#PowerWoman Sharmadean Reid: “Vence quem nunca desiste”

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Empresária de sucesso na área da beleza, poderia dedicar-se apenas a ganhar (mais) dinheiro, mas faz questão de partilhar com outras mulheres o que aprendeu sobre empreendedorismo. Persistência e curiosidade são qualidades essenciais, revelou na sua recente visita a Lisboa.

Sharmadean Reid era estudante de moda e comunicação na universidade londrina Central St. Martins School of Art quando, em 2005, criou a WAH, uma publicação dedicada ao hip hop no feminino. Um dia, na sequência de uma má experiência num salão de manicura, decidiu abrir o seu próprio espaço, WAH Nails, onde as mulheres pudessem ter “tudo o que quisessem na ponta dos dedos”.

Participar na London Fashion Week, colaborar com grandes marcas e estar presente, de forma temporária ou permanente, em lojas como a Selfridges ou a Topshop de Oxford Circus contribuíram para o sucesso, que se traduziu ainda num grande volume de vendas de produtos para unhas e na criação do seu atual salão de dois andares no Soho (www.wah-london.com).

A comunidade de admiradoras que foi reunindo ao longo do tempo, nomeadamente através de WAHappenings e WAH Power Lunches, onde mulheres se encontravam para discutir ideias e carreiras, também ajudou muito.

Aos 24 anos, o jornal The Independent incluiu-a na lista de 15 pessoas que iriam definir o futuro das artes na Grã-Bretanha e, há dois anos, foi distinguida como Membro da Ordem do Império Britânico pelos serviços prestados à indústria da beleza.

Hoje, com 32 anos, um novo projeto e muito menos tempo disponível, Sharmadean Reid continua apostada em partilhar o que aprendeu sobre como criar e gerir negócios. Foi o que fez recentemente em Lisboa, num encontro inspirador no Second Home, em parceria com a Embaixada Britânica.

Sharmadean Reid [Fotografia Sara Matos/Global Imagens]

Fez sucesso com o salão WAH Nails. Como surgiu a ideia de montar este negócio?

Nunca planeei trabalhar em beleza, de todo. Não pretendia abrir um salão mas fui por esse caminho, trouxe-me até aqui e agora adoro. Quando tinha 24 anos decidi investir nesta área porque é facilmente partilhável nas redes sociais, e o que não o for não será popular. São democráticas, não é necessário ser rica, magra ou estar bonita para partilhar uma foto do novo design das unhas.

Hoje em dia há muitíssimos salões. É um mercado que ainda pode crescer?

Pode. Quando se tem uma boa ideia há sempre mercado. Sei que em Portugal há muitas mulheres brasileiras a trabalhar e são ótimas em todas as áreas de beleza, das unhas a cabelos, etc., tem a ver com a sua cultura. Mas há sempre espaço para crescer se se tiver um conceito novo.

Estou a criar um sistema parecido com uma rede social para beleza

Também já trabalhou em moda. Tem projetos nessa área? E pretende abrir mais salões?

Foram só colaborações, por exemplo com a ASOS, não pretendo dedicar-me ao vestuário. Nem abrir mais salões. Tenho gerentes que se ocupam da gestão, eu só verifico se está tudo bem. Agora estou cem por cento concentrada num novo projeto, Beauty Stack (www.beautystack.co).

De que se trata?

Quero fazer o melhor software para salões de manicura, cabeleireiros e áreas afins pois o que existe não é propriamente bom. Um programa que permita fazer marcações, por exemplo, e ajude a gerir melhor o negócio. Estou a criar um sistema parecido com uma rede social para beleza.

As estatísticas dizem que a maioria dos novos negócios fracassam. Ouvindo-a falar parece tudo muito fácil…

Não é fácil para ninguém e também não o é para mim. A questão é que não desisto! Tenho noção de que é um assunto muito sério e de que estou a correr riscos sempre que começo um novo negócio. Não é nada que se faça de ânimo leve, a brincar, até porque emprego pessoas, 18 no total, é uma responsabilidade muito grande. Li que não são as pessoas com mais talento que vencem, mas as que não desistem. É o meu caso: quando o meu negócio não está a correr bem procuro novas formas de ganhar dinheiro, tenho de ser criativa a tempo inteiro. Mas não é fácil para ninguém.

Como lida com essa responsabilidade? Tira-lhe o sono?

Sim, durmo muito mal desde que fui mãe e também porque o meu cérebro não para de pensar. Acordo duas ou três vezes por noite, não necessariamente devido ao stress, pode ser por ter uma ideia. Poderia ter escolhido uma vida fácil, escolhi este caminho e ele traz alguma ansiedade mas eu gosto!

Porque é que decidiu partilhar os seus conhecimentos com outras mulheres, como veio fazer a Lisboa?

Quando tinha 24 anos e quis começar o meu negócio, não havia informação e ninguém era honesto sobre o que era necessário para o fazer. Senti-me na obrigação de partilhar o que aprendi e fico feliz ao ver mulheres que não tinham nada a conseguirem ter alguma coisa. Dá-me uma grande satisfação pessoal.

Prescindiu de investir mais tempo no seu salão para ensinar outras mulheres…

Sim, e esta partilha requer bastante tempo. Como não é exequível continuar a fazer encontros mensais, como tenho feito em Londres, até porque estou totalmente concentrada na Beauty Stack, em breve pretendo disponibilizar online, em www.futuregirlcorp.com, uma espécie de guia para criar uma empresa e desenvolvê-la. Assim é possível ajudar as mulheres de qualquer ponto do mundo.

Qual é o principal conselho que pode dar a quem quer ser empreendedora?

Nunca desistir porque é a pessoa mais resiliente, e não a mais talentosa, que vence. É a que nunca desiste.

Mas não há características pessoais que ajudem algumas pessoas a serem melhor sucedidas do que outras?

Curiosidade! Faço sempre perguntas. Ao fazê-las aprende-se sobre o comportamento humano, sobre o que as pessoas comprarão, o que desejam, o que as faz sentir melhor. Sou boa no que faço devido à curiosidade, nada mais do que isso. E não há um trabalho que tenha tido desde os 14 anos que não tenha contribuído para o que sou hoje. Quando se serve bebidas num bar, por exemplo, aprende-se a interagir com clientes, a não desperdiçar produtos, a gerir um pequeno negócio. Tudo isso contribui para o conhecimento, nenhum tempo é desaproveitado.

Sharmadean Reid [Fotografia: Sara Matos/Global Media]

Já tem planos para futuros negócios?

Há muitas coisas que quero fazer. Uma escola, por exemplo, ou uma biblioteca…

Uma escola?

Para raparigas. Uma finishing school [escolas onde se aprende também etiqueta e outros saberes considerados importantes para passar a fazer parte da sociedade] moderna. Só as raparigas ricas as frequentam, porque não todas? Porque não ensiná-las a ser mulheres modernas nos tempos atuais?

O que acha que é importante ensinar às jovens?

A serem adultas independentes. Quando se é mulher, ninguém ensina como poupar, como investir, como manter a saúde mental nas redes sociais, perante “amigos” que podem ser horríveis. Não se ensina que são seres com emoções mas também com poder. Muitas vezes os meios de comunicação só dizem às mulheres como se devem vestir para o namorado, que não devem ser gordas, não mencionam o poder que se tem. É preciso dizer-lhes que podem ser o que quiserem! Quando se é rapaz fala-se de finanças, de investimentos, à mesa do jantar com o pai. Se se é mulher e se quer comprar uma casa ninguém explica nada, tem de se aprender sozinha e não é fácil. Porque não explicar às jovens como poupar mais dinheiro para, se tiverem problemas, poderem enfrentá-los melhor? Acho que há muita coisa a ensinar a raparigas entre os 16 e os 18 anos para as preparar para entrar no mundo adulto.

Quando se é mulher, ninguém ensina como poupar, como investir, como manter a saúde mental nas redes sociais, perante “amigos” que podem ser horríveis. Não se ensina que são seres com emoções mas também com poder

Isso devia ser ensinado nas escolas, como História ou Geografia?

Sim. Uma disciplina do género “Como ser uma cidadã”. Algumas escolas ensinam cidadania, mas não são muitas.

Sempre teve essa consciência do que é ser mulher?

Sim, até porque venho de uma família com muitas mulheres, tenho oito tias. A minha família disse-me que podia ser o que eu quisesse. Quando me mudei para Londres, com 19 anos, percebi que as famílias não eram todas assim, as mulheres em geral eram mais fracas. Foi estranho.

E tornou-se feminista…

O feminismo é um processo, um longo processo. Não se acorda um dia a pensar “sou feminista”, é preciso descondicionares-te a ti própria de séculos de opressão, leva muito tempo. Quando era mais nova não pensava ser feminista, para mim era uma coisa de mulheres feias dos anos 70… Tens de repensar tudo. É uma questão de direitos humanos. E de te descondicionares, pôr de parte tudo o que te disseram e reconstruir o pensamento por ti própria, por aquilo que acreditas que está certo. Às vezes é preciso parar e reservar um tempo para pensar, não se pode dar nada por adquirido.

O feminismo é um processo […]é preciso descondicionares-te a ti própria de séculos de opressão, leva muito tempo

Mas hoje é difícil ter tempo para pensar.

Exato, e por isso é preciso ter essa consciência e parar, fazê-lo conscientemente. Porque o importante é saberes o que é certo e sentires-te bem.

E este é um momento para refletir, até devido aos múltiplos casos de assédio que são notícia a nível internacional.

Vivemos um período muito especial e é incrível perceber que ninguém está a salvo. Mas quando se fala de assédio sexual é preciso ver como se lida com isso. O trauma vai manter-se, é doloroso para as vítimas, com a divulgação vem a dor. Tem de se estar preparada e dar-se a si própria espaço e tempo para pensar, é um processo muito pessoal. Passa-se algo relativamente semelhante quando se é uma mulher negra: quanto mais aprendes sobre a História dos teus antepassados mais difícil é. Tenho um filho de seis anos e, por causa do que estava a estudar, falei-lhe sobre escravatura. Ficou chocado mas tinha de o ajudar a lidar com isso, agora, porque aos 10 ou 15 anos seria ainda mais doloroso. Cada mulher transporta consigo um trauma diferente. Somos uma sociedade livre, claro, mas devíamos ser preparadas para a dor que essa liberdade pode trazer.

Teresa Frederico

Imagem de destaque: Sara Matos/Global Imagens