Os piores inimigos do amor são…

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Pensar “nós os dois somos um” é o equivalente a acreditar no Pai Natal, em versão para maiores de 18 anos. Não existe! Ter pressa e contar com que tudo seja simples e fácil também não ajuda nada num relacionamento amoroso. As relações saudáveis requerem tempo e muito trabalho.
Conheceram-se, foram beber um café, seguiu-se um jantar cheio de sorrisos cúmplices, depois uns beijos e… ficaram juntos para sempre. O cenário do primeiro encontro pode ter sido a bomba de gasolina, o ginásio, o supermercado ou até mesmo a repartição de finanças, com um dos protagonistas em dia “não” por motivos que só ao fisco dizem respeito, e a concretização da relação pode ter sido rapidíssima ou passado alguns meses. Nada disso importa, o “amor” aconteceu e a lógica dos contos de fadas transformou-se em realidade: a partir daí, os dois seriam um só e felizes até à eternidade.
Acontece que um dos piores inimigos das relações saudáveis é exatamente a crença no amor romântico. De acordo com a psicóloga clínica Paula Peres Di Salvatore:

“Este mito há muito cultivado, com origens no infantil de cada um e que tão bem aparece retratado nas histórias para crianças, em que se vive feliz para sempre, cobra um preço elevadíssimo às pessoas, à sua felicidade e sonhos, autonomia, energia, entre outros.”

“Quando a ilusão se confronta com a realidade a relação, que nunca é perfeita, tende a sofrer um choque: o humano do real não se ajusta a uma irrealidade de contos contados”.

Produto da modernidade, com maior relevo partir do século XVIII, contextualiza a psicóloga, este ‘amor’ é sempre resultado de uma idealização e é mais imaturo. Produz muitas vezes confusão e sofrimento pois cria ideais pessoais, culturais e sociais, entre outros, utópicos e anula em grande parte o Eu individual, o desejo próprio, as ambições pessoais e bloqueia um crescimento saudável no sentido da autonomia e realização individual.
Exemplos de “vítimas” deste conceito são os casais que fazem praticamente toda a vida em conjunto e em que um dos elementos (ou ambos) prescinde, ou passa a relegar para último plano, as suas coisas, passatempos, desportos e outras atividades preferidas. Viver “fechado” no mesmo grupo de amigos estanque também não ajuda, pelo contrário.
É fazer as contas: um mais um são dois; dois não podem ser apenas um! O pensamento de características fusionais nunca poderá resultar numa relação de amor adulto, saudável e feliz.

“Este pacto com o outro pode parecer ideal até se tornar insuportável porque não é autêntico, o outro não é igual a nós e então surge insatisfação, frustração, raiva e tristeza.”

Trata-se de um pensamento dependente, infantil, e não de uma dependência adulta, madura e salutar. Relação saudável está baseada na perspetiva de ‘quero fazer-te feliz’, tem um pouco de ‘quero que me faças feliz’ e cada um dos membros do casal é um ser individual e único, com personalidades distintas, de acordo com Paula Peres Di Salvatore. Só assim uma relação pode ser saudável e perdurar.
Outra regra de ouro que se aplica às relações afetivas resume-se a duas palavrinhas: tempo e trabalho. “Coisas breves não podem ter a profundidade de uma relação construída e trabalhada, nem a mesma flexibilidade e, assim, por vezes, quebram mais facilmente, além de permitirem expectativas irrealistas”, explica a psicóloga.

“Lembro-me de a Pilar del Río, citando Saramago, dizer que não se deveria ir para um casamento, ou uma relação, de vestido branco mas sim com um fato de trabalho! Porque um casamento ou relação dão muito trabalho, a fazer em conjunto, a encontrar-se, a desencantar-se e a crescer”.