Pérola: “Fico muito feliz com os elogios, mas não me considero uma diva”

Pérola

Aos 36 anos, a cantora angolana Pérola é uma das artistas com mais sucesso nos países onde se fala a língua portuguesa. Só no Instagram conta com um milhão de seguidores. Este sábado atua em Portugal, no concerto do projeto Team de Sonho III, no Campo Pequeno, em Lisboa, que reúne num só espetáculo vários nomes sonantes da música africana.

Em entrevista do Delas.pt, a artista falou do crescente reconhecimento que tem tido junto do público português, da perda prematura do pai e das dificuldades que o povo angolano tem enfrentado.

É filha de um advogado que também foi músico. Foi o seu pai que lhe transmitiu o gosto por esta área?

Com certeza que sim, é comum os filhos espelharem-se nos seus pais e não fugi à regra. A música foi sempre uma grande paixão para mim, naturalmente por grande influência deles, por fazer parte da nossa cultura familiar. Mas não foi a minha primeira opção profissional, pela incerteza que representava na altura. Não assegurava um futuro e por isso comecei por procurar seguir a profissão da minha mãe, que é médica, mas não foi possível e, assim, a minha opção académica foi formar-me em Direito.

Perdeu o seu pai muito cedo. De que forma é que essa perda a obrigou a crescer?

A minha mãe assumiu logo os dois papéis para conservar o nosso lar familiar e tudo fez para minimizar essa perda, mas numa época de grandes dificuldades representou, para ela, para mim e para os meus irmãos, muitos sacrifícios e nós sentimos isso. Naturalmente que isso obrigou-nos a crescer de uma forma mais rápida, a sermos mais conscientes, mais comprometidos e mais disciplinados.

O que acha que o seu pai lhe diria se visse o quão longe chegou?

Sinceramente, não sei o que diria, mas acredito que ficaria muito orgulhoso. Não só pelo que já conquistei, o ter chegado longe, mas acho também que ficaria feliz por ter conservado valores familiares, o respeito, a dedicação e a nossa alegria.

Quais foram as maiores dificuldades que sentiu no início da sua carreira?

Foi seguramente gravar as minhas primeiras músicas e começar a cantar de forma mais profissional. Comecei numa altura em que conciliava com a universidade e não foi nada fácil. Vivia e estudava na África do Sul e cumpria, aos fins de semana, uma agenda de trabalho em Angola. Foi mesmo por grande paixão e muita teimosia, porque apesar de repartir o tempo, o estudo estava em primeiro lugar. Consegui também porque tive muito apoio da minha mãe, devo isso a ela, foi incansável, acompanhou-me sempre que foi possível.

Aos 9 anos mudou-se de Huambo para Luanda por causa da Guerra Civil. O que recorda dessa altura?

Foi uma altura extremamente difícil para nós e para muitos angolanos. Foi muito difícil para a minha mãe, uma mulher com três crianças, começar tudo do zero, não foi fácil. Tivemos apoio de alguns familiares a quem devemos muito, a quem estaremos eternamente gratos. Mas deixámos tudo para trás, até para irmos para a escola não tínhamos o uniforme, a bata, e para não deixar de ir, esperávamos os uniformes dos nossos primos que estudavam de manhã e nós íamos a tarde. As minhas recordações desse período são dolorosas, mas não são infelizes porque tínhamos ao mesmo tempo muito amor, um lar, soubemos sempre ser felizes, do nosso jeito, com muitas restrições, mas rodeados de pessoas boas, familiares e amigos. Marcou com certeza a pessoa que sou hoje, os meus valores têm uma marca grande desse período.

O que mais gostaria que mudasse em Angola?

As melhorias, as várias oportunidades que o país experimentou, fizeram de nós pessoas diferentes, tornou-nos mais individualistas, mais materialistas, mais isolados também, e isso mudou negativamente parte da nossa matriz de valores. Valores esses que ajudaram os nossos pais a superar grandes dificuldades. Hoje precisamos ser mais unidos, de pensar no país, pensar em contribuir para o bem comum, naturalmente, onde cada um lute para melhorar as suas condições, mas sem que isso represente prejudicar terceiros.

Estudou Direito. Via-se a trabalhar nessa área atualmente?

Não, a música é a minha opção de vida, estou de corpo e alma.

Também já fez trabalhos como apresentadora. Gostava de ter mais oportunidades na televisão?

Trabalhar como apresentadora em televisão foi uma experiência muito gratificante, mas também um desafio. A proposta aconteceu logo depois de regressar da África do Sul e não foi fácil por causa da língua. Foram vários anos de estudo em inglês e depois o meu português não estava na perfeição. Mas com muita dedicação comecei por apresentar um programa de viagens e com isso tive o prazer de conhecer um pouco mais do meu próprio país, foi muito bom. Como apresentadora hoje seria mais complicado conciliar com as minhas obrigações, mas continuo disponível para avaliar propostas na área. Tenho feito participações em alguns projetos de ficção, fui júri na última temporada de um grande concurso de música em Angola e portanto estou disponível para mais desafios.

Começou a conquistar o público português há quatro anos. Quais são as maiores diferenças que tem notado entre o público português e o angolano?

Apesar de existir já uma maior proximidade, de forma generalizada o consumo de música angolana em Portugal e de música portuguesa em Angola é ainda reduzido e portanto representa uma barreira. No entanto, sou sempre muito bem recebida em Portugal, não tenho razão nenhuma de queixa, pelo contrário. Respondendo à sua pergunta, o público português é mais recetivo com os artistas, mesmo sem conhecer com profundidade o seu trabalho e com isso acaba por transmitir boas vibrações para quem está em palco.

Várias músicas suas já fizeram parte da banda sonora de telenovelas em Portugal. Que importância tem este tipo de divulgação para um artista?

A televisão tem um alcance enorme e imediato em Portugal. Foi uma excelente oportunidade, dei a conhecer o meu trabalho e ajudou muito na minha divulgação. Numa das novelas inclusive recebi o convite para participar num dos episódios e foi muito positivo.

Há muitas pessoas que a consideram “a diva da música angolana”. Considera-se uma diva? Como lida com esta responsabilidade?

A referência “diva” em Angola é um adjetivo de carinho. Naturalmente que fico muito feliz com os elogios, mas não me considero uma “diva”. Sou uma artista, muito feliz por ser muito acarinhada pelas pessoas em geral e portanto a minha responsabilidade é continuar a retribuir com a minha música, com muita gratidão por tudo que tenho recebido de positivo ao longo de 14 anos de carreira.

Tem um milhão de seguidores só no Instagram. Como encara o facto de ter tantas pessoas a querer acompanhar o seu trabalho e a sua vida?

Procuro encarar de forma natural, sou uma artista, uma figura pública e por isso é normal que haja esse interesse público, fico muito lisonjeada com isso. Mas cabe naturalmente a mim e à minha equipa a gestão do que expomos publicamente. Não é um compromisso fácil.

Tanto a Pérola como o seu marido já foram vítimas de comentários racistas nas redes sociais. O racismo ainda é um problema na sociedade atual?

Penso que o racismo é ainda um problema em todas sociedades, em níveis naturalmente diferentes. Vivi com o meu marido um episódio nas redes sociais, na realidade sem importância, mas optámos por denunciar por não compactuamos com nenhum tipo de preconceito. É importante formar consciência social sobre este tema para não continuarmos a transferir para as próximas gerações esse terrível legado. Com o conhecimento e com a informação que há hoje disponível, não é tolerável nenhum tipo de descriminação.

Nos últimos anos os músicos angolanos têm conquistado muitos fãs em Portugal. O que permitiu que o mercado musical português se tornasse tão recetivo à vossa música?

O aumento do fluxo migratório entre os dois países contribuiu muito para esse sucesso. Tivemos muitos portugueses a consumir música angolana em Angola e angolanos em Portugal a divulgarem, o que na minha opinião foi o grande motor dessa abertura.

Prova disso é o facto de o concerto Team de Sonho já ir na terceira edição. O que se pode esperar deste espetáculo?

Teremos uma boa amostra do que de melhor se faz em Angola. Alguns dos artistas já são conhecidos e, portanto, uma excelente oportunidade para o público vibrar ao vivo. Mas é também uma ocasião para conhecerem outros talentos e deliciarem-se com os ritmos vibrantes da música angolana.

Dois euros do valor de cada bilhete vão reverter a favor das vítimas do ciclone em Moçambique. É importante que os artistas se associem a causas solidárias?

Sim, importantíssimo. Moçambique é um país irmão, que fala português, desolado por essa grande catástrofe natural. Infelizmente a iniciativa do projeto, ainda assim, será muito pouca para as necessidades que se registam nas principais zonas afetadas. Mas mais do que o contributo esperamos que ajude a sensibilizar, para que quem mais tenha possa contribuir para minimizar o sofrimento de quem mais precisa. Angola regista hoje igualmente um problema gravíssimo, por força das prolongadas secas que assolam uma parte do país e todos apoios para as populações que estão a passar por esse terrível momento são bem-vindos.

Do que mais gosta em Portugal?

Gosto muito da gastronomia, dos pontos turísticos que Portugal oferece e do acolhimento que recebo das pessoas. Sinto-me em casa por facilmente estar rodeada de amigos ou de pessoas que se identificam, gostam de mim e do meu trabalho.

Tem algum concerto a solo previsto para o nosso país?

Para já não, espero que haja essa oportunidade com o lançamento do meu próximo álbum.

Tem 36 anos. O que ainda lhe falta fazer?

Falta seguramente fazer muita coisa. Mas durante este processo quero continuar a aprender todos os dias, a crescer como artista e ter a oportunidade e o privilégio de poder cantar para o público.

Pérola e marido vítimas de racismo no Facebook