Portuguesas rejeitam padrões de sucesso e dizem o que as realiza

A noção de êxito feminino, que tem passado, em grande parte, pela ascensão da mulher na carreira, pela luta por salários iguais e por atingir os lugares de topo da hierarquia, parece estar a perder terreno entre as portuguesas.

Segundo um estudo desenvolvido pela Netsonda, para a marca Evax, 76% das mulheres afirma que o êxito é algo mais do que material.

A investigação, que envolveu uma amostra de 250 mulheres, residentes em Portugal, com idades entre os 20 e os 35 anos, mostra que a noção de sucesso passa cada vez mais por valores pessoais do que por padrões sociais, com 84% das inquiridas a dizer que têm a sua própria definição de sucesso. (Veja mais na galeria, em cima).

“Quando se perguntou como definem o sucesso, a maioria das inquiridas afirmou resultar de uma combinação de vários fatores; 41% indicam mesmo entre nove a 12 traços diferentes – sendo que apenas 4% descrevem o êxito com quatro ou menos expressões”, refere a análise do estudo.

Apesar das noções individuais há elementos que parecem ser comuns à esmagadora maioria das inquiridas, mas também eles se afastam do modelo êxito=sucesso profissional. “Fazer o que se gosta” (93%), desfrutar de “equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal” (92%) estão no topo das prioridades das inquiridas.

“A dimensão ‘ser’ tem ganho espaço em detrimento da dimensão ‘ter’ ou ‘fazer'”, explica Filipa Jardim da Silva.

Mais do que estatuto e poder, a componente profissional parece ser, sobretudo, encarada com um meio para atingir um fim e não como um objetivo de vida primordial.

Gozar de “independência” e ter “estabilidade financeira” são fatores que contribuem para a noção de sucesso de 81% das mulheres portuguesas.

Mulheres mais exigentes consigo próprias

Apesar de valorizarem a capacidade de definirem o seu próprio sucesso, 64% das mulheres revelam-se exigentes consigo mesmas, considerando que não são “muito bem-sucedidas” e apenas 10% se confessam totalmente realizadas.

Entre as principais razões para se sentirem realizadas estão “ter um bom emprego” (21%), uma boa “estrutura familiar” (12%), “atingir os objetivos” (10%) a que se propõem e “serem felizes” (8%).

Por outro lado, as novas gerações revelam também que as suas principais frustrações são “não ter ainda atingido os seus objetivos” (19%), “não se sentirem realizadas no emprego” (13%) ou “não se considerarem pessoalmente realizadas” (9%). O facto de terem relações felizes (93%) e um bom grupo de amigos (53%) parece ser “menos relevante para definirem o seu próprio triunfo”,assinala o estudo.

O que mudou nas mulheres para o êxito não ser visto apenas como sucesso profissional?

Filipa Jardim da Silva, Psicóloga Clínica e coach profissional, explica ao Delas.pt que a noção de êxito, não só pode adotar significados diferentes de pessoa para pessoa, como, mesmo dentro do seu âmbito mais tradicional – o campo profissional e financeiro -, pode abarcar uma série de fatores: desde a remuneração, ao status e a evolução profissional, até à auto realização, passando pela atualização permanente de conhecimentos, pelo reconhecimento, pela autonomia e pela dinâmica da equipa á qual se pertence.

“Para a geração de mulheres nascida nos anos 80 e 90, sucesso é cada vez mais ter a liberdade de viver de acordo com os seus valores, em que muitas das regras e padrões clássicos são reescritos com ênfase num equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.”

Mas, a par das variáveis individuais, a psicóloga assinala a existência de divergências de género, nesta matéria, que foram resultando da própria atribuição de papéis sociais e culturais a cada um dos sexos.

“Alguns estudos têm sugerido que as mulheres são menos motivadas por salário, status e poder do que os homens. Considerando que as nossas definições de sucesso são frequentemente influenciadas pelas realidades externas. Tradicionalmente têm existido menos mulheres do que homens em cargos de nível superior. Ao mesmo tempo, continua a ser atribuído às mulheres o papel de cuidadoras principais. Estas realidades tendem então a influenciar a forma como as mulheres conceptualizam o sucesso ao longo do tempo”, refere Filipa Jardim da Silva.

É, por isso, “natural”, sublinha a especialista, assistir-se a uma evolução da perceção de êxito ao longo dos tempos e das gerações, lembrando que, em tempos, foi o matrimónio “o auge de sucesso de uma mulher”.

Se com a evolução do papel da mulher e do seu acesso ao mercado de trabalho, ser bem-sucedida passou sobretudo pelo “avançar por entre sistemas hierárquicos dominados por homens, em que a evolução na carreira ganhou destaque”. “Para a geração de mulheres nascida nos anos 80 e 90, sucesso é cada vez mais ter a liberdade de viver de acordo com os seus valores, em que muitas das regras e padrões clássicos são reescritos com ênfase num equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, com mais foco numa dimensão de empreendedorismo e responsabilidade social e com uma abordagem mais igualitária e colaborativa”, aponta a psicóloga.

Filipa Jardim da Silva considera que mais do que em qualquer outro tempo da história, “as mulheres têm atualmente oportunidades de definir e perseguir os seus sonhos e objetivos, de forma única e pessoal” e para isso, em muito contribuiu a globalização e o esbatimento de barreiras culturais e geográficas, que trouxeram um significado mais coletivo às palavras sucesso e êxito.

No estudo, quando questionadas sobre as suas ambições, 71% das mulheres revelaram que gostariam de “viajar mais” e 54% mencionaram desejar “tirar mais partido das coisas boas da vida”.

“A dimensão ‘ser’ tem ganho espaço em detrimento da dimensão ‘ter’ ou ‘fazer'”, explica Filipa Jardim da Silva.

Depois de provarem à sociedade o seu valor, as mulheres parecem estar cada vez mais viradas para a sua valorização individual e para a sua complexidade enquanto seres humanos. Em resultado disso, como adianta a psicóloga, apropriam-se mais das suas vidas, responsabilizam-se pelas suas escolhas e criam noções de sucesso e de felicidade à sua medida.

“Esta evolução faz com que as mulheres se encarem cada vez mais na sua globalidade de papéis e não apenas em dimensões isoladas, como a maternidade ou a carreira; nesse sentido, a definição de êxito também se assume como mais integrativa e alinhada com uma dimensão pessoa mais completa ao invés de parcial e apenas fechada num único papel.”

Na galeria, em cima, pode ver as principais respostas dadas pelas mulheres portugueses sobre o que consideram ser os sinónimos de êxito e sucesso.

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