Paulina Chiziane: Prémio Camões que aprendeu a escrever na areia da praia

PORTUGAL PRÉMIO CAMÕES
Paulina Chiziane [Fotografia: António Pedro Santos/Lusa]

A escritora moçambicana Paulina Chiziane defendeu esta sexta-feira, 5 de maio, que a língua portuguesa, para ser de todos os povos que a falam, precisa de “tratamento, limpeza, descolonização”, dando como exemplo a maneira como algumas palavras surgem definidas nos dicionários.

Durante o discurso, depois de ter recebido o prémio Camões 2021, numa cerimónia em Lisboa, Paulina Chiziane partilhou que há na língua portuguesa “algumas especificidades” que fazem com que esta “por vezes” a “assuste”.

A escritora deu exemplos de definições que encontra em dicionários de Língua Portuguesa para algumas palavras, como catinga, “que vem como cheiro nauseabundo característico da raça negra“. “Fico muito triste quando olho para aquilo. Será que tivemos tempo de olhar para estas questões?, disse.

Paulina Chiziane nomeou também matriarcado, que aparece definido como “costume tribal africano”, em contraposição com patriarcado, “tradição heroica dos patriarcas”.

“Em África temos matriarcado, sobretudo na região norte de Moçambique. É um costume tribal, deita fora, é coisa de africano. Mas patriarcado já tem valor. Que machismo é esse?”, questionou.

A escritora partilhou ainda “uma última palavra, mas há muitas”: palhota, “habitação rustica característica dos negros”. “Está provado que palhota é habitação ecológica. A língua portuguesa para ser nossa precisa de um tratamento, de uma limpeza, de uma descolonização”, defendeu.

Paulina Chiziane, vinda “de lugar nenhum” e que “aprendeu a escrever na areia do chão” e usou “o primeiro par de sapatos com 10 anos”, mostrou-se “muito feliz” por receber o Prémio Camões, “um prémio tão importante, exatamente no Dia Mundial da Língua Portuguesa”.

“Para quem vem do chão, estar aqui diante do Governo português, do Governo brasileiro, do corpo diplomático e de várias personalidades é algo que me comove profundamente. Caminhei sem saber para onde ia, mas cheguei a algum lugar, que é este prémio”, disse.

Dos vários agradecimentos que fez, o maior foi para os seus leitores, “em Moçambique e em todos os países que falam português”.

LUSA