Oscars sem grandes rasgos de inspiração

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Oscars (Fotografia: Lucy Nicholson/Reuters)

A troca de envelopes na atribuição do Oscar para Melhor Filme – inicialmente atribuído a ‘La La Land’, quando o verdadeiro vencedor foi ‘Moonlight’ – tornou-se num dos momentos mais polémicos da entrega dos prémios da Academia de Hollywood, este domingo, 26 de fevereiro, mas foi também um dos que mais contribuiu para quebrar o marasmo de uma cerimónia morna em vários aspetos.

Os Estados Unidos da América têm um dos presidentes mais contestados das últimas décadas e têm sido várias as figuras americanas da área do cinema a manifestarem publicamente o seu repúdio face à sua postura e políticas – basta recordar o discurso de Meryl Streep nos últimos Globos de Ouro. Por isso, foi surpreendente observar que, na cerimónia, esse descontentamento veio de algumas piadas proferidas pelo anfitrião do evento, Jimmy Kimmel, e, de forma mais óbvia, de duas personalidades estrangeiras. O ator mexicano Gael Garcia Bernal falou dos imigrantes e condenou a construção do muro entre México e EUA e o realizador iraniano Asghar Farhadi, que venceu o Oscar para Melhor Filme Estrangeiro, não participou na cerimónia, como forma de protesto. Numa mensagem enviada à Academia e lida durante a atribuição do galardão, justificou a sua ausência “por respeito ao povo do Irão e de seis outros países de maioria muçulmana”, impedidos, por Donald Trump, de entrar no país.

Os discursos com teor político têm marcado várias cerimónias dos prémios da Academia de Hollywood. Alguns proferidos em alturas menos polarizadas politicamente, mas que se destacaram por vir de artistas premiados nas categorias principais que usaram o tempo dos agradecimentos para mensagens de ativismo.


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Politicamente “mais” corretos
Ao longo da história dos prémios foram vários os atores premiados que aproveitaram o seu discurso para o ativismo, quer acerca de questões internacionais, quer sobre política interna. Em 1973, a atriz de origem índia Sacheen Littlefeather foi receber o Oscar de Melhor Ator de Marlon Brando (pelo filme ‘O Padrinho’) que não o recebeu pessoalmente por discordar da forma como a indústria do cinema tratava os nativos americanos.

Mais recentemente, em 2003, Michael Moore, vencedor do Oscar de Melhor Documentário com “Bowling for Columbine”, criticou duramente George W. Bush. Em 2009, Sean Penn, vencedor do Oscar de Melhor Ator, por ‘Milk’, aproveitou o seu discurso para criticar a Proposta 8, a lei que baniu, na Califórnia, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e, há dois anos, Patricia Arquette fez o mais incisivo discurso contra a desigualdade de género no país, quando discursou na aceitação do Oscar de Melhor Atriz Secundária, por ‘Boyhood: Momentos de Uma Vida’. “Para cada mulher que deu à luz, para cada contribuinte desta nação, lutámos por direitos iguais para todos os outros. É a nossa vez de ter igualdade salarial, de uma vez por todas, e direitos iguais para as mulheres nos Estados Unidos da América”, defendeu Arquette na altura.

Atrizes de categorias
Este ano, em Hollywood – onde a indústria do cinema é tantas vezes criticada por praticar essa mesma desigualdade –, o Oscar de Melhor Atriz Secundária foi atribuído a Viola Davis, pelo seu papel em ‘Fences’ (‘Vedações’).

Para alguns, a atriz, que conquistou o prémio equivalente nos Globos de Ouro deste ano, devia ter concorrido na categoria principal, a de Melhor Atriz, não só porque ganhou, em 2010, um Tony Award para Melhor Atriz pelo mesmo papel na versão da Broadway, mas também porque em muitas das cenas do filme rivaliza com o ator protagonista, Denzel Washington.

Apesar de o número de cenas em que participam ser um fator a determinar a inclusão dos atores nas respetivas categorias, já houve várias situações em que a Academia decidiu relativizar essa parte. De acordo com o jornal californiano, ‘Mercury News’, foi o que aconteceu, por exemplo, com Kate Winslet, em 2008, no filme ‘O Leitor’. Ganhou o Globo de Ouro para Melhor Atriz Secundária, mas acabou por ser nomeada para Melhor Atriz aos Oscars e conquistar o prémio. Marlon Brando, em ‘O Padrinho’ também tinha tido menos tempo de cena que Al Pacino, nomeado para Melhor Ator Secundário, pelo mesmo filme. Alicia Vikander (‘A Rapariga Dinamarquesa’) ou Rooney Mara (‘Carol’) são outros exemplos desta polémica recorrente em torno da submissão das candidaturas dos atores às categorias, como destacou a revista ‘Variety’ num artigo sobre as nomeações para 2016.

Se Viola Davis tivesse sido nomeada para Melhor Atriz teria competido com Isabelle Huppert (‘Ela’), Ruth Negga (‘Loving’), Natalie Portman(‘Jackie’), Emma Stone (‘La La Land’)
Meryl Streep, (‘Florence, Uma Diva Fora de Tom’). Se teria ou não vencido, não podemos saber. Desde Halle Berry (Melhor Atriz por ‘Monster’s Ball – Depois do Ódio’, em 2001), nenhuma atriz negra voltou a ganhar o troféu na categoria principal, embora várias tivessem conquistado o Oscar de Melhor Atriz Secundária. Viola Davis é, no entanto, a primeira a conquistar um Oscar, um Emmy e um Tony Award.

Outra ausência notada e já bastante comentada é a de Amy Adams das nomeações para Melhor Atriz, sobretudo pelo papel em ‘O Primeiro Encontro’, indicado para oito Oscars, incluindo os de Melhor Filme e Melhor Realizador. O seu nome chegou a aparecer na primeira lista que saiu com os nomeados. Segundo a ‘Variety’, Amy Adams estava indicada na categoria Melhor Actriz, na página Oscars.com, em vez de Ruth Negga.

Uma personagem leve num elenco feminino forte
Na noite passada, o Oscar de Melhor Atriz foi para aquela que é, provavelmente, a personagem feminina menos forte das referidas acima. Emma Stone ganhou a estatueta dourada pelo papel de uma jovem aspirante a atriz que tenta o seu sucesso em Hollywood. Destronou a aclamada interpretação de Natalie Portman de Jackie Kennedy, a história verídica de um casal inter-racial no estado americano da Virginia, co-interpretada por Ruth Negga, ou a de Florence Foster Jenkins, uma nova-iorquina abastada que, nos anos 30, tentou uma carreira como cantora de ópera embora não tivesse voz para cantar. Derrotou ainda a perturbadora personagem de Isabelle Huppert em ‘Ela’, uma mulher que é violada e leva a cabo um plano masoquista para se vingar. A sua interpretação arrebatou a crítica especializada e rendeu à atriz francesa um Globo de Ouro na mesma categoria.

Sem retirar o mérito a Emma Stone, ficamos sem perceber se a atribuição do Oscar principal para a área da representação quis premiar a leveza do papel, se a Academia está cansada de personagens femininas mais complexas ou apaixonada pelo seu próprio universo. Uma coisa é certa, dificilmente será este o papel que vai marcar a carreira da atriz.

 

Imagem de destaque: Lucy Nicholson/Reuters