Playboy: “A nudez deixou de ser provocadora”

Cory Jones
Lisboa, 24/02/2016 - Entrevista ao COO da Playboy Internacional Cory Jones. (Jorge Amaral/Global Imagens)

“O sexo vende mas já não precisa de estar nas páginas da Playboy.” A frase é de Cory Jones, diretor de conteúdos da Playboy Internacional, o homem por trás da decisão de tirar a nudez da revista norte-americana. Uma aposta que pretende distinguir a publicação de tudo o que pode ser encontrado na internet e que coloca esta publicação próxima de todos, saindo do esconderijo que tem sido a última prateleira das bancas de jornais. “Os americanos gostam de armas e têm medo de sexo”, alega.

O responsável está em Portugal para participar numa conferência internacional da marca em que explicou as razões da decisão e do novo papel que quer ver imprimido nas mulheres: agora, elas são donas da sua própria imagem. A decisão, longe de reunir consenso junto das mais de três dezenas de editores internacionais da publicação – inclusive a portuguesa – foi justificada. Em entrevista ao Delas.pt, Cory Jones revelou alguns destes planos:

Afinal, a nudez vende ou não?
Quando a Playboy foi lançada, em 1953, a nudez foi provocadora, puxou os limites, a moral americana e os direitos e liberdades das mulheres. Deu-lhes uma plataforma onde podiam tomar a decisão que queriam. Com a internet, a nudez deixou de ser provocadora. Neste momento, é possível encontrar tudo na Web, com qualidade, e a nudez deixou de servir o propósito de quando a revista começou e dos nos 60 e 70. E a Playboy é muito mais do que fotos de mulheres nuas. A revista foi sempre mais do que isso: com artigos, entrevistas, ficção e jornalismo. Há cerca de ano e meio, quando relançámos o site da Playboy e retirámos a nudez da oferta online, o tráfego aumentou brutalmente de quatro para 20 milhões de pessoas por mês e a idade média baixou de 47 para os 30.

E em matéria de classes socioeconómicas?
Surgiram mais pessoas de classe alta, com nível universitário, 80% homens. A marca manteve-se muito masculina. Mas hoje é uma revista muito mais aceitável, que pode ser consultada por todos, em qualquer parte. A minha mulher, por exemplo, gosta de a ler [risos].

Portanto, a nudez já não interessa tanto.
O sexo vende, mas já não é necessário estar nas páginas da Playboy. Já está por toda a internet e é lá que pertence. E a marca já não estava a ser provocadora.

Cooper Hefner, filho de Hugh, não concordou completamente com a decisão, nem a maioria das edições da revista dos diversos territórios. Como lidaram com isso?
Cada mercado é diferente e a América é muito puritana.

Está mais conservadora?
Bem, os americanos gostam de armas e têm medo do sexo [risos]. E esse não é o caso em todos os outros territórios, que veem o sexo como algo aceitável e natural. Desde 1985 que a revista está escondida nas prateleiras de cima das bancas, ao lado da ‘Hustler’ e da ‘Penthouse’ e esses não são verdadeiramente os nossos concorrentes. Hoje, estaremos ao lado da ‘Vanity Fair’, da ‘Esquire’, da ‘New Yorker’ ou da ‘Vogue’, estaremos nos aeroportos e, como somos uma marca mainstream, esta decisão fazia todo o sentido quer para a Playboy, quer para a audiência, quer para a publicidade. Nos outros territórios, a revista deve ser olhada caso a caso.

“A minha mulher, por exemplo, gosta de a ler [a Playboy]”, confessa Cory Jones, diretor internacional de conteúdos da revista.

Portanto, ao fim de 62 anos, quase 63, a Playboy atinge o seu objetivo: ser lida pelos seus artigos.
[Risos] Exatamente. A piada acaba por surgir.

Foi um longo caminho, então…
Mas há uma razão para essa demora. Tivemos os melhores escritores nas nossas páginas. James Bond passou por lá, tivemos histórias premiadas pela academia que começaram lá, contámos com importantes escritores e cartoonistas, trabalhámos com artistas como Andy Warhol, Keith Haring, impulsionámos a cultura. A revista é tão relevante e importante e Hugh Hefner sempre foi uma grande defensor dos direitos civis, dos direitos dos gays, da legalização da marijuana. Ele lutou por tudo isto durante 40, 60 anos e era importante deixar que esse ADN voltasse a brilhar.

capa playboy

(Capa da edição de março da Playboy norte-americana)

“Queremos que as imperfeições [nos ensaios fotográficos femininos] brilhem porque isso confere autenticidade”, afirma Cory Jones.

E agora, qual a imagem feminina que vai transparecer na revista?
Para lá do fim da nudez, as imagens da playmate cumpre os critérios para audiências maiores de 13 anos. As fotos continuam provocadoras e sexys – acho até que são mais agora – e dão mais espaço à imaginação. Não estamos a retocar as imagens e já não o fazemos há algum tempo – embora a perceção perdure nos EUA -, queremos que as imperfeições brilhem porque isso confere autenticidade. Queremos que os homens se sintam verdadeiramente convidados a entrar na vida destas mulheres, a entrar nos seus quartos. Eles não querem as sessões fotográficas demasiado controladas e preparadas, querem realidade e, nisso, o Instagram e Snapchat são muito importantes. Num dos ensaios da edição de março, a modelo fotografou-se a si própria e foi dona da sua própria imagem. Esse é o caminho que queremos percorrer e não retocar nada. Estamos muito entusiasmados.

Vão ter mais colunistas femininas?
Sempre tivemos escritoras femininas, mas passamos a ter uma conselheira na Playboy, um ponto de vista feminino. Acho que os homens preferem conselhos de mulheres aos de homens, acho que preferem ir diretamente à origem, queremos uma profissional com voz feminina que traga um nível de conhecimento reconhecido e informado.

Que mensagem feminina quer a Playboy passar?
Queremos que elas sejam donas da sua própria imagem, que sejam mulheres mais reais, a rapariga da casa do lado, alguém com quem se possa conversar. A autenticidade. Mas também queremos mulheres com histórias. Por exemplo, a nossa playmate do mês de março, Dree Hemingway, é a neta do escritor Ernest Hemingway e espelha bem não só a nossa intenção, como também a relação da nossa revista com a literatura. Queremos muito mais do que uma cara e um corpo bonitos.

A Playboy americana pode vir a apostar na diversidade de imagem feminina como a Barbie fez recentemente ou até como a revista ‘Sports Illustrated’? Mulheres independentemente de idade ou peso?
A beleza vem em todas as formas e tamanhos. Não procuramos a imagem clássica da moda. Queremos pessoas com saúde e felizes. E a Playboy sempre teve capacidade de ser surpreendente e procurar vencer os limites, por isso podem, definitivamente, esperar isso de nós.


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Nem todos os territórios são iguais, nem concordam com a decisão tomada pela Playboy americana, em Portugal a nudez vai continuar na revista. Como conciliar posições distintas sob uma mesma marca?
Somos uma marca mainstream, queremos ensinar os homens a estarem atentos aos melhores livros, filmes, música, carros, a prestarem atenção ao mundo da política, a viverem melhor e queremos explicar como fazer tudo isso de forma divertida. E isso pode ser feito localmente, com cada território a definir o que é e o que não é aceitável.

Os vários editores da Playboy (são mais de três dezenas no total, embora nem todos marcassem presença) estiveram reunidos dois dias em Portugal. Quais foram as principais conclusões a que chegaram?
Este encontro serviu para explicar a lógica por trás da nossa decisão na edição norte-americana, mas também acompanhar os vários desafios nos diferentes territórios. Foi bom estarmos todos juntos.

Que decisões foram tomadas aqui e que possam vir a ser aplicadas a todo o universo da publicação Playboy?
Qual será o ponto ótimo entre audiência, publicidade e a revista. Não há diretivas aplicadas a todos, há apenas trocas de experiências com o objetivo de perceber como fazer melhor. O objetivo não era levar outros territórios a adotar a mesma posição que a Playboy tomou nos EUA. Não queremos forçar os valores americanos noutras marcas porque se funciona para eles, então devem continuar.

“Uma das coisas que a edição da Playboy portuguesa fez bem, e estamos também a fazer isso na versão norte-americana, foi não ir atrás das celebridades”, diz Cory Jones

Olhando para o universo Playboy, como conciliar esta mudança editorial com a famosa mansão da Playboy? Estas dimensões da mulher continuam a ser compatíveis?
A mansão é um importante aspeto-chave na mística da marca. Hugh Hefner [o fundador] é um ícone norte-americano, bem como a mansão, ambos farão sempre parte da marca, serão símbolos. Estamos a evoluir e a mudar a todo o tempo, mas creio que esses símbolos caminham em paralelo com o resto do universo da Playboy.

Mas esse mundo da Playboy deve manter-se como está ou deve mudar, adaptar-se?
É difícil mudar a mansão. É demasiado grande [risos], ‘Heff’ [Hugh Hefner, o fundador] está lá e vai continuar. É uma parte tão intrínseca da marca que, na minha perspetiva e mediante um olhar editorial, deve continuar.

Foi difícil convencer Hug Hefner desta decisão editorial de pôr termo à nudez feminina?
Não. Encontrei-o uma vez e foi exatamente para lhe mostrar as provas da edição sem nudez. Foi a reunião mais louca que tive: eu estava de fato e ele de pijama, foi fantástico. Ele foi direto ao assunto, riu, gostou de umas coisas, outras nem tanto e deu sempre as suas razões. Por exemplo, não gostou de uma das provas que lhe mostrei porque dizia que parecia um catálogo. Opinou sobre todas as páginas da edição e considerou que, apesar das mudanças, o ADN da marca estava patente. Aliás, é imortal. Ele percebeu e confiou em nós porque percebeu que cada coisa que fizemos tinha uma lógica, uma razão de ser. E assinou todas as páginas da revista. Aliás, faz isso com todas as edições da Playboy americana desde o início, ele envolve-se no processo. Foi muito entusiasmante.

Quanto tempo é que Cory dispõe para testar esta esta fórmula?
Na América, a revista é a nossa montra na Quinta Avenida e muita gente não só gosta, como se preocupa. Fizemos uma mudança desta natureza e recolhemos milhões de opiniões nas redes sociais. Não estou preocupado com os números. Isto não é apenas uma questão de vendas, é também uma questão de buzz. A revista é uma fatia da oferta 360 que temos, ao lado da internet, das redes sociais, de toda a estratégia.

Mas tem um calendário?
Não, não temos porque a revista é tão importante e isso só pode melhorar.

COO da Playboy Internacional, Cory Jones (Jorge Amaral/Global Imagens)
COO da Playboy Internacional, Cory Jones (Jorge Amaral/Global Imagens)

Conhece a experiência da edição portuguesa, que já vai na sua terceira tentativa. Como olha para isto?
Tenho falado com o Marco [Reis, diretor da Playboy Portugal], acho que esta terceira tentativa tem sido bastante bem sucedida. Estão no caminho correto ao dar aos leitores os assuntos que lhes interessam, as experiências e o que eles gostam. Uma das coisas que a edição da Playboy portuguesa fez bem, e estamos também a fazer isso na versão norte-americana, foi não ir atrás das celebridades.

Porquê? Porque são produções mais caras?
Quando se procuram celebridades, há expectativas e gerir isso é complicado. Quanto mais autêntico for, mais próximo se está desta nova geração, nas redes sociais. Há até números que apontam isso e acho uma ótima ideia.

“Acho que os anunciantes vão continuar a crescer neste novo modelo de revista [sem nudez] porque quanto mais veem, melhor eles perceberão o projeto”, considera o diretor de conteúdos da Playboy Internacional.

No que diz respeito à alteração feita na edição de março norte-americana, quais são os primeiros resultados obtidos?
A imprensa americana tem tomado uma posição muito positiva. A audiência e a publicidade têm registado, também, reações muito semelhantes. Especialmente nos EUA, a nudez era uma questão que preocupava os anunciantes. Agora, estamos a voltar a reunir com eles e as reações têm sido muito positivas.

E para a próxima edição: os valores e o interesse dos anunciantes mantêm-se como aconteceu nesta primeira revista sem nudez? Que alterações regista?
Estamos a fechar abril e temos uma revista melhor. Fazê-las é difícil e apostamos forte nesta decisão. Estamos a tentar fazer algo grande, com um corte drástico. Abril vai ser melhor que março.

Mas os anunciantes acharam o mesmo? Como está a reagir o mercado?
Acho que os anunciantes vão continuar a crescer neste novo modelo de revista porque quanto mais veem, melhor eles perceberão o projeto. Estamos a fazer algo que nunca ninguém tinha feito.

E quanto aos leitores?
A resposta tem sido positiva. Quando anunciámos esta decisão, em outubro do ano passado, monitorizámos as opiniões nas redes sociais e eles eram 86% positivas. Ainda não há números de vendas porque ainda só estamos à venda há duas semanas, mas acreditamos que vai correr muito bem. Era o que fazia sentido.