Portuguesa e voluntária num campo de refugiados, capítulo I

leila campos

Um amigo falou-nos de Leila Campos. Ela iria em breve para Lesbos, fazer voluntariado por duas semanas junto dos refugiados. Ligámos a Leila, que foi jornalista, e pedimos-lhe que nos contasse a sua história, que nos contasse como cresceu esta ideia dentro do peito de uma mulher com duas filhas, com um emprego, que se separa de tudo durante duas semanas para se pôr ao serviço dos outros, ainda por cima daqueles que agora parecem ser os mais temidos pela Europa.

Contou-nos ao telefone as suas razões e nós pedimos-lhe que lhe contasse a si, em primeira mão, o que Leila vê, ouve e sente no campo de refugiados de Lesbos. Durante as próximas semanas, esta mulher que embarcou no domingo para a pequena ilha grega vai escrever-nos com a regularidade que o trabalho voluntário lhe permitir e contar-nos quem são estas pessoas, como é que chegam, de que é fogem.


Capítulo I

“Encheram a terra de fronteiras, e carregaram os céus de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e a dos mortos.” A citação é do Mia Couto e adequa-se ao que sinto quando se fala da crise dos refugiados. Políticas à parte, são seres humanos cujo único erro foi terem nascido no país errado. Fogem do horror da guerra. E se acontecesse connosco? E se fôssemos nós?

Ver os líderes na Desunião Europeia a fingirem que nada se passava. E as imagens de pessoas a morrerem afogadas, quase à nossa porta, angustiavam-me. Falava com as minhas filhas e tentava fazer-lhes compreender aquela tragédia. Um dia, a mais nova telefona-me para o meu trabalho: “Mãe, sabes que o Bashar Al-Assad se vai encontrar com o Putin, para fazerem uma aliança? Não é horrível?” Ela tem 12 anos.

Perguntei-lhe se sabia quem eram aqueles senhores. Respondeu-me prontamente, e comecei a pensar que estava a ir longe de mais com os meus discursos. Mais tarde, a irmã, de 17 anos, também manifestou cansaço e com a assertividade típica dos adolescentes disse-me: “Mãe se esta causa te diz tanto, se queres fazer a diferença, faz alguma coisa! É muito fácil falar no conforto da nossa casa”.
Ela tinha razão. Decidi que era tempo de agir. Comecei a pensar se era mesmo possível fazer a diferença. Pesquisei sobre o que está a acontecer na Ilha de Lesbos e o que os Media não relatam, porque deixou de ser notícia a morte de 10 ou 30 refugiados no Mar Egeu, todos os dias.

A ilha tem 86 mil habitantes, enfrenta uma crise económica profunda desde há 5 anos e recebe quase diariamente entre mil a 7 mil refugiados. O impacto económico, social e ambiental tem sido devastador.

Percebi que são os voluntários das 80 organizações não-governamentais (ONG) sediadas na ilha que fazem a diferença neste mar. Percebi que todos podemos fazer a diferença. Comecei a fazer um plano. Pedi ajuda a toda agente, algo novo para mim. Pedir ajuda. Tudo se aprende. Nós, mulheres, achamos que podemos fazer tudo sozinhas. Eu chamo-lhe o síndroma da super-mulher.

A coisa não ia ser fácil. A Global Ecovillage Network (GEN) a organização que contactei aceitava voluntários, mas com estada mínima de 2 semanas. Tenho 2 filhas, um emprego de que necessito e a viagem tinha de ser auto-financiada. No Natal pedi às crianças, como presente, a minha ida para Lesbos. Só tinham que me dizer o que sentiam e se concordavam. Recebi um uníssono: “Vai! ”

Falei com o pai delas, que conhecendo a minha veia quixotesca, concordou em ficar com elas durante a minha ausência. Fiz um apelo na minha página de Facebook aos meus amigos para contribuírem como pudessem. Além de ir, queria levar fundos para comprar lá o que fosse necessário no imediato. Desta forma estaria a ajudar pessoas que perderam tudo na guerra e, ao mesmo tempo, a economia da ilha.
Só faltava o meu emprego. Tenho a sorte de ter como chefe uma mulher que tem um coração do tamanho do mundo “Se pudesse ia contigo”, disse-me.
E foi assim que fiz as malas rumo a Lesbos, consciente de que nada me pode preparar para esta experiência. Mas muito grata pelo apoio que recebi, e por estar rodeada por pessoas que acreditam que é possível todos contribuímos para um mundo melhor.