Por que razão gostamos tanto de falar do tempo?

Thermometer standing in the sand at the beach in very hot weather
[Fotografia: Istock]

Quantas vezes já olhou hoje para os ícones meteorológicos do seu telemóvel? E quantas vezes deu por si a prestar atenção às previsões de temperatura na rádio ou na televisão? Para lá destas e desde que saiu de casa, quantas vezes já comentou com conhecidos ou estranhos que arrefeceu ou que está frio? Muitas, de certeza…

Gostamos mesmo de falar de tempo, sim. Mas porquê?

“É mais fácil protestar contra as situações meteorológicas do que enfrentar outros assuntos, a nossa ânsia de protestar canaliza-se para a atmosfera, contra o tempo”, considera Manuel Costa Alves.

O meteorologista, de 73 anos, vinca que “é muito importante para a vida das pessoas a vivência do que acontece na atmosfera, porque querem sair e precisam de saber como vão vestidas – e vão mais desconfortáveis se estiver a chover, – e preferem sol”. Porém, também lembra que “se vem chuva, aí há um motivo para protestar. É o argumento fácil, é um poder que é simples pôr em causa”.

“É mais difícil de contestar quem governa mal e quem toma medidas injustas, e com estes temas das condições climatéricas passa-se ao lado das injustiças do quotidiano, porque não nos queremos aborrecer. Um obstáculo é um aborrecimento, falar do tempo é um pouco a superficialidade da nossa cultura. A atmosfera e os acontecimentos meteorológicos são o bode expiatório. É fácil, não tem rosto, é poético”, afirma o meteorologista, evocando a frequência com que os poetas falam, por exemplo, da chuva.

O que diz a boa educação

Importado dos ingleses, a professora de etiqueta, Paula Bobone, lembra que falar das condições do tempo é “uma maneira airosa e social de falar sem dizer nada e estabelecer ligação com os outros”. E vai atrás na história para vincar que “justamente os ingleses instalaram esse hábito social quando não tinham nada para dizer a outra pessoa, mas quando encontravam alguém abordavam esse tema porque gerava conversa para encher e para criar ambiente potencial para outros desenvolvimentos”.

Paula Bobone – que diz não gostar de dias mundiais, nem de evocações desta natureza – lamenta que em Portugal não haja distinção quando se fala de meteorologia, algo que os anglo-saxónicos distinguem bem: “Eles têm o weather (tempo meteorológico) e o time (tempo), eles às vezes são mais explicados.”

A etiqueta, garante a especialista, não tem regras sobre esta matéria. “Não diz nada sobre isto, a educação pede apenas às pessoas que sejam inteligentes, cultas e bonitas, e falar do tempo não tem mal. A pessoa bem-educada, saudável, com alguma cultura, com um comportamento simpático, socializa agradavelmente. Às vezes tem mesmo de falar do tempo”, recomenda.

Falamos mais hoje do tempo do que antigamente?

Há uma impressão generalizada de que se fala mais do tempo – seja pela frequência com que é abordado nos media ou até referido nas redes sociais -, mas talvez não seja tanto assim. “Acho que sempre se falou muito do tempo”, analisa Paula Bobone e recorda a época em que “as televisões, nos primeiros momentos, davam uns boletins meteorológicos muito curiosos, com ícones em cima dos mapas”.

E desabafa: “A pessoa, pelo menos, aprendia geografia e isso tinha a maior graça”.

“Acho que se fala mais ou menos o mesmo”, concorda Manuel Costa Alves. O meteorologista diz não ter conhecimento suficiente sobre esta matéria, mas lembra que “nos meios rurais nos anos 50 ou 60 também se falava, mas aí presumivelmente a preocupação era de utilidade. Agora, há outro tipo de preocupação, mais urbanófila”.

Recua até mais na História para evocar “a quantidade de provérbios que existem sobre o tempo”, tendo até lançado um livro em 2002, pela editora Gradiva, intitulado Mudam os ventos, mudam os tempos – O Adagiário Popular Meteorológico. Afirmou, em 2005, que “entre 90 e 95 por cento dos adágios populares sobre a atmosfera são corretos”.

Hoje, reitera essa mesma ideia. “A ciência mais avançada sobre os fenómenos atmosféricos é a dos ditados populares, não é a dos filósofos, nem dos cientistas”, salvaguardando que “não temos a sabedoria das pessoas, por exemplo, da Idade Média, dos agricultores ou dos pescadores, mas temos algum conhecimento de como as coisas se comportam”.

Costa Alves admite, porém, que “há uma banalização porque, quando não temos mais nada que fazer, falamos desse tema, e até nisso a atmosfera ajuda as pessoas a comunicar. Isto de meteorologistas e loucos, todos temos um pouco”, brinca.

“Quando não há notícias para dar, noto que os meios de comunicação social vêm ter comigo. É também uma bengala a que aos media se agarram. Sabem que ali há sempre possibilidade de noticiar, há sempre um espaço de comunicação. Há dias que é importante prevenir as pessoas para as situações de emergência de Proteção Civil, mas é interessante verificar que há todo este caldo cultural à volta da atmosfera”, analisa.

Paula Bobone sublinha que os novos dispositivos móveis também trazem consigo alterações comportamentais a este nível. “Há uma mudança enorme em curso e que passa pelo facto de os telemóveis terem a previsão meteorológica. Agora, basta ir à algibeira para decidir se levamos guarda-chuva, ou não, se vamos sair à rua de tailleur Chanel ou de mangas curtas”, exemplifica a especialista em etiqueta, de 71 anos.

A professora considera até que os telemóveis vieram retirar importância às televisões no que diz respeito à informação sobre as condições do tempo. “Elas, até nisto, estão já ultrapassadas, há uns canais televisivos que criam dramas à volta desta matéria e tem frases feitas super-ridículas: alerta para isto e para aquilo, é uma prática foleira”.

Alertas: a história de Pedro e do lobo

Importantes para preparar as pessoas para condições adversas, os alertas por cores – amarelo, laranja, vermelho, entre outros – são cada vez mais recorrentes nas notícias. “É preciso ter cuidado porque há o risco de haver uma banalização e, quando vier mesmo o lobo feroz, podemos não estar preparados. Porque os lobos para os quais estamos a chamar à atenção não são assim tão ferozes”, sublinha Manuel Costa Alves.

O meteorologista diz que “se deve explicar melhor as situações porque as pessoas não sabem bem o que um determinado grau qualifica. Por isso, era bom que, quando se fala em alerta x, houvesse explicação e não houvesse banalização do discurso. Nisso os media, a Proteção Civil e Instituto Português do Mar e da Atmosfera devem investir fortemente”.

Há melhoramentos a fazer? Sim, diz Costa Alves. “Quando é um furacão que vem aí é preciso estarmos em cima e podermos aconselhar muito melhor. Ao mesmo tempo, os serviços também têm de estar melhor adaptados, com melhores condições e com caraterísticas mais definidas para antecipar a chegada de um lobo feroz”.

Para lá de um “acompanhamento mais localizado e com grau de probabilidade” ainda mais afinado, é preciso fazer com que o sistema de Proteção Civil – “muito apoiado nos bombeiros” – deixe de ser socorrista para “passar a ser mais preventivo”, pede o especialista.

O bom e o mau tempo: é preciso cuidado!

E já que se fala tanto de tempo, é cada vez mais importante que se faça corretamente. E aqui Manuel Costa Alves aponta fragilidades que devem ser corrigidas: “Por nós, nesta cultura em que vivemos, nunca chovia, bom mesmo era estar sempre sol, mas isso nem sempre é correto, e é superficial. E os meios de comunicação ajudam a que tenhamos essa mentalidade.”

Para o meteorologista não há dúvidas de que “falamos muito deste assunto e falamos erradamente” porque é fácil ver “ministros, pivôs de televisão, variadíssimas pessoas a falar nas condições climatéricas de forma superficial”.

Não faltam exemplos para clarificar aquela ideia. “Estar sol quente em janeiro não é sinal de bom tempo e, no entanto, dizemos isso. É um conceito completamente errado”. “Estes meses de março e janeiro dos últimos 20 anos têm sido frequentemente secos e quentes e isso é mau tempo, mas, na nossa cultura urbanófila, isso é bom tempo. Também ter 40 graus na praia não é sinónimo de bom tempo, isso não faz bem à saúde. Os extremos são maus, seja de um lado, seja do outro”, diz Costa Alves.

Por isso, se depois deste artigo continuar a falar do tempo porque gosta, porque precisa ou porque não sabe o que dizer, aqui fica uma recomendação: tenha cuidado com a língua!