Vacina e período. Estudos registam duas alterações e Noruega faz recomendação

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{Fotografia: Cottonbro/*Pexels]

Menstruação mais demorada no tempo e com maiores fluxos, mas ambas alterações com caráter transitório. “Os efeitos são pequenos e esperam-se que sejam temporários”, afirma Alison Edelman, autora do estudo elaborado pela Oregon Health & Science University, financiado pelo governo dos Estados Unidos da América e que comparou alterações menstruais em mulheres não vacinadas e vacinadas.

De acordo com a análise, avançada à AFP, a primeira dose da vacina foi associada a um aumento de 0,64 dias na duração do ciclo e a segunda dose a um aumento de 0,79 dias, quando comparados os grupos vacinados e não vacinados.

O ligeiro aumento na duração do ciclo menstrual não é clinicamente significativo. Qualquer alteração inferior a oito dias é classificada como normal pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia. Os ciclos menstruais geralmente duram cerca de 28 dias, mas a quantidade exata varia de uma mulher para outra, bem como ao longo da vida de um indivíduo. Ele também pode mudar durante períodos de stress.

As mudanças, refere a investigação, parecem mais pronunciadas quando a vacinação ocorre no início da fase folicular, que começa no primeiro dia do período menstrual (sangramento) e termina no início da ovulação. Um subgrupo de mulheres que recebeu duas injeções das vacinas Pfizer ou Moderna durante o mesmo ciclo, em oposição a dois ciclos diferentes, viu um aumento médio na duração do ciclo de dois dias – mas o efeito apresenta-se, lê-se no estudo, temporário.

A equipa agora espera reunir mais dados sobre os ciclos subsequentes entre as mulheres vacinadas para confirmar um retorno de longo prazo à linha de base e expandir o estudo globalmente para que possam diferenciar os efeitos entre as marcas de vacinas. Para o estudo, publicado na revista Obstetrics & Gynecology, os cientistas analisaram dados anónimos de uma aplicação de rastreamento de fertilidade entre mulheres de 18 a 45 anos que não usavam anticoncepcionais hormonais.

Cerca de 2.400 participantes foram vacinadas – a maioria com Pfizer (55 por cento) -, seguida do grupo que foi inoculada pela Moderna (35 por cento) e pela Johnson & Johnson (sete por cento). Cerca de 1.500 mulheres não vacinadas também foram incluídas como grupo de comparação. Entre o grupo vacinado, os dados recolhidos incluíram três ciclos consecutivos antes da vacinação e de mais três após, incluindo o ciclo ou ciclos em que a vacinação ocorreu. Para as não vacinadas, foram analisados seis ciclos consecutivos.

Noruega adia nova dose perante “sangramento intenso”

O Instituto de Saúde Pública norueguês (NIPH, no acrónimo em inglês) recomendou, no final de dezembro, o adiamento de administração de nova dose da vacina contra a covid-19 face a “sangramento intenso e persistente” e após “investigação da causa” ou “extinção dos sintomas”.

“Para alterações menstruais após a vacinação que requeiram tratamento, a próxima dose da vacina deve ser considerada individualmente, em consulta com um médico. Nos casos em que as mulheres apresentam alterações menstruais por outra causa que não a vacinação, elas podem receber a vacina contra a covid-19”, lê-se no documento. O NIPH pede ainda às mulheres que estejam atentas e consultem médicos especialistas diante de sinais como “alterações menstruais persistentes”.

Recomendações que decorrem de um estudo feito por aquela entidade e que concluiu que quatro em cada dez norueguesas com idades entre os 18 e os 30 anos reportaram alterações menstruais após a toma da vacina, com períodos mais abundantes. A incidência foi maior na segunda inoculação, com 15,3% (o que compara com 13,6% da primeira).

Ainda de acordo com a análise, publicada a 21 de dezembro, “entre as mulheres que reportaram alterações menstruais após a primeira dose, quase duas em cada três também experimentaram alterações após a segunda dose. Após esta, a proporção de relatos de alterações menstruais foi ligeiramente aumentada para todos os resultados”. O documento salvaguarda ainda que “os dados sobre a duração dos distúrbios menstruais após a segunda doses ainda não estão disponíveis e estão a ser atualmente monitorizados”.

A maioria das alterações menstruais após a primeira dose foram transitórias. Em média, as menstruações voltaram aos níveis normais no momento da vacinação com a segunda dose, aproximadamente dois a três meses após a primeira dose”, explica Lill Trogstad, líder do projeto de pesquisa da NIPH.

E em Portugal?

A base de análise disponível em território nacional diz respeito à comunicação voluntária de efeitos secundários das vacinas reportadas pelas mulheres ao Infarmed.

O Delas.pt pediu dados em julho e em setembro. Nessa altura, as respostas da Autoridade Nacional do Medicamento indicaram, a 18 de julho, uma média de 1 caso de “distúrbios do sistema reprodutor e mama” por cada 100 mil vacinados e, a 13 de setembro, um racio que tinha subido aos 1,2 casos por 100 mil.

À data, a resposta do Infarmed ao Delas.pt salvaguardava: “As notificações espontâneas de reações adversas são úteis para a deteção de novos sinais de segurança, mas não podem ser usadas para determinar a frequência de ocorrência de um determinado evento. Para tal, são usados estudos específicos, que o PRAC também apreciou e sobre os quais não se concluía pela existência de qualquer relação causal nesta fase”.

A autoridade reiterava ainda que “não podia ser estabelecida uma associação causal entre estas vacinas e as alterações menstruais, sendo estas muito comuns na população em geral, transitórias por natureza, e podendo ocorrer na ausência de qualquer condição médica subjacente”. Esta tinha sido, aliás, a conclusão da reunião de 30 de agosto a 2 de setembro da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e na qual a questão foi abordada.

Imunidade, vacina e período

A resposta do sistema imunológico à vacina pode explicar a mudança nos ciclos menstruais. “Sabemos que o sistema imunológico e o sistema reprodutivo estão interligados”, afirmou Edelman à AFP.

Um sistema imunológico acelerado pode ter um impacto no eixo hipotálamo-hipófise-ovariano – o que Edelman chama de “a estrada através da qual o cérebro ‘fala’ com os ovários e o útero” ou simplesmente o “relógio biológico”. Especificamente, a produção de proteínas inflamatórias chamadas citocinas parece interromper a maneira como esse eixo regula o tempo dos ciclos menstruais.

Veja outros estudos que têm procurado trazer um olhar sobre esta eventual correlação.