Pedro Chagas Freitas lança esta terça-feira, 3 de dezembro, um livro infantil inspirado na luta do filho, Benjamim, de seis anos, contra a doença que o deixou hospitalizado durante cerca de três meses, tendo sido submetido a um transplante de fígado e a múltiplas cirurgias. O autor revê agora essas memórias e essa dor, que foi partilhando com o público a cada conquista e a cada revés, e dispõe-as numa história de humor, ironia a amizade improvável intitulada Rei Tigão.
À Delas.pt, o autor de best sellers como Prometo Falhar ou mais recentemente A Raridade das Coisas Banais, revela que escrever esta fábula, que conta com ilustrações de Tiago M., foi “sangrar de novo por dentro, mas com um sorriso por fora”. “Revisitei noites sem fim e dias onde o sol parecia não nascer”, detalha agora em vésperas de ver chegar esta nova obra às livrarias e cujos direitos de autor vão reverter integralmente para a Unidade de Hepatologia e Transplantação Hepática Pediátrica de Coimbra, onde o filho Benjamim esteve internado.
Não define metas que gostava de alcançar com as vendas de Rei Tigão, com a chancela da Oficina do Livro, mas considera que a ajuda pode ser “um biberão, uma cama, um carrinho para banhos, uma máquina de lavar”. Essencial mesmo é que o montante que venha a ser obtido seja “para quem salvou o meu filho” e “também para todos os pais que vão ter de viver naquele serviço onde nós vivemos”, antecipa Pedro Chagas Freitas em conversa por escrito à Delas.pt.
Antes de prosseguir para a conversa com Pedro Chagas Freitas, recorde-se que Benjamim, atualmente com seis anos, foi diagnosticado, aos três meses de idade, com deficiência de alfa-1 antitripsina, uma patologia de caráter genético que arrisca conduzir ao desenvolvimento de doenças pulmonares e hepáticas. A 6 de junho último, o pai e escritor Pedro Chagas Freitas lançou uma campanha para conseguir um dador de fígado, e Benjamim foi submetido a transplante de fígado, mas seguiram-se mais visitas ao bloco operatório.
Neste novo livro, autor conta a história de um tigre determinado que, mesmo ameaçado pela doença e morte, sonha com o trono de um preguiçoso Rei Leão, contando para tal com a ajuda do amigo pinguim Alfredo que, na selva de peluches, o vai ajudar na caminhada.
Porque quis escrever este livro infantil Rei Tigão? O que quer dizer a crianças, mas também a adultos?
Escrevi o Rei Tigão porque às vezes a vida é mais simples numa história do que numa cama de hospital. Queria dizer às crianças que a coragem pode ter o tamanho de um peluche e, aos adultos, que a esperança pode ser costurada nas cicatrizes. É um grito em forma de fábula, um abraço que os meus braços não conseguiam dar.
Como foi o processo de escrita deste livro e para que memórias é que o levou tendo em conta os meses de hospitalização do seu filho Benjamim? Como foi revisitar estas memórias?
Escrever este livro foi sangrar de novo por dentro, mas com um sorriso por fora. Revisitei noites sem fim e dias onde o sol parecia não nascer. O Benjamim é a sombra e a luz de cada página, porque a história é nossa, mesmo sendo dele.
O seu filho já conhece a história e o livro? O que lhe disse?
Li-lhe o texto antes de estar publicado, claro. Gostou bastante. E identificou-se com muitos pontos da vida do Tigão, evidentemente. Mas penso que só mais tarde irá ler com mais atenção e senti-lo em profundidade.
Foram meses de luta que tornou pública, para lá de anos de diagnóstico. Como foi fazer esta travessia? A quem tem pedido ajuda e de que forma a recebeu?
A travessia foi dura, mas o chão aguenta quem acredita. Pedimos ajuda e ela veio, às vezes de mãos conhecidas, outras de desconhecidos que decidiram amar sem razão. Não é fraqueza pedir, é humanidade.
O que diz aos pais que, tal como o Pedro, enfrentam realidades desta dimensão que envolvem os filhos?
Aos pais que enfrentam batalhas como esta, digo que agarrem os dias, mesmo os maus, porque há algo sagrado na luta por um filho. E que falem, chorem, gritem se for preciso, mas nunca parem. Aguentem-se.
Agradeceu publicamente à “dadora Carla”. Ela continua a fazer parte das vossas vidas, encontram-se, falam ainda hoje? Se sim, como são esses reencontros?
A Carla é mais que uma dádiva, é uma parte da nossa família. Lembrou-nos com simplicidade que a bondade existe e salva. Quando pudermos andar mais livremente e sair mais de casa, vamos estar muitas vezes juntos, com certeza. Temos muito para falar. Mas é importante deixar claro que, apesar de toda a disponibilidade dela, e iria ser ela a dadora, a sua doação acabou por não ser necessária: o dador foi alguém que infelizmente faleceu e que doou o seu fígado. Essa pessoa, que não sabemos quem foi, foi o grande herói desta história. Aqui fica um obrigado imenso para ele, esteja onde estiver.
Como têm sido estes meses depois da alta hospitalar? Como passaram a lidar com a nova realidade e com a ideia de futuro?
Depois da alta, aprendemos a viver sem o medo constante de perder e com a gratidão permanente de ter. Não é fácil, mas é mais leve. O quotidiano mudou: já não contamos minutos, contamos memórias.
Os direitos de autor revertem integralmente para a Unidade de Hepatologia e Transplantação Hepática Pediátrica de Coimbra. Qual é o seu objetivo? O que gostava de conseguir alcançar, em matéria de apoio, com a venda deste livro?
Os direitos de autor vão para quem salvou o meu filho. E também para todos os pais que vão ter de viver naquele serviço onde nós vivemos. Quero que cada livro vendido seja um pedaço de vida para outra criança, para outro pai. Pode ser um biberão, uma cama, um carrinho para banhos, uma máquina de lavar. Tem é de ser uma esperança onde ela por vezes parece não existir.