Pandemia: receio em perder amizades veio ao de cima

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No que diz respeito à forma como cada qual lida com as adversidades provocadas pelo Novo Coronavírus, sabemos que dificilmente se chega a um consenso. Num grupo de amigos, ou mesmo no seio familiar, há quem tente continuar a fazer a sua vida dentro da nova normalidade e quem sinta que parou completamente de o fazer.

Por um lado, pedem-nos recolhimento obrigatório e distanciamento social. Por outro, pedem-nos que tentemos adaptar-nos à nova realidade e retomar as nossas rotinas tendo em conta os devidos cuidados e restrições. E sabemos que cada qual lida com a pandemia de uma forma totalmente diferente!

Nasce, assim, uma nova paranoia: o medo em perder amizades. Principalmente para aquelas pessoas que deixaram completamente de se encontrar com os amigos (mesmo cumprido as devidas recomendações de segurança), e que têm agora medo que essas pessoas deixem simplesmente de estar nas suas vidas.

Algumas pessoas acreditam que, por rejeitarem certos planos, deixarão de ser convidados ou que a outra pessoa vai perder a confiança em si e deixar até de lhe telefonar. Numa altura em que as relações – de qualquer tipo – estão totalmente diferentes, a revista S Moda reuniu alguns especialistas e aborda a temática do medo de perder amizades.

As regras atuais vão desde ajuntamentos de apenas cinco pessoas; uso obrigatório de máscara em qualquer lugar; distanciamento social de pelo menos dois metros; desinfeção constante das mãos e também horários de recolher obrigatório. Algumas pessoas tentam adaptar-se a estas novas normas, outras apenas se fecham em casa. E, muitas vezes, esta hipótese deixa mazelas como ansiedade e depressão.

Ainda que se peça o distanciamento social e a redução de socialização presencial (seja no trabalho, na família ou com amigos), sabemos que este tipo de restrições traz variados problemas a nível psicológico. Mesmo que as redes sociais e as videochamadas nos consigam aproximar um pouco, este tipo de interação não colmata todas as nossas necessidades emocionais.

“Somos seres sociais e embora a comunicação online nos ajude a suprir a necessidade de estar em contacto com outras pessoas, continuamos a exigir outros fatores de sociabilidade como o contacto físico ou a simples proximidade de ter alguém ao nosso lado. Afinal, são esses momentos que promovem o bom humor, o riso e também a cumplicidade que pode surgir entre as pessoas, quando estamos próximos e não através de um ecrã”, explica à S Moda Celia Martínez, psicóloga especializada em perspetiva de género.

Temos sempre a necessidade de sentir que temos tudo sobre controlo. No caso, para nos encontrarmos com alguém de forma segura, temos de pensar se o local é arejado ou não; se as outras pessoas vão ou não usar máscara ou até contar o número de pessoas que podem ou não vir a este encontro. Estas questões, juntamente com o receio do desconhecido, acabam por influenciar o facto de irmos ou não a esses mesmos encontros.

Segundo a mesma especialista, o medo que acaba por estar detrás de tudo isto é o receio de ficar sozinha. Porque sendo nós seres sociais, não queremos perder as nossas amizades em função de algo que não se vê e não se conhece bem, nem tampouco se sabe quando irá embora. Nas suas terapias, a psicóloga afirma que encontra muitas mulheres que têm receio não apenas de comparecer a certos eventos, como também que a sua constante negação em aparecer vá acabar por afastar os demais.

Outro grande medo é o do entrar em conflito: nem sempre as pessoas se sentem seguras em dizer que não querem fazer algo ou que não se sentem confortáveis com alguma situação, porque nem todas as pessoas pensam da mesma forma e isso pode criar discussões para as quais as pessoas não estão preparadas. Mas, para a especialista, isto nem deveria ser uma questão quando temos amizades verdadeiras e saudáveis à nossa volta.

Jara Pérez, psicóloga com especialização em terapia sistémica e psicologia feminista, acredita que isto também se deve ao fato de que “estarmos mais em alerta e, consequentemente, tendemos a interpretar mal tudo o que acontece à nossa volta. Quando nos sentimos mais vulneráveis, protegemo-nos cada vez mais e muitas vezes essa proteção acontece por estarmos em “alerta”. O nosso corpo avisa-nos dos perigos e, dependendo do nível de incerteza com o qual lidamos, esse nível de alerta pode ser ainda mais ampliado”, detalha.

A pandemia está também a meter à prova as nossas relações sociais, sejam elas de que tipo for. O ritmo frenético que tínhamos anteriormente fez-nos, por exemplo, apostar em amizades superficiais ou muito contextualizadas que, neste momento, deixam de nos fazer sentido. E não há problema nenhum nisso!

Assim como também não existe problema nenhum em encontrar-se com pessoas, ou manter amizades com pessoas, que tenham a mesma perceção de risco que nós. E as outras pessoas têm de respeita a nossa decisão e aceitas as normas com as quais nos sentimos mais seguras.

Para isso, o mais importante é a comunicação. Não ter medo de mostrar o seu ponto de vista e perceber que se alguém a criticar ou não a tentar entender, talvez seja porque a relação é mais tóxica do que sã.