PCP quer prostituição combatida como forma de violência sobre as mulheres

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A Juventude Socialista prometeu voltar a lançar o debate sobre a legalização da prostituição depois das eleições autárquicas, noticiou o ‘Público’ em agosto. Mas o PCP, que se opõe à sua regulamentação, acabou por se antecipar e recolocar o tema na agenda política, com a realização de uma conferência internacional na passada sexta-feira, 20 de outubro, em Lisboa, e pondo, desta vez, a tónica na defesa da abolição da prostituição.

O evento, que teve como temática de discussão a ‘Prostituição: uma grave forma de violência e exploração – a situação na Europa e em Portugal’, foi organizado pelos deputados comunistas no Parlamento Europeu e contou com a participação de várias ativistas estrangeiras, oriundas de países com enquadramentos legais distintos para a prostituição.

Na sessão, o PCP defendeu a aplicação do Plano de Combate à Exploração na prostituição aprovado no Parlamento em 2015, como recomendação ao governo, considerando o atual enquadramento português, em que o ato de prostituir-se não é crime, mas a sua exploração por terceiros, o proxenetismo, sim, penalizado criminalmente como lenocínio.

“Sucessivos governos, ao longo de décadas, têm pactuado com a ideia de que há uma prostituição ‘forçada’ e ‘uma prostituição voluntária’ o que leva a que não tenha sido criado qualquer Plano de Combate à Exploração da prostituição”, afirmou na sua intervenção, Fernanda Mateus, da Comissão Política do Comité Central.

Os comunistas, que rejeitam essa distinção, considerando que existem causas económicas e sociais, agravadas pela austeridade dos últimos anos, que fazem com que essa opção não seja uma escolha real, querem que, desde logo, “a prostituição seja assumida, pelos poderes políticos, como uma grave violência sobre as mulheres inscrevendo-a nas prioridades de combate e prevenção a todas as formas de violência sobre as mulheres”.

Já o Plano de Combate àquilo que chamam de “problema social” deve passar pelo “estudo da realidade da prostituição em Portugal”, “medidas de prevenção das causas” e pela “criação de um vasto conjunto de apoios que garantam o acesso imediato das pessoas prostituídas e os seus filhos a um conjunto de apoios que lhes permitam a reinserção social e profissional”

Entre esses apoios deverão estar, segundo o PCP, o “acesso privilegiado a mecanismos de proteção social”, como o rendimento mínimo de inserção, o apoio à habitação e à saúde, e o aumento da escolarização dessas mulheres e o seu acesso à formação profissional, e o “acesso privilegiado dos seus filhos aos equipamentos sociais”.

Opondo-se às posições da JS e do PS, do BE e da JSD, que defendem um enquadramento legal e a regulamentação da prostituição, os comunistas querem ainda ver eliminado dos documentos das entidades públicas “terminologias que associem a prostituição a ‘trabalho sexual’ e as mulheres prostituídas como ‘trabalhadoras do sexo’”. Uma reivindicação semelhante à de organizações como a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e, a um nível internacional, do Lobby Europeu de Mulheres, que estiveram representadas na conferência, através de Alexandra Silva, e da ativista belga Pierrete Pape, respetivamente.

Ativistas comparam modelos
A conferência contou com testemunhos de ativistas da Alemanha e da Holanda, onde a prostituição é legal há vários anos. Marie Merklinger, membro da organização Space International, ex-prostituta e co-fundadora da rede alemã ‘Sexkauf e Abolição’, e Karin Werkman, ativista feminista e investigadora, traçaram um cenário pouco positivo da situação das mulheres que se prostituem nesses países.

De acordo com estas ativistas, é difícil às autoridades policiais e fiscalizadoras distinguirem os casos de tráfico dos de prostituição, mesmo nos bordéis legais. Por outro lado, referiram que os encargos fiscais da atividade recaem quase exclusivamente sobre as prostitutas, que se registam frequentemente como trabalhadoras por conta própria, pagando os impostos ao Estado e descontos associados a essa categoria, os respetivos seguros e, em muitos casos, o aluguer dos quartos dos bordéis.

“Podemos imaginar o que as mulheres estão dispostas a fazer para conseguir pagar isso tudo”, disse Marie Merklinger, que, na conferência, partilhou a sua experiência como ex-prostitutas e as dificuldades que teve em encontrar programas de apoio para sair da prostituição. A ativista afirma que os clientes procuram prostitutas cada vez mais jovens e que “muitas dessas raparigas têm a sua experiência sexual com homens mais velhos e suados”.

Na Holanda, na prostituição legal a idade mínima para uma mulher se poder prostituir passou dos 18 para os 21 anos e os clientes podem ser penalizados se forem apanhados com menores, lembrou Karin Werkman. A ativista deu conta de algumas mudanças a nível parlamentar que podem ocorrer em breve no sentido de reintroduzir uma lei para controlar o proxenetismo, mas falou em dificuldades na sua aplicação face ao atual enquadramento. Um modelo feito de “muitas contradições e lacunas”, que “leva ao caos” e “à legalização de algo que não é aceitável”. “Não é um direito das mulheres estar na prostituição, é um direito ser livre”, sublinhou.

Uma questão de educação sexual
A declaração vai ao encontro da posição sueca, país de referência no modelo abolicionista, onde o proxenetismo e quem paga para ter sexo são criminalizados. Ana Rubin, do Vansterpartiet -Partido de Esquerda Sueco, e Kajsa Ekis Ekman, jornalista, escritora e ativista sueca, falaram sobre o contributo que aquele que é o enquadramento apoiado pelo Parlamento Europeu e pelo Lobby Europeu de Mulheres tem tido na mudança de mentalidades dos jovens em relação à sexualidade e à forma como veem o corpo mulher. Forma essa que, na opinião, de Kajsa Ekis Ekman não é alterada pelos modelos de regulamentação, pelo contrário.

“Não é verdade que o homem que compra sexo vê a mulher como uma trabalhadora com direitos. É a mesma ‘puta’ de sempre que está ali para fazer o que ele quer e que até gosta. Ele quer que a indústria do sexo seja legalizada mas que a mulher atue como se não estivesse a ser paga”, atirou.

A posição de Kajsa Ekis Ekman vai além da pobreza como causa maior da prostituição, assentando também nas relações de patriarcado e na sexualidade masculina. “Porque ninguém que dá uma nota a um homem pobre se sente no direito de tocar [sexualmente] nesse homem”, afirmou.

Pierrete Pape sublinhou essa vertente, citando um estudo feito numa região fronteira de Espanha com França, envolvendo jovens rapazes e raparigas. Esse estudo concluiu, segundo a ativista, que ali a prostituição é uma “instituição cultural” onde os rapazes fazem a sua iniciação sexual, “onde têm de ir antes dos 18 anos para serem realmente homens”. A ativista considera que Portugal tem uma responsabilidade acrescida no que toca ao tratamento da prostituição, não só pela sua localização geográfica mas também pelas convenções que ratificou.

Em Portugal não sabe ao certo quantas pessoas se prostituem, mas investigadores e organizações convergem no facto de serem as mulheres a esmagadora maioria a prostituir-se e que as dificuldades económicas são a causa principal para exercerem essa atividade.

Segundo o eurodeputado João Ferreira, “na União Europeia, a mulher imigrante em situação de pobreza é a principal vítima de prostituição”. No espaço comunitário são, de acordo com os dados do deputado comunista, 47% as mulheres que se estima estarem em risco de pobreza antes das transferências sociais, e 18% as que correm igual risco depois de receberem esses apoios.