mulheres e crianças agora vivem em abrigos antibomba. Têm, provavelmente,visto as imagens das estações de metro de Kiev e Kharkiv, onde as pessoas se deitam no chão com as suas crianças e animais de estimação — todos presos lá em baixo. Essas são apenas consequências de guerra para alguns; para os ucranianos trata-se de uma realidade terrível. Em algumas cidades, famílias não puderam sair dos abrigos antibomba durante vários dias seguidos por causa do bombardeamento indiscriminado e deliberado de estruturas civis.

O primeiro recém-nascido da guerra viu o teto de betão do abrigo, a sua primeira inspiração foi feita de ar azedo do subsolo e foi recebido por uma comunidade presa e aterrorizada. Neste momento, há dezenas de crianças que não conhecem a paz na sua vida.

Esta guerra está a ser travada contra a população civil e não apenas através de bombardeamentos. Algumas pessoas precisam de cuidado intensivo e da continuidade nos seus tratamentos que não podem ser feitos agora. Como é que se aplica insulina num abrigo? Ou como se trata de asma sob fogo cerrado? Sem mencionar as centenas de pessoas com cancro cujos tratamentos com quimioterapia e radioterapia foram adiados indefinidamente.

Comunidades locais mostram o seu desespero nas redes sociais. Muitas pessoas, incluindo os mais velhos e os severamente doentes e com problemas de mobilidade, acabaram por se separarem das suas famílias, estão sem nenhum apoio. A guerra contra essas pessoas é duplamente criminosa.

As nossas estradas estão cheias de refugiados. Olhem nos olhos das nossas mulheres e crianças cansadas que carregam consigo a dor e a mágoa de deixarem para trás as pessoas que amam e a vida que tinham. Os homens que as levam para as fronteiras choram por terem de se separar das suas famílias, mas regressam corajosdamente para lutarem pela nossa liberdade. Depois de tudo, apesar do horror, os ucranianos não desistem.

O agressor, Putin, acreditou que lançaria uma ofensiva sobre a Ucrânia. Mas ele subestimou onosso país, o nosso povo e onosso patriotismo. Ucranianos, não importa a visão política, a língua que falam, a religião, nem a nacionalidade, permanecem unidos.

Enquanto os propagandistas do Kremlin anunciavam que os ucranianos lhes dariam as boas-vindas com flores e aplausos, o que aconteceu é que acabaram atingidos por cocktails molotov.

Agradeço aos cidadãos das cidades atacadas que ajudaram quem estava em necessidade. Agradeço àqueles que continuam a trabalhar — farmácias, lojas, transporte público e serviços sociais — e a mostrar que, na Ucrânia, a vida vence.

Estou reconhecida àqueles que organizaram ajuda humanitária para os nossos cidadãos e agradeço o seu apoio constante. Agradeço aos nossos vizinhos, que abriram as suas fronteiras para abrigar as nossas mulheres e crianças. Obrigada por as manter a salvo quando os agressores nos tornaram incapazes de o fazer.

Para todas as pessoas de todo o Mundo que estão ao lado da Ucrânia: nós estamos a ver-vos! Estamos aqui a ver e a estimar o vosso apoio!

A Ucrânia quer paz. Mas a Ucrânia vai defender as suas fronteiras. Defender a sua identidade. Nunca vamos ceder.

Nas cidades em que os bombardeamentos continuam, onde as pessoas estão sob escombros, impedidas de deixar os abrigos por dias, precisamos de corredores de ajuda humanitária e evacuação de civis em segurança. Precisamos que aqueles que têm poder fechem os nossos céus.

Fechem os céus e nós mesmos vamos lidar com a guerra no chão.

Apelo-vos, queridos media: continuem a mostrar o que acontece aqui e a verdade. Na guerra de informação travada pela Rússia, cada pequena prova é crucial.

E, com esta carta, testemunho e digo ao mundo: a guerra na Ucrânia não é uma guerra ‘num sítio qualquer’. É uma guerra na Europa, próxima das fronteiras da União Europeia. A Ucrânia está a segurar a força que pode entrar agressivamente nas vossas cidades amanhã sob o pretexto de salvar civis.

Na semana passada, para mim e para os meus, tudo isto soaria como um exagero, mas é a realidade em que vivemos hoje. E não sabemos por quanto tempo vai durar. Se não pararmos Putin, que ameaça iniciar uma guerra nuclear, não haverá lugar seguro na Terra para ninguém.

Nós vamos vencer. Pela causa da nossa unidade.

Unidade de amor pela Ucrânia. Glória à Ucrânia!”.