Perfil de Dilma Rousseff: da ascensão à contestação

Dilma Rousseff  (Foto:  EPA/Fernando Bizerra Jr.)
Dilma Rousseff (Foto: EPA/Fernando Bizerra Jr.)

A Presidente brasileira, Dilma Rousseff, poderá enfrentar no dia 11 de maio mais uma batalha de uma vida política, marcada pela tenacidade e afirmação dos seus valores, seja na ditadura ou em democracia.

Inicialmente agendado para quarta-feira a votação do senado brasileiro sobre o relatório com o pedido de destituição de Dilma Rousseff, decidindo se a Presidente é temporariamente afastada do cargo para ir a julgamento ou se a denúncia é arquivada. Veja no final deste texto a cronologia dos principais momentos que assinalam o ‘impeachment’ a Dilma. Entretanto, o presidente interino da Câmara dos Deputados do Brasil, Waldir Maranhão, do Partido Progressista (PP), decidiu esta segunda-feora anular a tramitação do ‘impeachment’ de Dilma no Congresso. A informação foi veiculada pelos jornais ‘Folha de S. Paulo’ e ‘O Estado de S .Paulo’. Ainda não há detalhes da decisão, que será publicada na edição de terça-feira do Diário da Câmara.

Vida de luta contra opositores
Presidente do Brasil eleita em 2010 e 2014, Dilma Rousseff tem sua história marcada pela luta contra opositores poderosos. Durante a ditadura militar brasileira, combateu na guerrilha, foi presa e torturada, passando a ser um dos símbolos da resistência no país, a par do sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, líder histórico do Partido dos Trabalhadores (PT) e seu antecessor como chefe de Estado.

Considerada uma mulher de temperamento forte e com pouca paciência, Dilma, de 68 anos, nasceu na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, numa família de classe média.

Ainda jovem, juntou-se a grupos de esquerda que combatiam a ditadura militar. Trocou de nome diversas vezes, viveu na clandestinidade até ser presa e torturada em 1970.

Depois da prisão a governação
Ao sair da prisão, tornou-se economista e com o regresso da democracia no país, em 1985, teve vários cargos diretivos na esfera pública.

Durante a Presidência de Lula da Silva, ganhou projeção ao ser nomeada ministra da Casa Civil. Em 2009, foi escolhida para a liderança do PT, apresentando-se como candidata a Presidente, no ano seguinte.

Sem nunca se ter sujeito a eleições anteriormente, Dilma Rousseff foi eleita pela primeira vez em 2010, assumindo a Presidência da República.

Chegou a ser considerada a segunda mulher mais poderosa do mundo, atrás apenas da chanceler alemã, Angela Merkel, no ranking de 2013 da revista Forbes.

Nesse ano, colheu quase 80% de aprovação nas sondagens, pelos seus esforços de combate à pobreza e à fome, ultrapassando, naquele momento, a popularidade conseguida pelo seu antecessor, o “pai dos pobres”, cuja governação é ainda hoje citada como um bom exemplo em todo o mundo.

A queda da popularidade de Dilma
Mas em junho de 2013, o sucesso mediático e a popularidade começaram a reduzir-se. A falta de experiência e de aliados entre os partidos e os primeiros sinais de problemas na política económica afetaram a sua imagem pública.

Mas foram os protestos contra o aumento das tarifas de autocarros e os gastos públicos com o Campeonato do Mundo que sacudiram o país, prejudicando severamente sua imagem.

Desde então, governou com a espada da instabilidade sobre a cabeça, sofrendo críticas cada vez mais contundentes de opositores e do mercado, contrários ao aumento dos gastos públicos.

O apoio dado a governos de esquerda na América Latina – Venezuela, Cuba, Bolívia e até mesmo a Argentina – prejudicou a sua projeção no exterior.

Uma situação agravada com o embaraço diplomático causado pela revelação de que as suas comunicações eram monitoradas pelos Estados Unidos.

Protestos e mais protestos da população
Ao contrário do que aconteceu no passado, desta vez os seus grandes adversários não foram os militares, mas a insatisfação da população que passou a mobilizar-se em protestos contra o Governo.

Para os brasileiros, ela é responsável pela crise económica que levou o Produto Interno Bruto (PIB) do país a uma queda de 3,8% e gerou uma subida da inflação e do desemprego.

A isso somaram-se as investigações dos escândalos de corrupção na petrolífera estatal Petrobras, que envolveram o seu padrinho político, Lula da Silva, além de outros nomes históricos do PT.

A tempestade política agravou-se depois de parte dos partidos que suportavam o governo terem mudado de posição, viabilizando o processo de ‘impeachment’ (destituição) em andamento no Congresso.

Acusação do crime de responsabilidade
A chefe de Estado é acusada de ter cometido crime de responsabilidade, por ter executado manobras fiscais ilegais, ao assinar para despesas extras sem autorização do Congresso.

Em sua defesa, Dilma Rousseff alega que está a sofrer um golpe praticado por políticos que não conseguiram ser eleitos nas urnas e agora querem mudar o Governo com voto indireto.

No primeiro ‘round’, perdeu o embate na Câmara dos Deputados (câmara baixa), derrotada por 167 votos a favor e 137 contrários à sua saída. No Senado (câmara alta), tudo indica que sofrerá outra derrota, cedendo o lugar ao seu vice-Presidente.

Nos seus últimos discursos, Dilma Rousseff tem afirmado que a sua saída forçada manchará a história da democracia brasileira. No entanto, ainda não se sabe quem serão os vencedores que irão escrever esta história, já que muitos dos seus opositores também estão a contas com a justiça.

Cronologia do ‘impeachment’ a Dilma
2015
21 de outubro – Os juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal enviam à Câmara dos Deputados uma denúncia pedindo o afastamento da chefe de Estado, alegando que foi cometido crime de responsabilidade ao realizar as chamadas “pedaladas fiscais” (manobras para melhorar as contas públicas) e despesas extras sem autorização do Congresso.

02 de dezembro – Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados (câmara baixa), aceita a denúncia. A decisão foi tomada no mesmo dia em que o Partido dos Trabalhadores (PT), de Dilma Rousseff, anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação do seu mandato no Conselho de Ética da Câmara.

03 de dezembro – A Presidente é notificada oficialmente da abertura do processo. Cunha lê a decisão em plenário, e determina a criação de uma comissão especial parlamentar para analisar o caso.

07 de dezembro – O vice-Presidente, Michel Temer, envia uma carta à Presidente expressando seu descontentamento ao dizer que ele era apenas um “vice decorativo”. O texto, divulgado acidentalmente para a imprensa antes de chegar as mãos de Dilma Rousseff, foi encarado pelo Governo como um sinal de rutura.

17 de dezembro – O Supremo Tribunal Federal invalida uma primeira eleição da comissão do ‘impeachment’, estabelecendo outras regras para o andamento dos trabalhos.

2016
03 de março – O senador Delcídio do Amaral, que foi eleito pelo PT mas saiu da sigla, assina um acordo de ‘delação premiada’ (depoimento em troca de redução da pena) em que diz que Lula da Silva e Dilma Rousseff agiram para travar a Operação Lava Jato, que investiga os crimes de corrupção na Petrobras.

04 de março – Lula da Silva é detido para prestar esclarecimentos no âmbito da investigação ao esquema de corrupção da Petrobras.

13 de março – Pelo menos 3,6 milhões de pessoas protestaram nas ruas de todo o Brasil, pedindo a saída da Presidente e a prisão do ex-Presidente Lula da Silva.

17 de março – É formada outra comissão especial para analisar o pedido de destituição contra Dilma Rousseff. 65 parlamentares são indicados pelos líderes de todos os partidos, elegendo para relator da comissão o deputado Jovair Arantes, do Partido Trabalhista Brasileiros (PTB), e o presidente, deputado Rogério Rosso, do Partido Social Democrático (PSD).

29 de março – O Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) rompe oficialmente sua aliança política com o PT, colocando o vice-presidente, Michel Temer, como potencial sucessor de Dilma Rousseff.

30 de março – Primeira audiência dos autores do pedido de destituição pela comissão.

31 de março – O ministro das Finanças, Nelson Barbosa, é ouvido como testemunha de defesa e alega que o processo não tem base legal. Também defende que os créditos suplementares, citados no pedido de afastamento, não aumentaram os gastos do Governo e que as pedaladas fiscais eram aceitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) até outubro de 2015.

04 de abril – José Eduardo Cardozo, chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) e representante legal da Presidente no processo, entrega a defesa escrita e exalta a teoria, amplamente divulgada pelo Governo, de que existe um golpe de Estado em curso no Brasil.

06 de abril – Depois de ouvir as partes, o relator da comissão especial na Câmara apresenta parecer favorável à continuação do processo, afirmando ter encontrado indícios de que a chefe de Estado cometeu um crime de responsabilidade.

11 de abril – Os membros da comissão votaram pela admissibilidade do processo, numa sessão marcada por disputas verbais e acusações, com 38 votos a favor e 27 contra.

17 de abril – Os 513 deputados da Câmara dos Deputados reúnem-se para votar o relatório da comissão. A denúncia é aprovada com 367 manifestações a favor da admissibilidade do processo e 137 contra. Durante a sessão parlamentar, realizada num domingo, milhares de pessoas protestam contra e a favor do Governo.

18 de março – O processo chega ao Senado (câmara alta).

25 de abril – É formada uma comissão especial para avaliar o ‘impeachment’, com 21 senadores.

26 de abril – Raimundo Lira, do PMDB, é escolhido presidente desta comissão especial e o senador Antônio Anastasia, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), para relator.

04 de maio – Anastasia apresenta parecer favorável a abertura do processo de destituição.

06 de maio – O relatório que pede o afastamento de Dilma Rousseff é aprovado com 15 votos favoráveis contra cinco pareceres contra. O caso segue para outra votação com todos os membros do Senado, no dia 11 de maio. Se for referendado pela maioria simples dos senadores, a Presidente é afastada por 180 dias até o julgamento final na câmara alta.