Phoebe Locke: “As amizades entre jovens raparigas são particularmente tóxicas e perigosas”

Phoebe Locke (c) Mark_Vessey Hi_Res
Fotografia: Mark Vessey

Em 2014, duas adolescentes esfaquearam uma colega de escola, em Waukesha, no estado americano do Wisconsin. As duas raparigas pretendiam fazer um ritual de sacrifício a uma personagem sobrenatural (designada de Slender Man), saída de uma lenda urbana, que se foi espalhando através da Internet.

A vítima conseguiu sobreviver, mas a violência do ataque levou os tribunais americanos a condenarem as jovens a penas entre 25 e 40 anos, em instituições psiquiátricas. O caso inspirou parcialmente o novo thriller psicológico da britânica Nicci Cloke, que assina com o pseudónimo Phoebe Locke ‘O Homem nas Sombras’ (‘The Tall Man‘, no original), editado em Portugal, no passado mês de junho, pela Planeta.

Esta figura, semelhante em terror à da lenda de Slender Man, acaba por servir para muito mais do que isso: foi o pretexto para a autora explorar a complexidade das relações humanas, perante situações de medo e pressão. E tratar as relações entre mulheres – mãe e filha e entre amigas adolescentes –, dentro dessas circunstâncias, interessou-lhe particularmente.

“As amizades entre jovens raparigas são, muitas vezes, particularmente tóxicas e perigosas – como aconteceu com o caso Slender Man em Wausheka – e não sei se o fio da história da Sadie, nos anos 90, com as suas amigas a descobrirem o ‘Tall Man’ (homem nas sombras), teria resultado da mesma maneira com rapazes”, diz em Phoebe Locke em entrevista ao Delas.pt, justificando a opção por centrar este romance em três mulheres. Fã de Stephen King, a escritora espera que este livro venha a ser adaptado aos ecrãs, mas o sonho que acalenta é de que seja ela a escrever um filme de raiz, num futuro próximo.

 

Preço: €18,85

Por que quis escrever um thriller sobre esta figura do imaginário sobrenatural, o ‘Tall Man’ (o homem nas sombras, a que se refere o título do livro, em português – ‘The Tall Man’, no original)?
Quando andava na escola, lembro-me que adorávamos contar uns aos outros histórias assustadoras – o tipo de coisas que dizíamos ter acontecido a um amigo da nossa irmã, à babysitter do nosso primo, ou a outra pessoa qualquer, mas que na realidade era apenas uma lenda urbana. Quando li sobre o caso Slender Man, todas essas memórias voltaram e comecei a pensar o que aconteceria se alguém tivesse realmente acreditado naquelas histórias e as tivesse seguido na idade adulta.

O seu livro é inspirado nesse caso, Slender Man. Como é que desenvolveu a história do seu livro a partir desse caso real?
Já tinha começado a escrever o romance que se viria a tornar neste ‘O Homem nas Sombras’, quando li sobre o caso, mas só tinha o começo e fiquei emperrada. Sabia que a Sadie, a esposa e mãe, tinha voltado para a família, ao fim de 16 anos desaparecida, mas não estava certa sobre o que a tinha levado a desaparecer e de como isso iria afetar a família agora que ela estava de volta. Depois li sobre o Slender Man e as duas raparigas em Waukesha. Foi um grande momento de inspiração mas eu também sabia que queria uma história muito diferente para o meu romance – o Slender Man é muito um produto da era da Internet, foi assim que começou como lenda urbana e foi através dela que aquelas raparigas se tornaram obcecadas com ele. Queria que o meu romance começasse em 1990, recuasse àquelas histórias que se propagam entre sussurros nos recreios e de que eu me lembrava. Queria também que fosse sobre um grande grupo de amigas e como elas se tinham deixado fascinar e aterrorizar por essa lenda de várias maneiras, e sobre como o poder das dinâmicas entre grupos de raparigas também iria afetar isso. O livro acaba por ser sobre a forma como a relação de Sadie com essa figura imaginária afeta a sua vida adulta e a sua filha, anos mais tarde. Isso foi mais interessante para mim do que tentar fazer algo diretamente relacionado com o Slender Man e as raparigas de Waukesha.

Os thrillers deram-nos as personagens femininas mais interessantes dos últimos anos (…). Penso que isso inspirou muitas escritoras a testarem os seus limites e a serem honestas com o lado mais negro e maldoso de se ser mulher.”

E por que quis que a ação decorresse entre 1990 e 2018?
Não me lembro exatamente de onde veio essa decisão, apesar de a ter lamentado uma série de vezes, durante o processo de escrita, porque tornou a edição muito complicada. Mas sempre gostei de romances que se desenrolassem por várias épocas, com o leitor a obter informação de diferentes personagens de pontos de vista diferentes, que lhe permitissem construir gradualmente uma perspetiva dos acontecimentos. Queria a nostalgia de escrever sobre a Sadie nos anos de 1990, quando ainda andava na escola, mas também queria escrever sobre a Amber nos dias de hoje e sobre o seu fascínio com os crimes, a televisão espetáculo e sobre como o conceito de ‘celebridade’ mudou.

O livro tem três grandes personagens, que são femininas. Porquê a escolha de três mulheres?
Não tive consciência dessa decisão, na verdade – acho que só reparei nela quando me falaram nisso! Mas fiquei muito interessada na ideia de poder explorar as relações mãe e filha, particularmente com uma filha adolescente – eu sei que fui um pesadelo a partir dos meus 15 anos e os meus pais sentiam muitas vezes que eu me tinha transformado numa estranha de um momento para o outro. Queria escrever sobre isso (apesar de a relação entre a Amber e a Sadie ser um caso extremo, dado serem praticamente desconhecidas uma para a outra no início do romance). Por outro lado, também acho que as amizades entre jovens raparigas são, muitas vezes, particularmente tóxicas e perigosas – como aconteceu com o caso Slender Man em Wausheka – e não sei se o fio da história da Sadie, nos anos 90, com as suas amigas a descobrirem o ‘Tall Man’ (homem nas sombras), teria resultado da mesma maneira com rapazes. Finalmente, quis acrescentar a personagem da Greta, a assistente de produção do documentário sobre a Amber, para dar uma perspetiva feminina mais racional e equilibrada. A Greta é, de várias formas, aquilo que a Sadie não é – maternal, otimista, atenciosa e carinhosa. Mas elas também partilham muitas características como a independência, a inteligência, a coragem. Interessa-me muito perceber como nós, a sociedade vemos os traços de personalidade que consideramos ‘atraentes’ numa mulher e como isso afeta a forma como depois os media e o mundo vão tratar a Amber quando ela vai a julgamento.

“Queria que o meu romance começasse em 1990, recuasse àquelas histórias que se propagam entre sussurros nos recreios.”

Este livro é um thriller que se desenrola entre a psicose e o paranormal. É fã de histórias deste género, de terror psicológico?
Sim, muito! Eu cresci com a série Point Horror e os livros do Stephen King – costumava sair da biblioteca com uma grande pilha deles todas as semanas. Mas acho que o aspeto mais interessante são as relações entre as pessoas – sejam familiares, de amizade ou amorosas. A melhor maneira de explorar e testar estas relações é pôr-lhes qualquer coisa de assustador no meio. O Stephen King é o mestre nesse campo – independentemente do mal paranormal sobre o qual ele escreva, são sempre os humanos dos seus romances aqueles que são capazes das coisas mais assustadoras e chocantes.

Tem havido um número crescente de escritoras a dedicar-se aos thrillers. O que leva as mulheres a sentirem-se tão atraídas por este tipo de histórias?
As pessoas escrevem por razões diferentes mas muitas das autoras de thrillers que conheço são como eu – fascinadas por pessoas e especialmente pelas coisas que elas fazem quando são pressionadas ou colocadas numa situação perigosa. Os thrillers deram-nos as personagens femininas mais interessantes dos últimos anos, como a Amy Dunne, do ‘Em Parte Incerta’ ou a Rachel, a Anna e a Megan, de ‘A Rapariga no Comboio’, ou qualquer personagem dos livros de Megan Abbot. Penso que isso inspirou muitas escritoras a testarem os seus limites e a serem honestas com o lado mais negro e maldoso de se ser mulher.

Vários livros deste género – como os que mencionou – acabam por dar origem a filmes ou séries de TV. Também será o caso deste ‘O Homem nas Sombras’?
Ainda não, mas adorava que sim! Ficarei à espera que aconteça. Também adoraria, eu própria, escrever um filme, esse é o próximo sonho.

Imagem de destaque: Mark Vessey