“Pais menos maduros usam o medo, a culpa, a vergonha nos filhos”, afirma psicóloga Lindsay Gibson

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[Fotografia: Pexels/Vidal Balielo]

Especializada em psicoterapia individual com filhos adultos de pais emocionalmente imaturos, Lindsay Gibson escreveu a obra depois de perceber que muitos dos seus pacientes não mantinham uma boa relação com os seus pais.

O objetivo é ajudar o leitor a fazer o autodiagnóstico e a perceber melhor como foi a infância e que tipo de pai ou mãe tem e como lidar.

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[Fotogafia: Lindsay C. Gibson/Blogue]
Lindsay Gibson revela ao Delas.pt os motivos que levam os progenitores a ser emocionalmente imaturos e explica se há ou não esperança e se é possível mudá-los. A psicoterapeuta e psicóloga clínica deixa algumas estimativas dos casos que existem e falou sobre a forma como as crianças são afetadas por estes pais.

Leia a entrevista à especialista abaixo.

Ter pais emocionalmente imaturos é uma realidade irreversível?

A meu ver, existem alguns traços característicos da imaturidade emocional, que são: egocentrismo, falta de autorreflexão, capacidade limitada de empatia, evitação da intimidade emocional, interpretação da realidade com base nos próprios sentimentos (não em factos objetivos) e lidar com realidades desagradáveis através da rejeição, negação ou distorção, juntamente com outras características secundárias da imaturidade. Se as pessoas têm estas peculiaridades, é muito difícil mudarem uma vez que não refletem sobre o seu comportamento ou sobre a forma como podem afetar os outros. Não se comunicam a um nível profundo o suficiente para mudar os relacionamentos para melhor, porque lhes falta a empatia e a intimidade emocional necessárias para falar honesta e compassivamente com os outros. Se estiverem presas a este tipo de personalidade, não há grande possibilidade de reverter a sua imaturidade.

“A mudança é possível, mas geralmente rara, porque [estes pais] carecem de complexidade psicológica suficiente para avaliar a si mesmas e tentar mudar”

No entanto, a imaturidade emocional está num continuum, por isso algumas pessoas emocionalmente imaturas podem mudar mais do que outras. Essas mudanças dependem da capacidade da pessoa de refletir sobre o seu comportamento e estar disposta a assumir a responsabilidade pelo impacto que causa nos sentimentos de outras pessoas. Algumas são motivadas a mudar quando percebem o alto custo do que estão a perder ou do que já perderam devido ao seu egocentrismo. Na minha opinião, a mudança é possível, mas geralmente rara, porque carecem de complexidade psicológica suficiente para avaliar a si mesmas e tentar mudar.

Os casos de pais emocionalmente imaturos estão a aumentar ou a diminuir? E Porquê?

Seria um projeto de pesquisa gigantesco determinar o número real de pessoas emocionalmente imaturas no mundo e se estaria a aumentar ou não. Só posso dar as minhas impressões. Parece-me que a maturidade e a imaturidade emocional estão a aumentar. Alguns pais estão a tornar-se muito mais educados e autoconscientes sobre o seu impacto como progenitores. Pensam nas experiências e nos sentimentos internos dos filhos e fazem o possível para que estes se sintam vistos e amados. No entanto, outros pais exercem a paternidade absolutista e rígida como forma de fazer valer os seus direitos, convencidos de que a disciplina e os benefícios materiais são tudo o que se exige deles para serem considerados bons.

Considera, portanto, que há uma divisão crescente entre pais imaturos e maduros?

Há uma divisão crescente entre os dois tipos de pais. O grupo relativamente mais maduro está interessado em aprender habilidades parentais, psicologia infantil e desenvolvimento infantil, enquanto o outro grupo concentra-se em comportamentos externos, metas e expectativas rígidas do papel da criança em atender às necessidades dos pais de ter filhos “bons”. Basicamente, tudo se resume a pais emocionalmente maduros que são curiosos e querem aprender a ser bons pais pelo bem dos filhos versus os pais emocionalmente imaturos que temem mudanças, defendem rigidamente a sua reatividade e não consideram as experiências internas dos seus filhos enquanto diretrizes de como eles os tratam. Ambos tipos de pais podem usar a disciplina e ensinar bons valores aos filhos mas, para conseguir isso, os pais mais maduros tendem a usar a razão e o ensino pelo exemplo, enquanto os pais menos maduros usam o medo, a culpa, a vergonha e incutem dúvidas nos filhos.

Quem sofre mais com este tipo de parentalidade em termos de género e faixa etária?

Enquanto grupo, mulheres de qualquer idade tendem a ser mais abertas a recorrer à psicoterapia. Mas também vi muitos homens sofrerem profundamente com os seus pais emocionalmente imaturos. Os homens provavelmente estarão sub-representados nas populações de psicoterapia porque são menos propensos a procurar ajuda, mas isso não significa que eles tenham menos problemas com esse tipo de pais. Também verifiquei que estes problemas se estendem ao longo da vida, da adolescência à velhice. Todos, de todas as idades e identidades de género, reagem de forma negativa ao serem tratados com rigidez e sem consideração pela sua individualidade ou sentimentos. É uma questão humana, que não se baseia em género ou idade. Questões de direitos humanos estão a aumentar a sensibilidade para as crianças, porque as pessoas estão a despertar para o facto dos danos psicológicos poderem ser consequência de serem maltratadas como objetos ou exploradas para ganho de outra pessoa.

Que impacto é gerado nas crianças que, no futuro, tenham de assumir o papel de cuidadoras de pais emocionalmente imaturos?

As crianças não estão prontas para assumir o papel de cuidadoras dos adultos. As crianças têm um emprego de tempo inteiro a tentar crescer sozinhas. Quando um pai egocêntrico ou emocionalmente carente faz com que o seu filho se preocupe com ele ou se concentre em fazê-lo sentir melhor, a energia da criança é desviada do seu próprio desenvolvimento ideal. Os pais emocionalmente imaturos ensinam aos seus filhos que eles são responsáveis pela estabilidade emocional e autoestima dos pais. Os filhos tornam-se muitas vezes “parentificados”, numa inversão de papéis em que cuidam dos seus pais e tentam ajudá-los a serem fortes.

Quais as consequências?

Essas crianças crescem excessivamente focadas na forma como as outras pessoas se sentem, negligenciando os seus próprios sentimentos e necessidades. Perdem a autoconfiança e tornam-se emocionalmente solitárias porque ninguém as está a “ver” ou a relacionar-se com elas como uma pessoa real e sensível. Tal cenário também cria pessoas prematuramente conscienciosas e preocupadas com os outros, que não têm oportunidade de amadurecer lentamente a partir de uma infância protegida. Em vez disso, tornam-se boas em lidar com o stress, acalmando os outros e pensando antecipadamente em todos os resultados possíveis. Em consequência, é originada uma tensão dentro delas, na qual são híper maduras e capazes por fora, mas sobrecarregadas e assustadas por dentro, sem ninguém a quem recorrer. Esta constatação leva à síndrome do impostor, na qual são vistas como super capazes e realizadas, mas o filho adulto teme que não sejam tão boas quanto parecem. Este receio é causado pelo facto de terem assumido um papel de vida adulta muito cedo e nunca sentirem que alcançaram o seu próprio desenvolvimento interior.

Como podem recuperar disto?

A recuperação depende de aprender a cuidar de si internamente, apoiar sua própria individualidade, reivindicar o direito aos seus próprios pensamentos e sentimentos e encontrar pessoas que os tratem com respeito e empatia.