Ortorexia: quando a saúde passa a mania

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Mafalda Mateus, 40 anos, jornalista, já não se lembra quando foi a última vez que jantou fora. Antes de se deitar faz religiosamente a marmita para levar para o trabalho e a dos filhos de forma a que não almocem o que é servido na cantina da escola. Passa horas a ler os rótulos dos alimentos no supermercado – o marido já se recusa a acompanhá-la – e os fins de semana a devorar informação sobre nutrição. “Não confio em nada que não seja eu a confecionar e comprar”, admite.

“A minha saúde e da minha família está em primeiro lugar, além de que tenho pânico de engordar, apesar de não ser anorética – alimento-me mesmo bem”, garante.

Mafalda – apesar de não o admitir – integra um grupo cada vez maior de pessoas que se preocupa de tal forma com a alimentação, saúde e peso, que esse cuidado antes salutar se transformou num distúrbio reconhecido e chamado de ortorexia. “Caracteriza-se pela obsessão por uma alimentação que se crê saudável”, afirma a coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica, do Hospital Lusíadas Lisboa, Ana Rita Lopes. “O termo deriva da palavra grega “orthos”, que significa correto e da palavra “orexia”, que significa apetite”.

Estudos recentes sugerem uma prevalência deste tipo de comportamento em 6,9 % da população mundial, sendo os mais vulneráveis os desportistas, profissionais de saúde, figuras públicas e artistas. Contam, ainda, como fatores de risco personalidades perfeccionistas e controladoras com tendência para estados de ansiedade. A pressão social para ser belo e saudável também pesa; se era cool nos anos 80 ou 90 em alguns locais de trabalho tomar uns bons whiskys para ser mais criativo e trabalhar pela noite dentro, hoje o “empregado do mês” é aquele que entra manhã cedo no escritório sem olheiras e com um sumo verde na mão depois de uma valente aula de Crossfit.

Obsessão selvagem
A ortorexia acontece quando comer corretamente deixa de ser uma opção para passar a ser uma obsessão e se dá uma rejeição rígida de alimentos considerados não saudáveis, com o objetivo de atingir uma saúde ideal, prevenir doenças ou alcançar a imagem corporal desejada.
Resultado: a saúde acaba por se ressentir. Mudanças drásticas e radicais, como por exemplo a eliminação de todas as gorduras da alimentação diária, leva a que certas vitaminas deixem de ser absorvidas pelo organismo. Há mesmo quem entre em estado de subnutrição, pelo que a anemia é frequente entre os ortoréxicos.

“Apesar deste distúrbio não ser ainda considerado uma doença do comportamento alimentar, tal como a anorexia e bulimia nervosas, têm surgido cada vez mais estudos que a aproximam dessas doenças psiquiátricas”, afirma Ana Rita Lopes.

“Estes indivíduos dedicam demasiado tempo a planear as suas refeições e muito pouco ao lazer, relegando para segundo lugar sua vida social”, acrescenta a especialista.

Mafalda confirma: “Abdiquei por completo dos jantares em restaurantes com amigos – falto a imensos aniversários para evitar tentações – e, apesar de visitar a família frequentemente, levo sempre refeições prontas, pois nunca sei o que me espera”. Glúten, açúcar, laticínios, corantes, aromatizantes e ingredientes geneticamente modificados estão completamente fora do seu cardápio, assim como os frescos que não consiga comprar em versão orgânica, devido à eventual presença de agrotóxicos. Chega mesmo a evitar consumir fruta, “porque tem muito açúcar e, mesmo sendo natural, engorda e faz variar os níveis de glicémia no sangue, criando picos de apetite voraz”.

Apoio médico
“Estudos recentes sugerem que a ortorexia deve ser tratada em equipa, pois para além do apoio de um dietista ou nutricionista para que o indivíduo possa aprender a comer bem, sem se tornar “escravo” de uma alimentação saudável, é fundamental procurar apoio psicológico, nomeadamente a terapia comportamental cognitiva”, conclui Ana Rita Lopes.
E, acrescenta: “A saúde não se mede através da balança, mas sim do estilo de vida”. Comer é também um prazer que deve ser partilhado, como tão bem é defendido pela Dieta Mediterrânea, Património da Humanidade e que integra nos seus princípios a partilha de bons momentos à mesa. Sem discursos evangelizadores por favor!

O teste

E você é escrava da alimentação saudável?

O teste de Bratman, médico americano que em 1997 deu nome à ortorexia nervosa, pode ser um indicativo para identificar se o paciente sofre do distúrbio alimentar. Cada item afirmativo vale um ponto. Se a pontuação for superior a cinco pode significar que sofre de alguma obsessão. É de ressalvar que o teste serve apenas como orientação e o diagnóstico deve ser realizado por um profissional.

  • Passa mais tempo que o habitual (mais de três horas) a pensar e a planear as suas refeições?
  • Planeia suas refeições com vários dias de antecedência?
  • Limita a variedade de alimentos excluindo certos grupos sem a substituição adequada?
  • Considera que o valor nutritivo é mais importante que o prazer que o alimento oferece?
  • Sente controle excessivo ao evitar a tentação das comidas “não saudáveis”. Acredita que esteja tudo sob controle quando come de forma saudável?
  • Evita alimentos que antes adorava?
  • Critica os que não comem “corretamente”? Sente um complexo de superioridade em relação à sua “perfeita e saudável dieta”?
  • Sente culpa por ter que comer alimentos que considera “impuros ou não saudáveis”?.
  • A sua dieta transforma-se num problema quando tem que comer fora ou com outras pessoas? Reduz a qualidade da vida social?
  • Sente satisfação em se alimentar de forma correta?