
A violência doméstica que não desce, a diferença salarial entre mulheres e homens que está cada vez mais evidente, o trabalho não pago e de cuidado que continua ostensivamente mais sobre as costas femininas e o perigo de recuos iminentes são realidades com as quais as portuguesas se têm debatido nos últimos anos, apesar de todas as lutas, medidas e campanhas.
Bem longe da ideia de “perceção”, o interesse pela igualdade e pelo feminismo, pela informação e pelo conhecimento nestas matérias está a descer e a deixar espaço para o crescimento de ataques e movimentos que se apresentam contra os direitos das mulheres.
Estudo Igualdade Sem Filtros, avançado à Delas.pt pela companhia de solução de marketing LLYC, concluiu que, em Portugal, o interesse e as pesquisas no Google sobre “Igualdade’ e ‘Feminismo’ caíram mais de metade (54%) nos últimos três anos”, a par de um aumento de desinformação alimentado por algoritmos e redes sociais que simplificam as mensagens. Valores que colocam o território nacional acima da média de 11 outros países também analisados neste estudo: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, México, Panamá, Peru e República Dominicana. “Nos últimos anos, o interesse pelo feminismo perdeu a força de forma notável, marcando uma diferença na conversa digital a nível global. Um sinal claro desta tendência é a diminuição das pesquisas na Internet, com as consultas sobre “igualdade” e “feminismo” a diminuírem cerca de 40% e 50%, respetivamente”, em igual período, como se pode ler no documento da Llorente Y Cuenca.
O estudo, que aplicou “técnicas avançadas de Aprendizagem Automática (Machine Learning) e Processamento de Linguagem Natural (NLP)”, analisou “8,5 milhões de mensagens publicadas na plataforma X ao longo de 2024 e aditou 5,4 milhões de publicações realizadas entre 2022 e 2024, focadas em ataques a defensores da igualdade ou na justificação de posições contra feministas”.
“O neoconservadorismo capitalizou esta divisão”, diz relatório
De entre as conclusões, a uma “diminuição das pesquisas sobre questões ligadas à causa feminista” soma-se a estagnação da “conversa global sobre a igualdade, com uma descida de 3% no volume de conversas, um dado que mostra como o debate que nos deveria impulsionar para a mudança está a desvanecer e a redirecionar-se para a indiferença global”, refere o relatório. E se o desinteresse abre um espaço, este ameaça ser explorado pelo antifeminismo. “Nos países onde a conversa sobre igualdade na agenda pública e social é menor, como no caso do Chile com um volume de conversas 27% inferior ao de Espanha, as comunidades feministas estão mais isoladas e a sua conversa tende a ser mais tensa, porque são obrigadas a centrar-se em responder aos ataques antifeministas”, lê-se na investigação. Neste capítulo, e de volta a dados portugueses, “36% (mais de 1/3) das mensagens antifeministas associam o feminismo à radicalização e 31% relacionam-no com ideologias partidárias”.
“Desanimador”, lê-se no documento. Afinal, falar menos sobre igualdade está a reforçar “as posições contrárias”, com “as vozes antifeministas a preencheram esse vazio, impondo narrativas que distorcem a realidade”. E, para lá da comunicação com erros, “os argumentos a favor da igualdade estão a perder terreno para discursos que caricaturam o feminismo como uma ameaça e alimentam uma narrativa de rejeição baseada em medos infundados e desinformação. Esta tendência não só ameaça os avanços alcançados em matéria de igualdade, como também impede o progresso no sentido de uma sociedade mais justa e diversificada”, alerta o relatório.
Mas, quem está a ganhar com tudo isto? “O neoconservadorismo capitalizou esta divisão”, conclui a análise, que dá dois exemplos: “Nos Estados Unidos e na Europa, o apoio masculino aos líderes que atacam os direitos das mulheres continua a aumentar” e “na América Latina, o crescimento responde em parte à expansão de movimentos como o #MeToo, que geraram tanto consciencialização como rejeição”.
Ataques e insultos como forma de desacreditação
Segundo o relatório Igualdade Sem Filtro, a forma de atacar posições de igualdade são múltiplas e, não raras vezes, socorrem-se do insulto verbal ou invetiva à imagem, anulando o debate de ideias. Mediante a análise de publicações feitas na rede social X (antigo Twitter), “verificou-se que uma em cada três mensagens antifeministas é curta e irrefletida, o que sugere uma falta de análise aprofundada e uma maior predisposição para reações impulsivas”. Tudo isto envolto, muitas vezes, em “tom satírico e comportamentos sectários, o que dificulta ainda mais o diálogo”.
As redes sociais amplificam e polarizam o debate, interrompendo diálogos e “favorecendo a propagação de discursos machistas, sobretudo entre os jovens”. “Os algoritmos de plataformas como o X e o Instagram priorizam a viralização de mensagens curtas, como vídeos curtos e memes, que simplificam e distorcem temas complexos. Em muitos casos, os discursos antifeministas encontram um terreno fértil nestes ambientes digitais, em que as reações rápidas e superficiais amplificam a resistência ao feminismo”, alerta o relatório.
Portanto, “deslegitimar as feministas através de ataques à sua ideologia ou acusações de radicalismo” são formas identificadas e exemplificadas neste documento. Se por um lado, “na Argentina, uma em cada cinco mensagens antifeministas usa termos como “puta”, “mal amada” ou “lésbica” utilizado no sentido pejorativo e depreciativo”, por outro, “em Espanha e nos Estados Unidos, o ataque centra-se na aparência e na imagem, perpetuando estereótipos machistas que tentam desprestigiar a luta pela igualdade“.
Jovens em rota de colisão
As jovens parecem caminhar para um feminismo mais ativo, mais político. Porém, os rapazes de faixas etárias semelhantes não parecem estar a seguir o mesmo caminho. O estudo fala de “um número crescente de homens jovens adota posições muito conservadoras”. “Na Alemanha e no Reino Unido, a disparidade ideológica entre géneros ultrapassa os 25 pontos percentuais, e na Coreia do Sul e na China a diferença é ainda mais extrema, com movimentos que rejeitam qualquer ligação com os homens em protesto contra o patriarcado”, vinca o documento.
Uma fratura ideológica que está a dividir o género, mas também as faixas etárias. “Esta disparidade de opiniões reflete uma divisão alimentada por algoritmos que amplificam os discursos mais radicais. Isto, aliado ao facto de a polarização se ter tornado uma das grandes ameaças do século XXI, fez com que o feminismo deixasse de ser um motor de mudança para se tornar, para alguns, um foco de confronto”, lê-se no relatório.