Há dez anos fui pela primeira vez a uma Moda Lisboa, na altura era estudante de design de moda e esperava numa fila interminável de convite na mão para poder assistir com entusiasmo às propostas da moda portuguesa para a estação seguinte. Na altura acreditava que um dia seria a roupa desenhada por mim que iria desfilar na passerelle de moda mais importante do país, sim porque há dez anos era a Moda Lisboa o grande evento da moda nacional.
O Portugal Fashion acontecia no Porto, muito mais ligado à indústria e às marcas comerciais, e o meu curto orçamento de jovem de 18 anos não me permitia rumar a norte para conhecer esse outro lado da moda. Além disso, no final das contas, era ali em Lisboa que a moda de autor tinha o seu palco principal, e era isso – na altura em que acreditamos que podemos mudar o mundo e que não nos preocupamos muito com questões económicas, abençoada inocência – que me interessava. Não foi preciso muito tempo no curso de Design de Moda na Faculdade de Arquitetura de Lisboa para que o meu radar deixasse de estar focado no design para se virar para as revistas, para a produção e jornalismo de moda, e em 2010 assistia ao meu primeiro desfile de acreditação de imprensa ao peito.
Nesse dia, a minha maneira de ver os desfiles mudou.
Já não contava apenas o que se via ali na passerelle mas todos o contexto da marca e do designer. Além de perceber a posição intelectual tomada em cada coordenado, passou a ser imprescindível compreender se aquela roupa teria viabilidade comercial no nosso país ou fora dele. De há oito anos para cá nunca deixei de ver um único desfile nesta perspetiva, tanto em Lisboa como no Porto. Assisti da primeira fila às alterações significativas que aconteceram nestas duas semana de moda nacionais, e foram muitas e muito importantes.
O Portugal Fashion foi, edição após edição, conquistando terreno na moda de autor, tendo agora do seu lado a grande maioria dos designers de moda de renome nacional, ainda que em Lisboa se conservem titãs como Filipe Faísca, Dino Alves, Valentim Quaresma e Luís Carvalho. Uma quebra no calendário que abalou a Moda Lisboa obrigando-a a pensar em novas soluções, o que conseguiu fazer com a recuperação do Sangue Novo, que revela jovens designers, a introdução de atividades paralelas mais ligadas a marcas nacionais e sem nunca perder a sua forte componente artística, um aspeto que sempre distinguiu o palco lisboeta da moda nacional.
De Lisboa, o Porto nunca conseguiu levar o glamour, tão importante nos eventos desta categoria, nem a criatividade, bem presente nos espaços, cartazes e narrativa da Moda Lisboa. Já Lisboa nunca conseguiu competir com as ferramentas de internacionalização emprestadas pelo Porto, uma peça fundamental para que muitos designers tenham optado por apresentar as suas coleções no norte do país, uma área geográfica que se estendeu à capital portuguesa em 2012 com um dia de Portugal Fashion em Lisboa, algo que tem acontecido ininterruptamente desde então.
Num país com cerca de 700 km de comprimento existem dois eventos de moda, que distam entre si apenas 300 km e temporalmente uma semana ou duas no máximo. São duas semanas de moda, diferentes entre si mas, mas que têm como foco precisamente a mesma coisa: a promoção da moda portuguesa, embora com abordagens distintas.
Por esta razão fará sentido ainda termos dois eventos diferentes, em vez de um juntar de forças, unindo o que de melhor se faz em cada um? Fará sentido dividir designers, dispersar imprensa, mover equipas técnicas (que são compostas, em parte, pelas mesmas pessoas) do centro ao norte do país? Bem sei, agora que já não tenho dezoito anos e já me interesso por economia, que nem sempre é fácil mudar grandes estruturas, sobretudo quando estão apoiadas em apoios financeiros diferentes. No entanto, não é difícil pensar que faria mais sentido para a moda nacional, que é o que deve estar em primeiro plano nesta discussão, poderia beneficiar se estas duas semanas juntassem forças aproveitando o que cada uma tem de melhor.
Numa altura em que o mundo está a atravessar enormes mudanças políticas, que certamente terão consequências económicas, em que a moda em particular também está a mudar tendo agora com os olhos postos nas novas gerações e no mundo digital, e até a imprensa especializada joga às cadeiras e luta por conciliar a palavra impressa com a digitalizada, talvez este fosse assunto a ser pensado com todas as cartas em cima da mesa, para o bem de uma marca Made in Portugal com qualidade e retorno económico.